As Noites de Hong Kong são feitas de neon
By Caio Yurgel
()
About this ebook
Caio Yurgel
Caio Yurgel é autor de Samba sem mim (Benvirá, 2014), romance finalista do Prêmio São Paulo de Literatura. Seus contos e ensaios, publicados em três idiomas, já receberam diversos prêmios no Brasil e foram indicados a outros na Alemanha e em Portugal. 'As noites de Hong Kong são feitas de neon', seu segundo trabalho de ficção, foi finalista do Prémio Autor 2018, organizado pela editora Gato-Bravo. Atualmente, vive e trabalha na China.
Related to As Noites de Hong Kong são feitas de neon
Related ebooks
As noites de Hong Kong são feitas de neon Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Horror da Fazenda São Lázaro Rating: 5 out of 5 stars5/5Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite Rating: 5 out of 5 stars5/5Filandras Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAmor e guerra em Canudos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsUm velho velhaco e seu neto bundão Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Merda Da História Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Circo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMeu Pai: E o fim dos judeus da Bessarábia Rating: 0 out of 5 stars0 ratings1740: A História de Anna Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsSua voz dentro de mim Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsZíngaro e o segredo de Tupã Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAkari Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPrimavera Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Moreninha Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsCemitério de elefantes Rating: 5 out of 5 stars5/5Cartas Para Gomez Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsDa Sapucaí ao Caju: (e mais 19 contos premiados) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPersonagem De Mim Mesmo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsDinastia Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsElias, o Tolo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsE quem mora no morro? Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA estranha viagem da garota de cabelo azul Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsContos sangrentos para ler antes do fim do mundo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAnimal Instinct Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPosso falar do meu pequeno mundo? Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsCinco dias para o fim do mundo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsDiário: Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsFesta de Aniversário (sobre quem afinal de contas é a ovelha negra) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO capricórnio se aproxima Rating: 0 out of 5 stars0 ratings
Short Stories For You
Contos pervertidos: Box 5 em 1 Rating: 4 out of 5 stars4/5Procurando por sexo? romance erótico: Histórias de sexo sem censura português erotismo Rating: 3 out of 5 stars3/5Quando você for sua: talvez não queira ser de mais ninguém Rating: 4 out of 5 stars4/5SADE: Contos Libertinos Rating: 5 out of 5 stars5/5Novos contos eróticos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA bela perdida e a fera devassa Rating: 5 out of 5 stars5/5Meu misterioso amante Rating: 4 out of 5 stars4/5Só você pode curar seu coração quebrado Rating: 4 out of 5 stars4/5Todo mundo que amei já me fez chorar Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMelhores Contos Guimarães Rosa Rating: 5 out of 5 stars5/5Os Melhores Contos de Franz Kafka Rating: 5 out of 5 stars5/5O DIABO e Outras Histórias - Tolstoi Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAssassinatos na Rua Morgue Rating: 4 out of 5 stars4/5Todas as mulheres são bruxas Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA dama de vermelho e o vagabundo de olhos azuis Rating: 5 out of 5 stars5/5TCHEKHOV: Melhores Contos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPergunta idiota, tolerância zero Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO cupcake da discórdia Rating: 5 out of 5 stars5/5Atingi a sabedoria, mas só de raspão Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsContos de Edgar Allan Poe Rating: 5 out of 5 stars5/5Rua sem Saída Rating: 4 out of 5 stars4/5Os Melhores Contos de Isaac Asimov Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsHomens pretos (não) choram Rating: 5 out of 5 stars5/5O homem que sabia javanês e outros contos Rating: 4 out of 5 stars4/5Para não desistir do amor Rating: 5 out of 5 stars5/5A Espera Rating: 5 out of 5 stars5/5Amar e perder Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsRugido Rating: 5 out of 5 stars5/5MACHADO DE ASSIS: Os melhores contos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsOs Melhores Contos de Voltaire Rating: 5 out of 5 stars5/5
Reviews for As Noites de Hong Kong são feitas de neon
0 ratings0 reviews
Book preview
As Noites de Hong Kong são feitas de neon - Caio Yurgel
© Editora Gato-Bravo 2019
© ilustrações, Frank Tang Kai Yiu
Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem o seu registo em sistema informático, transmissão mediante qualquer forma, meio ou suporte, sem autorização prévia e por escrito dos proprietários do registo do copyright.
