Ilustrações na ficção de Jorge Amado: Floriano Teixeira e Clóvis Graciano
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Este livro investiga a relação das categorias visuais de desenhos ilustrativos de duas obras de ficção de Jorge Amado — a novela A morte e a morte de Quincas Berro Dágua e o romance Terras do sem-fim — com aspectos da cultura baiana. Os ilustradores são dois artistas plásticos brasileiros amplamente conhecidos, o maranhense Floriano Teixeira e o paulista Clóvis Graciano.
O estudo analisa de modo interdisciplinar as referidas ilustrações, cujas áreas são: desenho, literatura de ficção, semiótica e antropologia. O autor entende cada ilustração como signos estruturados à luz de uma sintaxe visual. A problemática sociocultural dos desenhos é percebida mais profundamente com a análise dos signos da morte no diálogo intersemiótico.
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Ilustrações na ficção de Jorge Amado - Olímpio Pinheiro
NOTA PRÉVIA
O texto deste livro — com alterações mínimas — é, originalmente, o da dissertação de mestrado em Desenho, Cultura e Interatividade, que foi defendida na Universida A interpretação no direito tributário_ePub de Estadual de Feira de Santana em 10 de agosto de 2017.
A Deus.
AGRADECIMENTOS
A Deus.
A meus pais, Valdomiro e Ismênia. A Hermilo e Manuel, meus irmãos.
À Fundação Casa de Jorge Amado.
A meu orientador, Prof. Dr. Edson Dias Ferreira.
Aos entrevistados Juraci Dórea, João Spacca de Oliveira, Mike Sam Chagas, Ilana Seltzer Goldstein, Francisco Ferreira de Lima, Vivaldina Santos da Conceição Martins e Ednalva Oliveira Santos, pelas valiosas participações.
A Cristiano de Vasconcelos Teixeira e Paulo Sergio Portugal Graciano, por permitirem a reprodução, respectivamente, das ilustrações de Floriano Teixeira e Clóvis Graciano.
À CAPES, pela bolsa que financiou esta pesquisa.
A Ed Carlos, José Alberto, Mike Sam Chagas, Adriana Borges, Maria Themis, Fabiana Freire e Ligia Sena, pela amizade generosa.
O povo se reconhece herói de meus livros.
