Clickbait
By Paulo Mateus
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Clickbait - Paulo Mateus
Palavras do autor
Olá leitor, obrigado por adquirir este livro, escrevê-lo me custou muito tempo e esforço, me alegra muito saber que existe alguém lendo o que escrevo. Quando acabar por favor não se esqueça de deixar o seu comentário, isso ajuda muito na divulgação além de mostrar a mim sua opinião sobre o livro. Por se tratar de uma obra independente alguns erros ainda podem estar presentes no texto, mas nada que atrapalhe a leitura ou o seu entretenimento com a história.
Índice
Capítulo 1
Não havia outra coisa que ela odiasse mais do que o som incessante do despertador, que tocava freneticamente todas as manhãs, exatamente às 7 horas. Cristina afastou para o lado os dois cobertores que estavam sobre ela e esticou a mão até a mesa de cabeceira, tateando desesperadamente em busca do celular. Seus dedos esbarraram nele e o aparelho caiu no chão, quicando várias vezes até parar.
— Merda – resmungou ao perceber que seus dedos sonolentos derrubaram mais uma vez o celular, assim como acontecia quase todas as manhãs.
— Desliga porcaria… desliga – ela deu vários toques na tela até acertar o ícone correto e a música finalmente parou.
Seu quarto era pequeno e parecia menor ainda com toda a bagunça acumulada, havia roupas espalhadas do chão até a maçaneta da porta. A única coisa que se mantinha limpa em relação ao resto era a mesa onde ficava o notebook, parecia uma espécie de santuário sagrado que o seu talento de criar bagunça a partir do nada não conseguia afetar.
Ela saiu com passos lentos e trôpegos esfregando os olhos com as costas da mão, era hora de repetir o seu ritual diário. Acordar, desligar o despertador, escovar os dentes, tomar banho, tomar café e sair para o trabalho. A parte de escovar os dentes já havia sido cumprida com êxito, mas agora vinha a difícil tarefa de entrar debaixo do chuveiro com aquele frio. A água nunca esquentava o suficiente e ela era obrigada a deixar o registro aberto na quantidade certa, nem muito fechado para o chuveiro desligar e nem muito aberto para a água sair gelada. Era como descobrir o segredo de um cofre.
Mas lá estava ela, trinta longos minutos depois jogando seu prato sujo na pia junto com outros pratos sujos. Cristina usava o seu nada discreto uniforme laranja da loja onde trabalhava, mas que rapidamente foi coberto por sua blusa escura de moletom. Seus cabelos pretos caíam em cascata sobre o seu par de ombros finos e levemente encurvados para frente, seu rosto era jovem demais para uma mulher de 23 anos, havia herdado a beleza da mãe e praticamente todo o sarcasmo do pai, que ficava oculto atrás de seus olhos escuros e aparentemente serenos.
A porta da sua velha casa rangeu quando Cristina a abriu, o metal estava apodrecendo nas juntas e ela apenas esperava que aquilo não resolvesse quebrar de repente. Fazendo-a gastar o pouco dinheiro que tinha para consertar a porcaria de uma porta, a maior parte do seu salário ia para aquela casa caindo aos pedaços, o que sobrava ela estava juntando para poder entrar na faculdade.
Ela desceu os dois degraus que separavam a casa da calçada e começou a caminhar com as mãos enfiadas nos bolsos da blusa, o sol mal se erguia no horizonte encoberto pelas lojas e pelos prédios mas muita gente já estava perambulando pela rua. Cristina sentia o vento frio roçar em seu rosto e deixar o seu nariz cada vez mais congelado, um desconforto que poderia ser evitado se tivesse pegado um ônibus, mas ela precisava economizar, e cada trocado a mais que pudesse juntar ajudava. Felizmente era uma caminhada de meia hora com a qual ela já estava mais do que acostumada.
Quando finalmente chegou na loja de eletrônicos onde trabalhava ela parou um pouco na frente da vitrine e fitou o seu próprio reflexo, deu uma pequena ajeitada em alguns fios de cabelo rebeldes e entrou. O ambiente quente e silencioso do interior fez com que seu corpo despertasse de forma repentina, fazendo-a se lembrar de toda a sua rotina de trabalho que teria de começar a fazer imediatamente.
— Bom dia – disse Victor o seu colega de trabalho –, você parece ótima hoje.
