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A teologia de gestão, neopentecostalismo e a nova classe média: Um estudo de caso
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A teologia de gestão, neopentecostalismo e a nova classe média: Um estudo de caso

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A Teologia de Gestão, Neopentecostalismo e a Nova Classe Média: Um estudo de caso, analisa a partir da perspectiva teórica de Weber, os elementos que constituem as características coletivas da manifestação religiosa do neopentecostalismo. Esse estudo parte dos fluxos e da gestão da vivência religiosa dos membros da Igreja Sara Nossa Terra, destacando alterações presentes no contexto neopentecostal contemporâneo. Com essa investigação sobre o neopentecostalismo, o autor traça um percurso analítico de natureza qualitativa, além de apresentar aos leitores o conceito de Teologia de Gestão.
LanguagePortuguês
Release dateDec 28, 2021
ISBN9786558405344
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    A teologia de gestão, neopentecostalismo e a nova classe média - José Roberto Alves Loiola

    PREFÁCIO

    Estamos no ano de 2021. Já se passaram quase oito anos desde que as Jornadas de junho de 2013 desestabilizaram muitas (pré)compreensões acerca da sociedade brasileira. Não foram poucos os analistas buscando oferecer uma explicação para aqueles acontecimentos. Algumas análises foram mais, outras menos bem-sucedidas. Mas, para além de toda e qualquer análise, o fato é que ainda estamos tentando compreender a sociedade brasileira que deu suas caras a partir daqueles eventos de 2013. Tarefa que não é fácil, pois, como em algum momento falou o compositor Tom Jobim (1927-1994): – O Brasil não é para principiantes!. E se antes o Brasil não era para principiantes, nos últimos anos o Brasil não está sendo fácil nem mesmo para os expertises.

    Para os cientistas sociais, o que vem ocorrendo no Brasil não chega a ser de todo uma surpresa. A mudança social é inerente a toda e qualquer sociedade. Parafraseando o filósofo Heráclito, podemos considerar que numa sociedade nada é permanente, a não ser a mudança. Logo, quando um cientista social se depara com um momento histórico como este, que estamos atravessando no Brasil, a surpresa não está na mudança em si, mas justamente na força vertiginosa desses eventos, acontecimentos e fenômenos que explicitam, escancaram as mudanças que até então ocorriam de forma latente, e que em parte – e dificilmente no todo – eram perceptíveis apenas para observadores, pesquisadores e estudiosos mais atentos.

    Dentre os fenômenos que ganharam força e se explicitaram dentro da sociedade brasileira nestes últimos anos está o pentecostalismo evangélico. O fenômeno em si não é novo. O Censo Demográfico Brasileiro de 1991, realizado pelo IBGE, já sinalizava um aumento expressivo no percentual de evangélicos no Brasil. Dado este que foi acompanhado pelo interesse crescente de cientistas sociais da área de religião pelo tema das igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais. Quanto aos evangélicos, esses também vêm aumentando. Se percentualmente eles eram 9 % da população brasileira no Censo 1991, no de 2010 eles eram aproximadamente 22%. E não há por que duvidar de que esse percentual seja muito maior nos dias de hoje.

    Se considerarmos alguns dos últimos eventos ocorridos no Brasil, podemos observar que a presença evangélica – notadamente pentecostal – na sociedade brasileira vai muito além do que um aumento percentual ou absoluto no número de fiéis. A presença evangélica – enfatizo, principalmente, a de tipo pentecostal – vem cada vez mais ultrapassando o campo religioso, ultrapassando a esfera estritamente religiosa; vem cada vez mais avançando sobre outras esferas da vida social brasileira, como, por exemplo, a esfera da moralidade pública, da estética, a jurídica, a cultural, a econômica e a política.

    A esfera política é um bom lugar para vermos este avanço evangélico sobre outras esferas da vida social brasileira. Podemos citar como exemplo o peso dos evangélicos nas últimas eleições presidenciais, ocorridas em 2018. É quase um consenso que o voto evangélico teve um grande peso na vitória surpreendente do candidato Jair Bolsonaro. Assim como é explícito que Jair Bolsonaro – seja como candidato, seja já na condição de presidente da República – demonstra um particular interesse pelos evangélicos a fim de tê-los como importante parte de suas bases de sustentação política. Bolsonaro faz isso, por exemplo, no envolvimento e uso de pautas que são caras aos evangélicos. Principalmente pautas morais e de costumes, somadas a outras, como a defesa de interesses de igrejas evangélicas em geral e algumas igrejas de forma um pouco mais específicas. Em suma, a eleição de 2018, com a eleição de Bolsonaro, mostrou, de forma muito clara, que o fenômeno evangélico no Brasil ultrapassa as questões meramente estatísticas e está profundamente ligado às mudanças que vieram e vêm ocorrendo na sociedade brasileira. Logo, dentro do grande desafio de compreender melhor o Brasil de hoje, devemos também olhar com particular interesse e atenção os evangélicos, principalmente o pentecostalismo evangélico.