JORGE AMADO
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO
1. TRAÇOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DA ILUSTRAÇÃO
1.1 Etimologia e contexto histórico-filosófico
1.2 Conceito
1.3 Escrita: antecedentes e desenvolvimentos pelo desenho
1.4 Modos de ilustrar culturas
1.5 Sofisticação técnica e criativa da ilustração
1.6 A ilustração impressa: considerações técnicas e estilísticas
1.7 A ilustração científica
1.8 O dinamismo na ilustração barroca
1.9 O texto que ilustra a imagem
1.10 Desdobramentos da ilustração: do século XVIII ao XX
2. JORGE AMADO: ASPECTOS DA NARRATIVA
3. SIGNOS DA CULTURA BAIANA NAS ILUSTRAÇÕES DE FLORIANO TEIXEIRA E CLÓVIS GRACIANO
3.1 Experiência fenomenológica: como os quali-signos das ilustrações se apresentam e se relacionam?
3.2 Como as ilustrações impressas indicam seus objetos dinâmicos?
3.3 Relações icônicas
3.4 Relações indiciais
3.5 Relações simbólicas
3.6 Análise das categorias visuais da primeira ilustração de Floriano Teixeira
3.7 Análise das categorias visuais da segunda ilustração de Floriano Teixeira
3.8 Relação das ilustrações de Floriano Teixeira com a cultura da Bahia
3.9 Diálogos entre as ilustrações de Floriano Teixeira e o texto literário
3.10 Signos da morte no diálogo das ilustrações de Floriano Teixeira com o texto literário
3.11 Análise das categorias visuais da primeira ilustração de Clóvis Graciano
3.12 Análise das categorias visuais da segunda ilustração de Clóvis Graciano
3.13 Análise das categorias visuais da terceira ilustração de Clóvis Graciano
3.14 Relação das ilustrações de Clóvis Graciano com a cultura da Bahia
3.15 Signos da morte no diálogo das ilustrações de Clóvis Graciano com o texto literário
4. OLHARES E VIVÊNCIAS: DIÁLOGOS COM SIGNOS DA CULTURA BAIANA
4.1 Metodologia das entrevistas
4.2 Reaproximação dos entrevistados com os signos do real
4.3 Função principal da ilustração de uma obra literária
4.4 Através de ilustrações: modos de ver, pensar e sentir uma cultura
4.5 O estranhamento diante de uma outra Bahia
4.6 Categorias visuais recontextualizando signos da cultura
4.7 O papel fundamental da ilustração de textos literários
4.8 A importância de ilustradores consagrados para a obra de Jorge Amado
4.9 Variedade dos signos da cultura baiana: o material e o imaterial
4.10 Ilustrar, ressignificar: uma outra representação cultural
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
APÊNDICES
APÊNDICE A — Dados biográficos dos ilustradores e do escritor
APÊNDICE B — Dados biográficos dos entrevistados
APÊNDICE C — Roteiro das entrevistas
APÊNDICE D — Homenagem a Jorge Amado
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
PREFÁCIO
O livro que o leitor tem em mãos nasce timbrado pelo selo da raridade bibliográfica, ou seja, dificilmente se encontra exemplar que se lhe equipare em profundidade sobre o tema da coexistência: ilustração e obras literárias. Aqui se encontra uma reflexão embasada, objetiva, clara, de plena lucidez, tudo frutos da maturidade acadêmica agora exposta e disponibilizada pela maestria de Olímpio Pinheiro, que reconhece a habilidade da mão de quem escreve harmonizada com o poder da mão de quem desenha.
A capacidade de romantizar e criar ficção na prosa, que conferiu a Jorge Amado notoriedade em escala internacional, também se reflete na aptidão de dois desenhistas, Floriano Teixeira e Clóvis Graciano, que, traduzindo símbolos do contexto cultural típicos do universo amadiano, contribuíram para fixar o estilo singular do escritor, através de suas ilustrações em bico de pena, incorporando a feição peculiar dos personagens criados pelo autor baiano.
Olímpio Pinheiro lançou um olhar inovador sobre a relação desenho e literatura, reconhecendo nas ilustrações de dois livros de Jorge Amado o testemunho da identificação e interatividade da cultura baiana. E essa originalidade evidente torna a leitura deste compêndio instigante, motivadora, necessária e salutar.
Em estilo elegante e discurso arrebatador de verve quase cenográfica, o autor consegue atrair para o essencial da mensagem decorrente da análise que realizou. E, desta sorte, faz o leitor adentrar neste livro como quem se assenta à plateia de um teatro para assistir ao desenrolar fluido de uma peça na qual o desenho é o protagonista.
Sob a direção de Olímpio Pinheiro, Ilustrações na ficção de Jorge Amado... aqui se anuncia como um grande espetáculo!
Antônio Wilson Silva de Souza
Doutor em História da Arte - Universidade do Porto
Docente do Departamento de Letras e Artes - Universidade Estadual de Feira de Santana
Salvador, 2020.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, ressaltamos as necessidades de se decifrar os mecanismos que orientam a produção de signos da cultura no âmbito da ilustração. Para isso, foi preciso compreender os princípios que governam a configuração¹ do desenho ilustrativo, o seu diálogo intersemiótico com o texto literário e suas íntimas relações com a cultura.
O objeto deste estudo — ilustrações selecionadas de livros de Jorge Amado — mostrou-se suscetível de investigação e análise, devido ao trabalho interdisciplinar, mediado por vetores artísticos, literários, antropológicos e semióticos, capazes de enriquecer uma abordagem iniciada pelo viés do desenho, em que os signos da cultura pudessem ser apreendidos progressivamente. A percepção visual, sob a ótica da teoria da Gestalt², funcionou como primeira categoria analítica que nos aproximou das qualidades do desenho descontextualizado de qualquer sentido distinto de seu próprio domínio.
Acreditamos ter encontrado tais suportes iniciais nos trabalhos da antropóloga brasileira Maria Porto Alegre (1998) e do psicólogo alemão Rudolf Arnheim (1989). Do encontro com esses autores, nasceu a análise das imagens, dentro de suas próprias categorias artísticas. Daí o trabalho se ampliou para um entrelaçamento mais profundo entre os desenhos e os seus elementos motivadores: os textos e os contextos.