— Bom dia – ela se limitou a dizer aquelas palavras e começou a organizar alguns celulares em uma prateleira que era protegida por um vidro.
— O seu cabelo está muito bonito hoje, penteado novo? – como acontecia todas as manhãs ele sempre tentava conseguir alguma coisa com ela.
— Ele está ressecado e fedendo, assim como o seu – Cristina não desviou os olhos de sua tarefa, seu mau humor diário sempre começava quando tinha que conversar com algum tapado, e tendia a piorar quando os clientes começavam a se acumular dentro da loja. Ela terminou com os celulares e foi buscar um espanador para limpar a poeira que havia se acumulado em alguns monitores.
— Não creio que vá conseguir alguma coisa elogiando o cabelo de uma mulher que não está a fim de você – o gerente da loja apareceu e começou a organizar as coisas que estavam expostas na vitrine.
— Mas ela é…
— Muito bonita, é sim. Mas ela é um monte de areia gigantesco e você é só um caminhãozinho de brinquedo.
— Eu poderia fazer várias viagens, chegaria uma hora em que eu conseguiria carregar toda a areia – Victor estava parado atrás do gerente, observando-o trabalhar enquanto alguns possíveis clientes já estavam parados do outro lado da vitrine.
— Ah, claro. Vai tentando filho – o gerente se levantou e desdenhou dele com um grande sorriso em seu rosto marcado pelo tempo. – O seu caminhãozinho iria quebrar muito antes disso.
— Ei – ele tentou chamar a atenção do gerente que se afastou e começou a caminhar entre as prateleiras –, o que você quer dizer com isso?
Mas ele não obteve resposta, e teve que ir atender um cliente que tinha acabado de entrar. Era começo de dezembro e era normal que lojas como aquela recebessem mais clientes naquela época, o que era bom pois os funcionários ganhavam uma pequena comissão por cada venda concretizada. Mas para Cristina aquilo significava uma grande quantidade de pessoas velhas fazendo perguntas básicas sobre funções básicas de qualquer aparelho, além de uma horda de moleques cheios de espinhas na cara correndo atrás de videogames e celulares caros demais que eles nunca conseguiriam pagar sem a ajuda dos pais.
— Moça! – um homem do outro lado da loja estava chamando por ela.
Cristina olhou para trás e viu um homem de cabelo branco e meio corcunda acenando para ela. Com um suspiro abafado e discreto ela parou de limpar os monitores e foi até onde ele estava.
— Posso ajudá-lo? – Cristina tentou resgatar toda a animação que ainda restava dentro do seu âmago e transformá-la em uma expressão alegre e amigável de seu rosto para o cliente.
— Eu precisava de um aparelho para tocar aqueles discos de filmes, mas até agora eu não consegui encontrar – a voz dele era apressada e tinha o timbre comum que todas as pessoas velhas tinham.
— Discos de filmes? – ela franziu o cenho tentando conectar as palavras com algo que fizesse sentido.
— É, aqueles DEBE… DE, um lado do disco é roxo. Eu sempre comprava em uma barraquinha lá no centro da cidade. Três por R$ 10, era muito bom. Mas aí o negócio acabou quebrando e eu resolvi não arrumar nada, mas meus netos estão vindo me visitar e eu queria assistir um filminho com eles.
— Acho que já entendi. Sinto lhe informar mas eles não estão mais fabricando essas coisas, ninguém mais está comprando, agora todo mundo só assiste filmes pela internet.
— Internet é? – o velho coçou sua alva barba por fazer e ponderou sobre as últimas palavras de Cristina, como se aquilo fosse uma grande revelação para ele. – Esses jovens, só ficam nos compiuter.
Ele ficou um longo tempo refletindo em silêncio sobre o que deveria fazer em seguida, e Cristina aproveitou esse momento para se afastar e ir atender outros clientes que tinham entrado, torcendo para que fossem pessoas um pouco mais atualizadas do que ele. Ela então entrou em um ritmo quase frenético saltando de um cliente para o outro e concluindo várias vendas, mais do que o normal até o momento, se o mês todo se mantivesse assim ela conseguiria algum dinheiro a mais no final do mês para poder comprar alguma coisa, um pequeno luxo, uma roupa mais cara, alguma coisa que a distraísse de sua rotina.