editor Julio Silveira
coordenação editorial Paula Cajaty
capa Sobre ilustrações de Frank Tang
isbn 978-989-8938-52-7
e-isbn 978-989-8938-54-4
1a edição: setembro, 2019
gato
·
bravo
rua de Xabregas 12, lote A, 276-289
1900-440 Lisboa, Portugal
tel. [+351] 308 803 682
editoragatobravo@gmail.com
editoragatobravo.pt
Índice
como fazer amigos
veni, vidi, amavi
o vendedor de água
as manhãs de kowloon
o fantasma de wan chai
a rebelião dos boxers
O OVO E A PEDRA
o grande confinamento
Epílogo - memórias de um Sobrado português
agradecimentos
como fazer amigos
Vim para Hong Kong como quem vai à procura de algo que nunca perdeu, como quem revive uma memória de infância roubada de um filme de artes marciais que nunca assistiu. Olho bem para os dois lados antes de atravessar a rua. Não sou eu que estou aqui. Sempre que escrevo tenho a sensação de ser um bicho que está sendo caçado. Os carros vêm no sentido contrário, eu olho bem para os dois lados. Não sou eu que estou aqui, são os meus olhos.
Em 1987 minha família cruzou a fronteira a bordo de um caminhão. O caminhão era tudo o que tinham, o caminhão e um relógio de parede que minha avó carregou no colo a viagem inteira. Alugamos um velho sobrado português que dividia um pátio com outro velho sobrado português. No velho sobrado português do outro lado do pátio vivia uma família de poloneses que minha avó desprezava unanimemente. Que no juegues con esos polacos
, me advertia, minha mãe havia morrido no parto. Meu pai e meu avô eram caminhoneiros, passavam semanas e por vezes meses na estrada. Minha avó se ocupava da casa, havia pendurado pesadas cortinas de veludo nas janelas que davam para o pátio, as mesmas cortinas vermelhas de nossa antiga casa em Rosário. Ao lado da lareira posicionou uma mesa e uma cadeira e era dali, as cortinas arredadas um dedo para que uma fresta de sol iluminasse seu rosto, que ela escrevia a meu avô longas cartas em cirílico.
A casa está caindo aos pedaços
, minha avó escrevia em cirílico, e para mim dizia, para mim ou para a casa ou para si mesma: Llegamos a este país como hace trece años llegamos a Argentina: con una mano atrás y otra adelante
. Salvo o eventual e monossilábico cartão-postal, meu avô nunca respondia às cartas em cirílico, minha avó nunca abria as cortinas mais que um dedo. Meu pai sabia se virar em russo por força da necessidade, mas meus avós não lhe tinham ensinado a ler nem a escrever. A mim sequer me ensinaram a falar, e me deram um nome indígena para evitar que um dia eu voltasse aonde nunca havia estado. O cirílico era sua língua secreta, o disfarce que haviam encontrado para rememorar sua Petersburgo natal sem nunca dizer a palavra. Eu, índio de olhos claros, espiava o mundo pelas frestas que eles deixavam abertas, assombrado.
Meus avós nunca retornaram à sua Petersburgo natal.
Minha avó se recusava a comer feijão porque deixava um rastro de sujeira no prato. Somos pobres, pero honrados
, repetia, seu rosto duplamente triste quando me pegava jogando futebol com os poloneses no pátio. Pobres, pero honrados
. Li meu primeiro Dostoiévski aos doze anos de idade. Estou convencido de que tudo o que aconteceu na minha vida desde então tem a ver com isso.
Meu melhor amigo foi também meu primeiro e ele morreu de câncer aos trinta anos. Câncer de fígado. Meu primeiro e melhor amigo era negro. Quando minha avó se inteirou desse fato, ela não apenas parou de reclamar dos poloneses, como também passou a chamá-los pelo nome. "¿Por qué no te vas