Marxismo Contra Burocracia
By Nildo Viana and Rosa Luxemburgo
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Nildo Viana
Professor da Faculdade de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Goiás; Doutor em Sociologia pela UnB; Autor de diversos livros, entre os quais: O Capitalismo na era da Acumulação Integral; Quadrinhos e Crítica Social; As Esferas Sociais; Cinema e Mensagem; Manifesto Autogestionário; A Mercantilização das Relações Sociais; A Teoria das Classes Sociais em Karl Marx; Hegemonia Burguesa e Renovações Hegemônicas; O Modo de Pensar Burguês; Universo Psíquico e Reprodução do Capital.
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Marxismo Contra Burocracia - Nildo Viana
ROSA LUXEMBURGO:
A CRÍTICA AMBÍGUA DA BUROCRACIA
Nildo Viana
Rosa Luxemburgo é um dos grandes nomes do pensamento social e do marxismo. O seu pensamento foi apropriado e assimilado por concepções políticas opostas e até mesmo antagônicas ao que ela defendia. Como explicar essas apropriações e assimilações? A resposta a essa questão pode ser facilitada com a leitura crítica da presente obra. Aqui reunimos quatro breves textos de Rosa Luxemburgo que ajudam a compreender o seu pensamento e a possibilidade de apropriação e assimilação do mesmo. E qual é o fio condutor para entender esse processo? A nosso ver, reside na ambiguidade do seu pensamento, o que se reproduz na sua crítica da burocracia, bem como na forma como a efetiva. Isso, sem dúvida, requer explicações.
Um dos elementos fundamentais do pensamento de Rosa Luxemburgo é a crítica da burocracia, algumas vezes de forma direta, outras de forma indireta e até mesmo insciente. Por isso é importante entender qual crítica Rosa Luxemburgo realiza aos fenômenos burocráticos
, tal como denominou Tragtenberg¹. Porém, não é possível isolar a crítica da burocracia do pensamento global de Rosa Luxemburgo.
Assim, vamos iniciar nossa análise da crítica de Rosa Luxemburgo à burocracia com uma reflexão sobre sua relação com o marxismo. E, para entender este, precisamos, anteriormente, compreender a sua trajetória, especialmente sua inserção no Partido Social-Democrata Alemão, ou seja, discutir sua relação com a social-democracia. Após compreender mais amplamente o pensamento de Rosa Luxemburgo, podemos entender melhor a crítica da burocracia que ela expõe nos textos selecionados na presente coletânea, bem como em outros em que ela aprofunda alguns aspectos ou desenvolve outros não abordados aqui e que podem ser vistos em sua crítica ao revisionismo e sua crítica da revolução russa, ou seja, ao reformismo e ao bolchevismo².
Não há dúvida que Rosa Luxemburgo era uma leitora assídua de Marx e que se inspirava, fundamentalmente, em suas ideias e escritos para se posicionar politicamente e lutar pela revolução proletária. A sua relação com o pensamento marxista ocorreu no seu processo de militância realizado fundamentalmente no interior da social-democracia alemã. Rosa Luxemburgo militou na social-democracia polonesa, a do seu país natal, e depois, com sua ida para a Alemanha, solicitou a entrada no SPD – Partido Social-Democrata Alemão. Rosa Luxemburgo, desde que aderiu à social-democracia, a qual ela confundia com marxismo, sempre manteve um respeito e fidelidade ao partido, o que só foi alterado com as sucessivas ações contrarrevolucionárias desenvolvidas por ele e que foram se avolumando e aprofundando com o passar do tempo.
No início, enquanto integrante dissidente do Partido Socialista Polonês, solicitou a aceitação do seu grupo na Segunda Internacional e tal solicitação foi recusada, o que não lhe impediu de continuar no interior da social-democracia. A própria Rosa Luxemburgo recebeu o convite para se retirar do Congresso de Zurique. Riazanov narra esse evento, enfatizando a presença de Engels em tal episódio:
[Rosa Luxemburgo – NV] sofreu uma afronta diante de toda a Internacional, na presença do próprio Engels. Pode ser que chorasse, mas não abandonou nem a Marx, nem a Engels, nem ao socialismo científico; escudou-se em sua convicção e disse a si mesma: convenceremos à Internacional, provaremos a justeza de nossa posição³.