Esta pesquisa investigou, nas referidas ilustrações selecionadas, a relação de suas categorias visuais (forma, configuração, equilíbrio, ritmo, composição, volume, luz, espaço, movimento, expressão) com aspectos da cultura representados pelos ilustradores. Trata-se de cinco ilustrações em desenho para dois livros de Amado — uma novela, A morte e a morte de Quincas Berro Dágua (1979), e um romance, Terras do sem-fim (1961). Desses desenhos, dois foram feitos por Floriano Teixeira (1923-2000) para a novela e três por Clóvis Graciano (1907-1988) para o romance.
O motivo principal da escolha deste tema é o fato de o autor deste livro ser artista plástico, ilustrador e também porque as ilustrações referidas acima são abundantes em recursos técnicos, visuais e signos culturais típicos. Outro motivo é a verificação de uma lacuna em textos sobre o tema, visto que quase sempre se limitam a abordar a ilustração para livros infantojuvenis. Quando abordam a ilustração de livros para adultos, concentram-se nos aspectos simbólicos do desenho, ignorando a importância das categorias visuais inerentes às ilustrações. E, quando se referem a essas categorias, o fazem de forma sumária.
Embora os desenhos ilustrativos selecionados para este livro tenham a assinatura de dois relevantes artistas plásticos brasileiros, ainda não foram objeto de um estudo crítico sistemático do funcionamento das categorias visuais na construção de signos representativos da cultura baiana. Assim, foram analisados os seguintes aspectos: a relação das categorias visuais das ilustrações com traços da cultura incorporados pelos ilustradores; como os desenhos dialogam com o texto (a força das imagens e o apelo sensualista do mundo amadiano) para o qual foram produzidos; o nível de interação que cada ilustrador manteve com os tipos humanos, a paisagem física e social que representaram. Esses aspectos foram cruciais na escolha das técnicas artísticas e na poética individual dos ilustradores.
No capítulo Traços históricos e culturais da ilustração
, mostrou-se necessário refletir sobre o valor autônomo deste campo como conhecimento artístico, em várias vertentes, modalidades e técnicas, evidenciando a materialização de signos culturais nas esferas da religião, da ciência e do livro manuscrito e impresso.
No capítulo seguinte, Aspectos da narrativa na obra de Jorge Amado
, abordamos algumas características básicas dos textos ficcionais em foco do escritor, como a riqueza do vocabulário, a sintaxe, o poder de síntese, o enredo, o ritmo, as figuras de linguagem, o que nos permite uma melhor leitura intersemiótica, na medida em que nos aproximamos do trabalho peculiar do autor.
Signos da cultura baiana nas ilustrações de Floriano Teixeira e Clóvis Graciano
é o capítulo mais importante desta pesquisa, porque é onde aparece a análise interdisciplinar dos desenhos e dos signos da cultura, envolvendo os campos da percepção visual, literatura, semiótica, antropologia e sociologia. O ápice deste capítulo está nos dois tópicos de Signos da morte no diálogo das ilustrações...
, em que o recorte do objeto de estudo, após passar por todas as análises prévias, oferece uma percepção integral de suas dimensões mais relevantes e urgentes, cujos alicerces estão no domínio da própria arte. Pois, neste caso, a arte (desenho e literatura de ficção) é que dá visibilidade e significação maior à cultura e à problemática social.
Os signos da morte relacionam-se com os dois conjuntos de ilustrações. Nos desenhos de Graciano, estes signos aparecem no desejo mortal de vingança; nos corpos degradados que traduzem a miséria física e social de um povo, em meio a doenças e constantes ameaças de morte; nos embates entre coronéis que se servem de jagunços. Em relação aos trabalhos de Teixeira, as três mortes de Quincas significam a morte moral, a morte biológica e a morte metafísica. O homem e a morte (1997), do antropólogo francês Edgar Morin muito contribuiu para interpretarmos os signos imagéticos e literários da morte, em dimensões apropriadas aos seus contextos intersemióticos.
Esta pesquisa visa a contribuir para se perceber a importância da sintaxe visual (as unidades visuais do desenho e as estratégias de sua materialização) na ilustração de um texto literário, inclusive na representação de signos da cultura. Com efeito, os elementos visuais explorados nos desenhos ilustrativos de Teixeira e Graciano impõem-se desde a escolha do material e da técnica utilizada (nanquim sobre papel) até o diálogo intersemiótico dos textos com as imagens, bem como a relação destas imagens com os referentes identitários da cultura baiana.