***
Quando o dia finalmente acabou e as portas da loja foram fechadas Cristina estava se sentindo um caco, suas pernas doíam, sua cabeça doía, até os seus dedos estavam doloridos. O mês de dezembro poderia acabar sendo bom em termos financeiros, mas ela teria que se esforçar muito mais do que antes, o que só de imaginar a deixava ainda mais cansada.
— Está esquecendo a sua blusa – disse o gerente da loja trancando a porta e estendendo para ela o moletom escuro.
— Obrigada! – ela vestiu rapidamente a blusa, nem se lembrava do momento em que a havia tirado.
— Tchau, até amanhã! – o gerente acenou para ela, assim como Victor que já caminhava pela calçada.
— Tchau.
Cristina suspirou aquelas palavras desanimadas e começou a andar para o outro lado da calçada, se afastando dos seus colegas de trabalho. Os tons alaranjados do crepúsculo já se espalhavam pelo céu limpo, anunciando a noite que não tardaria para chegar. Ela colocou seus fones de ouvido e escolheu uma música qualquer no celular, era bom para se distrair e aliviar o cansaço até que chegasse em casa.
Quando finalmente avistou sua casa toda escura em contraste com a vizinhança iluminada seu corpo já começou a ansiar cada vez mais por um banho e uma noite de sono, mais um dia de trabalho foi concluído, e agora ela estava livre para descansar. A porta da casa rangeu como sempre ao abri-la, e mesmo com o interior escuro ela conseguiu encontrar o interruptor e acender a luz da sala, que ardeu em seus olhos por um momento.
Ela apenas colocou o celular e alguns outros pertences sobre a mesa da cozinha e já foi direto para o banheiro, felizmente não estava fazendo tanto frio quanto de manhã. Uma nuvem de vapor a envolveu quando ela abriu a porta e saiu enrolada em uma toalha, a sensação de cansaço havia diminuído consideravelmente, e ela foi em busca de roupas limpas no quarto.
Cristina estava atirada no sofá assistindo a uma série pela Netflix enquanto comia batatas fritas, essa era a sua solução para os dias em que não estava disposta a fazer o jantar, ela tinha um estoque consideravelmente grande de comidas gordurosas e industrializadas, que sempre sujavam o sofá com migalhas.
Enquanto os personagens na televisão conversavam com suas vozes graves e monótonas Cristina já estava quase caindo no sono, o saco de batatas fritas jazia vazio no chão, ela estava tentando reunir coragem para se levantar e ir dormir na cama, se apagasse ali acordaria com uma dezena de dores pelo corpo no dia seguinte. Mas subitamente alguma coisa na janela chamou sua atenção, era um pássaro grande e de beleza singular.
Ela se levantou e ficou sentada no sofá, por algum motivo aquele pássaro lhe parecia familiar, era grande e tinha as penas em um estranho tom de azul, um azul tão intenso que quase parecia estar emitindo brilho próprio. O animal olhou para o interior da casa com seus olhos pequenos e curiosos antes de levantar voo novamente.
A cena na televisão tinha perdido a importância, ela estava curiosa com o fato de existirem pássaros com aquela cor, já que nunca tinha visto ou ouvido falar em algo parecido antes. Ou deveria estar com sono demais e isso estava afetando a sua visão e a forma como interpretava as coisas, resolveu ir escovar os dentes e depois se jogar na cama. Ela pegou o controle remoto e desligou a televisão, mas antes de sair seus olhos se fixaram por um momento em um retrato pendurado logo acima da estante. Eram duas pessoas sorrindo abraçadas, Cristina desejou um boa noite
silencioso para os seus pais e saiu, apagando a luz da sala em seguida.
Capítulo 2
As árvores estavam todas encobertas pelo manto da noite, vez ou outra eram iluminadas pela luz de um raio, que se apagava tão rápido quanto aparecia. Algumas gotas de água insistiam em escorrer pelo vidro, mas eram rapidamente atiradas para longe pelo vento que soprava violentamente do lado de fora do carro.
— Já dormiu filha? – perguntou sua mãe que estava sentada no banco da frente.
— Estou quase – ela sentia suas pálpebras ficando cada vez mais pesadas, era só uma questão de tempo até que dormisse no banco de trás do carro e depois acordasse deitada na sua cama quente e confortável.
— Nós já