Tertium Millenium: o começo do fim
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Tertium Millenium - Juliana Marques Ferreira
Existem duas perguntas que a humanidade sempre fez: como nós surgimos e como terminaremos. Não irei comentar a primeira, mas quanto à segunda, afirmo que será diferente do que muitos imaginam. Essas ideias sobre a civilização acabar na Terra e ir colonizar outros planetas nada mais é do que pura imaginação. Para aqueles que acham que nada irá acontecer, e que continuaremos vivendo normalmente, sinto muito desiludi-los, mas essa ideia também não passa de vã ilusão. Quem estiver vivo verá o fim da humanidade como nós a entendemos hoje. Não por ter sido extinta, mas para ressurgir, a partir do último Adão, que dará origem a uma nova espécie. Ele foi o último de uma linhagem fadada ao fim e originou uma nova linhagem, melhorada e muito mais apta a sobreviver. A partir dele, os novos genes foram se multiplicando sobre a Terra e perpetuando-se, geração após geração, continuarão propagando-se até que a outra espécie seja completamente vencida. E então tudo se fará novo em nosso habitat: vivenciaremos um novo mundo, com o homem vivendo em seu esplendor, sendo aquilo que deveríamos ter sido desde a gênese. Assim como é certo o amanhecer, é certo que o homem foi feito para viver e ser o melhor. Assim será o amanhã, onde os homens terão fome e sede, mas não de pão e nem de água. E assim será um novo tempo de liberdade, onde todos conheceram a verdade. E haverá apenas um governo, sobre todos os povos e nações e todos viverão em harmonia, sem terrorismo ou preocupações com dinheiro.
No entanto, antes da alegria do nascimento é necessário haver as dores de parto. Assim como não podemos colher sem plantio, não será possível o avanço da espécie sem a eliminação dos dissidentes genéticos. E isso não acontecerá de repente, pois ninguém aceita ser extinto pacificamente, pelo contrário, luta com todas as forças pela sobrevivência e tentar subjugar a espécie vantajosa. Com certeza, haverá disputa por território e poder, e haverá um derramamento de sangue como nunca vimos antes.
Quando nos quatro cantos do mundo o medo se enraizar tão profundamente nos corações dos homens que eles não se lembrem mais como é viver sem o medo de serem mortos a qualquer instante, virá um lobo vestido de cordeiro, como outros o foram antes no decorrer de nossa história, e assim como eles, será bem-sucedido . Todavia, todos os impérios caíram e este, não será diferente. Não por causa daqueles que não aceitam a simples e pura dominação - chamados de desobedientes civis por uns, e de bravos guerreiros... Mas porque na guerra, não há empates, e, para aqueles que lutam na ignorância, apenas me resta dizer que, assim como no xadrez, os peões morrem primeiro.
Era apenas mais uma terça-feira em nossas vidas pacatas. Sabe aquele estado de piloto automático que todos nós temos e que sempre ligamos - uns sempre e outros de vez em quando? Bem, eu estava nesse estado, preparado para gastar mais vinte e quatro horas de vida simplesmente indo ao trabalho e depois indo para casa, jantar e dormir amáveis seis horas. Mas, mal sabia eu que o dia de hoje não seria bem assim. Sim, eu sei que pareço calmo escrevendo, porém, isso é apenas a ilusão criada pelo poderoso software Word - se pudesse ver minha caligrafia, tenha certeza de que eu já teria rasurado inúmeras vezes, a letra estaria mais ilegível que a de um estudante de medicina no final do curso e com certeza eu teria rasgada à folha em inúmeras partes devido a ao excesso de força na caneta.
Voltando ao que interessa, tudo estava tranquilo até por volta de três horas da tarde. Comecei a ouvir murmurinhos do lado de fora da minha sala e então chamei minha secretária, que apesar de sempre prestativa, para meu desgosto, não apareceu. Indignado, resolvi ir até lá, já mentalizando o diálogo que teríamos em seguida, todavia, para minha surpresa ela não estava. Perguntei a outra onde estava minha subordinada e para meu espanto ela disse:
- Não sei, Senhor.
- Como assim não sabe? As pessoas não desaparecem e aparecem.