Para o que pesquisamos, um dos pontos de partida foi o paradigma teórico da semioticista brasileira Lucia Santaella (2004). O passo inicial para a análise da primeira ilustração de A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, que é a mais importante deste projeto, pela complexidade sígnica e artística, foi observar o desenho em sua estrutura. Nossa análise começou sempre pelo desenho, nunca pelo texto literário, nem pelas dimensões da cultura local (Salvador e sul da Bahia). Com isso, pudemos identificar o modo como os quali-signos³ (composição, movimento, forma, ritmo etc.) se apresentam e se relacionam; o modo como as ilustrações impressas no livro indicam seus objetos dinâmicos, com seus traços particulares, e como os legi-signos das ilustrações (corporificações) representam seus objetos dinâmicos (referentes culturais, sociais, literários).
Tradução intersemiótica (2010), do artista visual e escritor Julio Plaza, foi uma referência fundamental para se demonstrar as transformações tradutoras de signos literários, como filósofo esfarrapado
(AMADO, 1979, p. 46), em signos plásticos (Figura 19) que, manipulados pelo ilustrador, se tornaram semelhantes ao campo semântico geral de partes da novela de Amado. Igualmente, a ilustração (Figura 18) simboliza a dimensão cultural ao mostrar a condição humana do protagonista (um cachaceiro vagabundo e maltrapilho que jaz morto).
Reflexões sobre iconografia etnográfica: por uma hermenêutica visual (1998), da já citada Porto Alegre, constituiu outra referência valiosa porque possibilitou descontextualizar o objeto de pesquisa, onde, antes de relacioná-lo aos referentes teóricos, olhou-se para o desenho a fim de captar os significados das notas visuais
. Assim, extraiu-se o máximo desse primeiro diálogo direto e descontextualizado de referências escritas.
Na sequência, Ideologia e cultura moderna (1998), do sociólogo americano John B. Thompson, foi uma obra de valor fundamental para examinarmos os fenômenos culturais representados nas ilustrações, em seus aspectos intencional, convencional, estrutural e referencial. Esses pontos se relacionam às respectivas perguntas que importam para esta pesquisa:
— A que visavam os ilustradores ao constituir as ilustrações, que são formas simbólicas?
— Quais regras e convenções os ilustradores aplicaram na construção dessas formas simbólicas?
— Como se apresenta a estrutura articulada das ilustrações?
— Quais são os elementos dessa estrutura?
— Como esses elementos se relacionam?
— O que as ilustrações representam?
A fim de adquirir um subsídio teórico de fontes vivas, diferentemente de referências textuais e da percepção individual, o capítulo Olhares e vivências
compreende entrevistas com pessoas especializadas e não especializadas nas áreas relacionadas ao nosso objeto interdisciplinar. O conhecimento obtido nas entrevistas importa muito por trazer vivências e olhares de pesquisadores de áreas diversas, afins com esta pesquisa, e de pessoas que possuem o saber popular. Surpreendentemente, identificamos consonâncias nas observações de base científica e popular, o que enriquece este trabalho. No tocante aos objetivos gerais e específicos deste projeto, as entrevistas forneceram sustentabilidade nas respostas à questão norteadora da pesquisa:
Qual a relação das categorias visuais das ilustrações com a representação de signos da cultura baiana?
Os ilustradores Teixeira e Graciano discorreram sozinhos, durante um longo tempo, sobre os signos culturais das referidas obras de ficção (objetos dinâmicos) que desejaram representar. Como deram forma a esses signos? Através de quais gestos do bico de pena⁴? De quais traços, movimentos, composições dispuseram para reconfigurar as formas literárias, traduzindo-as em desenhos ilustrativos (objetos imediatos), de modo que funcionassem como ilustrações dos livros em foco?
Grande parte dos resultados pretendidos está no diálogo intersemiótico da leitura dos textos literários com as respectivas ilustrações. Mas, além disso, há o conhecimento direto da cultura em si, que possibilitou aos ilustradores emergirem da realidade cotidiana, redimensionando signos culturais em configurações pertinentes e plausíveis.
Nos Apêndices estão os dados biográficos dos ilustradores e do escritor, cujos desenhos e livros escolhidos são o objeto de estudo; os dados biográficos dos entrevistados; o roteiro das entrevistas e, produzido pelo autor desta pesquisa, um retrato de Jorge Amado, em homenagem à memória dos 105 anos de seu nascimento, data que coincide com a defesa