Sem dúvida, a narrativa de Riazanov serve para entendermos um pequeno acontecimento político e a posição de Rosa Luxemburgo e Friedrich Engels no seu interior, deixando de lado suas conclusões a respeito do que se passava na cabeça da militante revolucionária, embora em linhas gerais é algo próximo do que efetivamente ocorreu, tal como é possível perceber pelos seus escritos e ações. Esse acontecimento mostra o vínculo e a confiança de Rosa Luxemburgo na social-democracia e na durabilidade e insistência dela nessa crença no caráter proletário do SPD.
Assim, Rosa Luxemburgo era, como sua vida e obra demostraram, uma militante sincera e honesta, que buscava contribuir como podia para a revolução proletária e emancipação humana. Porém, o seu vínculo com a social-democracia lhe dificultava a percepção mais profunda do significado desta, o que foi parcialmente sendo removido com o processo histórico e das lutas intrapartidárias.
Assim, tínhamos, de um lado, um ser humano com determinados valores, concepções, que apontavam sinceramente para a luta pela libertação humana e, por outro lado, se vinculado a pessoas, partidos, lutas, que são discursivamente semelhantes às suas aspirações, gerando envolvimento, inclusive sentimental. É no interior desse contexto que podemos entender suas ambiguidades.
Rosa Luxemburgo tinha uma leitura de Marx e de outros pensadores que lhe permitia uma formação cultural ampla. As suas concepções e valores mais profundos eram reforçados pelo marxismo e através das leituras dos autores marxistas, especialmente Marx. Desta forma, podemos dizer que sua mentalidade, por um lado, e sua leitura do marxismo, por outro, permitiram que ela efetivasse uma crítica da burocracia expressa na social-democracia e, posteriormente, no bolchevismo.
Essa crítica, no entanto, tinha um limite e este era a própria social-democracia. Essa limitação expressa por seu vínculo com a social-democracia e elementos derivados dele, também gerava uma limitação na sua compreensão do marxismo. Apesar dela perceber, em alguns momentos, a contradição entre marxismo e social-democracia, ela acabava passando por cima de tal percepção, e apenas a evolução do SPD e das lutas de classes (especialmente na Alemanha) a fez ampliar esse processo perceptivo. Isso, no entanto, foi interrompido com a sua morte prematura durante a República de Weimar e governo social-democrata.
Nesse momento já podemos entender melhor o marxismo de Rosa Luxemburgo. Trata-se de um marxismo ambíguo, pois envolvido com alguns elementos não-marxistas e, desta forma, marcado pela dubiedade. E onde se pode perceber essa ambiguidade de Rosa Luxemburgo? É possível perceber as ambiguidades de Rosa Luxemburgo em sua própria crítica da burocracia, mas, antes de adentrarmos nisso, podemos demonstrar isso através de sua própria relação com a social-democracia. Rosa Luxemburgo não realizou uma recusa dos partidos políticos em geral, bem como do processo eleitoral, e nem mesmo do SPD em si, ou seja, desse partido específico. Ela só foi romper com tal partido quando contribuiu com a fundação de outro, o Partido Social-Democrata Independente da Alemanha, o USPD. E uma nova decepção a fez colaborar com a fundação de um outro partido, o KPD – Partido Comunista Alemão. E com este ela não rompeu, devido sua morte prematura, mas teve foi um partido que teve o mesmo destino dos anteriores⁴.
O avanço de Rosa Luxemburgo foi relativamente lento, se compararmos com outros militantes da época, como Otto Rühle e Anton Pannekoek, que se tornariam dois dos principais representantes do comunismo de conselhos. A explicação disso remete ao seu vínculo mais forte com a social-democracia do que Pannekoek, Gorter, entre outros. Seria possível elencar outros elementos no pensamento de Rosa Luxemburgo que mostrariam sua ambiguidade, mas este, no momento, nos parece suficiente. A não superação da ideia de partido significa defender