Ela deu de ombros, sinalizando que não poderia me responder e acrescentou:
Intrigado, voltei para minha sala. Tudo aquilo era muito estranho. A princípio decidi pensar que poderia ter acontecido alguma urgência familiar, mas mesmo assim. Quando me sentei, comecei a ouvir gritos por toda parte e pela janela pude escutar carros buzinando, pessoas chorando, sons de acidentes, vidros sendo quebrados entre outros. O que você faria se, de repente, algumas pessoas simplesmente desaparecessem? Quando sai novamente do meu escritório a outra secretária também havia desaparecido, e as poucas pessoas presentes telefonavam desesperadamente para conhecidos. Percebi que a televisão estava ligada e fui olhar o que todos já pareciam ter visto, exceto eu. O noticiário dizia que milhares de pessoas haviam desaparecido misteriosamente, tendo restado apenas suas roupas e pertences no lugar onde estavam. Aquilo era um absurdo. Pessoas não desaparecem de repente. Tentei acalmar aquelas pessoas, no entanto, percebi que no canto da sala havia roupas masculinas jogadas no chão, assim como vi na televisão. Certo. Assim não dá pra me ajudar
. Que se dane!
, pensei comigo mesmo. Então, como profissional autônomo, decidi tirar o restante do dia de folga (e é claro que não foi só um pretexto para me dar folga em plena terça-feira) e investigar mais sobre essa situação incomum e absurda.
Nas ruas, percebi dezenas de pessoas gritando, dizendo que o fim estava próximo, que esse desaparecimento era um sinal da consumação dos séculos e que dias de extrema fome e angústia se sucederiam. Pensei: e tem como piorar?
. Uma nota mental: sabe quando assistimos a filmes e a personagem diz esse clichê e você comenta: seu burro, agora só porque você disse, vai piorar
. Então, realmente piora. E foi no mesmo dia. Liguei para minha esposa, só por precaução, e ela não atendeu. Calma, talvez ela não viu a ligação
. Tentei ligar novamente, mas o resultado foi o mesmo. Assim, eu realmente comecei a me preocupar - lógico, pois a tendência do ser humano é nunca se preocupar com a desgraça até que ela te alcance.
-Isso é ridículo - gritou a voz da razão dentro de mim, que parecia mais tentar me convencer do que realmente mostrava acreditar nisso.
Como não sabia o que fazer, decidi ir até o emprego da minha mulher, só pra confirmar que ela estava bem. Enquanto isso, mais pessoas se aglomeravam nas ruas. Parece que mais pessoas tiveram a mesma ideia que eu
pensei alto. E, para terminar de puxar o meu tapete, adivinha a minha surpresa quando disseram que ela havia DESAPARECIDO também. Foi assim, que toda a minha concepção de mundo, família e razão, construída por 30 anos foi desconstruída em poucas horas como se invadida por um tsunami.
Durante a volta, já não me importava se o a sociedade inteira estivesse a ponto de surtar e prestes a começar uma histeria e massacre coletivo. Eu só queria um lugar onde eu pudesse entrar em estado de choque sem ser perturbado pelos gritos alheios. Egoísmo? Sim, mas há vezes em que só queremos ficar parados, olhando para o nada e pensando em nada, em quase total estado de inércia. Não era vontade de chorar em posição fetal, como alguns dizem que queremos fazer quando ficamos deprimidos, era aquela vontade de realmente não fazer nada... De por alguns breves instantes apenas ser.
No entanto, como a vida não poderia facilitar meu dia, eu fui compulsivamente parado quando, além do trânsito, as pessoas começaram a simplesmente invadir e saquear as lojas- mas não eram quaisquer lojas - eram principalmente as que vendiam mantimentos. Foi então que um garoto, acho que em seus dez anos, como muitas latas de conservas na mão passou na frente do meu carro. Eu quase o atropelei, mas parei já encostando o carro nele. Por breves segundos ele olhou nos meus olhos, e por instantes que mais pareceram dias, eu pude ver o que juraria ser sua alma, e vi nela medo, e quando se vê esse sentimento tão perto e tão profundamente como eu o vi, ele olha de volta pra você, e então eu não soube o que sentir. Eu poderia surtar como aquelas pessoas ou poderia manter a razão e esperar as coisas se acalmarem, como provavelmente aconteceriam. É claro que eu escolhi a segunda opção, caso contrário não estaria aqui escrevendo. Nota: a histeria coletiva é um saco, e fugir dela é muito mais difícil do que imaginamos quando vemos um filme de suspense.
Preferi abster-me da capacidade de perder a razão, e isso requer muita força de vontade e um bom planejamento. Não é qualquer um que consegue manter-se lúcido em meio ao caos. Muitos se desesperam e irão por um caminho muita vez sem volta. Mas eu serei firme, sim, eu prevalecerei, e no final, eu olharei para o abismo do medo e insanidade e gritarei bem alto, a tal ponto que minha voz ecoe dentro dele eu venci
.
Portanto, é fácil imaginar que ao chegar a casa, fui logo elaborar um plano para encontrar minha esposa. Eu a acharei, viva ou morta, mas e encontrarei, nem que seja a última coisa que