Karl Korsch e o Marxismo

PAUL MATTICK E KARL KORSCH: MESTRES DO MARXISMO

Nildo Viana

O presente livro apresenta alguns ensaios de Paul Mattick sobre Karl Korsch. Esse é um caso excepcional na história do pensamento moderno, pois são dois grandes pensadores e que possuem uma importância ímpar na história do marxismo e das lutas sociais. O nosso objetivo é apenas realizar uma breve apresentação da obra precedida por algumas considerações sobre estes dois teóricos do proletariado.

Podemos considerar tanto Karl Korsch quanto Paul Mattick como dois mestres do marxismo. A palavra mestre pode causar estranheza para os marxistas autogestionários ou adeptos de concepções próximas. Contudo, é importante entender que a palavra mestre tem vários significados, como quase todas as palavras. Obviamente que não se trata aqui do significado prosaico de um indivíduo que é mestre por ter cursado um mestrado numa universidade. Também não é o outro significado bastante popular da palavra, que é o mestre como sinônimo de professor. Aqui já há uma maior proximidade, mas ainda não é o significado exato. O termo mestre também é usado para se referir a um expert, um especialista que domina determina técnica, arte ou ciência. Mas também não é nesse sentido que usamos a palavra aqui.

A ideia de intitular este prefácio com a palavra mestre advém da forma respeitosa que os amigos se referiam a Karl Korsch: Lehrer, palavra alemã que pode ser traduzida como professor, mestre ou instrutor. O que os amigos de Korsch queriam dizer que tal termo? Não apenas um mero professor, obviamente. Ninguém chama um amigo de professor, mesmo que essa seja a sua profissão. Por isso a tradução mais adequada é a de mestre. E o que significa mestre, nesse contexto? É o significado da palavra que ainda não apresentamos. A palavra mestre também pode significar guia intelectual, ou seja, um indivíduo sábio que inspira e orienta intelectualmente os demais. Nesse sentido, tanto Karl Korsch quanto Paul Mattick foram e continuam sendo mestres.

Isso pode ser percebido na extensa e importante obra de ambos. Karl Korsch escreve a obra fundamental Marxismo e Filosofia, bem como outras obras essenciais, como seu livro Karl Marx, além de diversos ensaios importantes. Paul Mattick, por sua vez, também produziu diversas obras e ensaios de suma importância, com destaque para Marx e Keynes: Os Limites da Economia Mista; Rebeldes e Renegados, Crises e Teorias das Crises; entre outras.

A história de vida de ambos é marcada pela luta pela libertação humana via revolução proletária. Korsch passou por algumas organizações políticas e realizou uma intensa produção intelectual, tendo se aproximado do comunismo de conselhos, tendência de Mattick, tardiamente, e colaborado intelectualmente com os grupos que expressavam essa concepção em sua época. Mattick, aderiu desde que era um jovem operário¹ ao comunismo de conselhos, durante a Revolução Alemã e após a sua ida para os Estados Unidos também efetivou uma ampla produção intelectual. Assim, Korsch era mais velho e iniciou muito antes sua produção intelectual, bem como sua origem de classe é distinta, sendo originalmente, por pertencimento familiar, da classe burocrática². Mattick, por sua vez, era bem mais jovem e saiu da classe operária, sendo que ainda permaneceu nesta por muito tempo, até conseguir aderir à atividade profissional intelectual³.

Assim, as trajetórias de Korsch e Mattick são bem diferentes no início, mas se aproximam quando ultrapassam certa idade. Korsch, um intelectual que aderiu ao comunismo de conselhos tardiamente, se tornando um dos mais importantes pensadores marxistas da história e Mattick, um intelectual de origem operária que aderiu na juventude ao comunismo de conselhos e também se tornou um dos mais expressivos autores marxistas.

Korsch sempre teve forte presença intelectual, mesmo nos momentos de isolamento narrados por Mattick. As críticas que ele sofreu mostram que ele incomodava e que sua presença não passava desapercebida. Isso pode ser visto em várias polêmicas que ele participou e, especialmente, em Marxismo e Filosofia, alvo de ataques dos representantes da social-democracia e do bolchevismo. Por outro lado, mesmo após o seu relativo isolamento, Korsch era lido e traduzido pelos poucos grupos comunistas conselhistas existentes, mas também tinha presença nos meios acadêmicos, inclusive colaborando intelectualmente com pensadores renomados, tal como com o psicólogo Kurt Lewin, que se tornará célebre a partir do seu desenvolvimento da ideia de dinâmica de grupo. A sua amizade com Bertolt Brecht – que sofre uma crítica um tanto quanto exagerada por parte de Mattick, tal como o leitor poderá consultar adiante – e seu reconhecimento por parte de Anton Pannekoek e diversos, outros, incluindo Mattick, mostra isso. Sem dúvida, Korsch não foi autor de best-sellers, nem foi um intelectual tecnocomunicacional (midiático) ou capa de revistas de celebridades, mas no âmbito intelectual teve um certo reconhecimento, com altos e baixos.

Paul Mattick também teve certa presença intelectual, mas bem menor que Korsch. A razão disso foi o momento em que Korsch produziu e nas polêmicas que participou, sendo que Mattick já escreve a maior parte de sua obra noutro contexto. Se Korsch produz numa época de radicalização da luta de classes, antes e durante a Revolução Alemã, e continua posteriormente, Mattick já produz no contexto do regime de acumulação conjugado, época de conformismo e estabilidade capitalista. Apesar disso, Mattick foi reconhecido por suas obras em alguns meios, tanto dos comunistas de conselhos ainda existentes, quanto por certos setores da sociedade.

Uma outra diferença entre ambos em matéria de reconhecimento intelectual é a questão da idade, pois Mattick, sendo mais jovem, escreveu sobre a