    A eleição de Bolsonaro, pelos motivos acima postos, é parte daquilo que despertou o interesse de diferentes estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas das ciências humanas pelas temáticas das igrejas evangélicas e do pentecostalismo evangélico. Se, como colocado no início deste prefácio, estamos diante do desafio de compreender que Brasil é esse que deu as suas caras nos últimos anos, para sermos bem-sucedidos neste desafio devemos também compreender o fenômeno evangélico, evangélico pentecostal da e na sociedade brasileira contemporânea. Em virtude disso, muitos passaram a se interessar pelo tema. Contudo, pesquisadores e estudiosos envolvidos com essa temática não são uma novidade. Não é de hoje que cientistas sociais da área da religião no Brasil, assim como da área de ciências da religião, vêm se dedicando ao tema das igrejas evangélicas e do pentecostalismo. Em virtude desses seus estudos e pesquisas, cientistas políticos, sociólogos e antropólogos da religião não foram de todo surpreendidos, por exemplo, pelo grande peso dos evangélicos nas últimas eleições presidenciais e pelo expressivo alinhamento de voto de uma parcela significativa de evangélicos com o candidato Jair Bolsonaro. Pesquisadores que já há algum tempo vêm pesquisando o fenômeno pentecostal evangélico no Brasil, com contribuições reconhecidas dentro da área das ciências sociais da religião, já vinham apontando para o avanço evangélico na esfera política e pública. Paul Freston (2013), Ari Oro (2016), Ricardo Mariano (2016) e Ronaldo Almeida (2017) são exemplos de pesquisadores que vêm dando importante contribuição para a compreensão do fenômeno evangélico e pentecostal no Brasil. Podemos citar outros autores e pesquisadores. Há tempos, cientistas sociais das religiões vêm dando importante contribuição a esses fenômenos, e, como consequência, contribuindo para uma compreensão mais fina, mais fundamentada e mais profunda da sociedade brasileira contemporânea. Não é o todo, é uma parte do todo, mas a pretensão do todo é arriscada. Não é mais possível – se é que um dia foi – tentar dar conta da sociedade brasileira em grandes explicações. O que os últimos anos nos mostram é que esta sociedade se tornou demasiado complexa. Uma complexidade dentro da qual atuam muitas e diferentes forças. E compreendê-la, de fato, exige voltar nosso olhar investigativo para cada uma dessas partes, dessas forças. Neste sentido, quanto mais fino, preciso e sofisticado o olhar, mais próximo tendemos a estar de uma compreensão que realmente nos aproxima da realidade que desejamos compreender. Porque é a partir da realidade que se faz ciências e que as ciências de fato constroem suas contribuições. É a partir da realidade social que se faz ciências sociais e que as ciências sociais dão suas contribuições.

    É isto que José Roberto Alves Loiola nos oferece neste livro: um olhar fino, preciso e sofisticado do fenômeno evangélico pentecostal na sociedade brasileira contemporânea. Nesta perspectiva, este seu livro se soma àqueles bons trabalhos que nos ajudam a compreender melhor que Brasil é esse que estamos vivendo. Pelo título, o leitor pode imaginar que se trata de um livro sociológico sobre a Igreja Evangélica Neopentecostal Sara Nossa Terra. E de fato é. Mas esse trabalho de Loiola é bem mais que isto, sendo este o motivo de eu ter feito todo esse arrazoado que precede este parágrafo. Isto porque para compreender a importância deste livro de Loiola é preciso ter em vista este quadro maior. Buscando traduzir o que estou colocando por meio de uma imagem, minha sugestão é que o leitor imagine que Loiola nos permite compreender o pentecostalismo de baixo para cima. Isto porque, conforme vamos atravessando o livro, ele vai nos posicionando na história, no cotidiano, por entre os cultos e templos, fiéis e pastores da Sara Nossa Terra, no Distrito Federal. Com isso, ele também nos possibilita compreender o fenômeno evangélico a partir daqueles que vivem esse fenômeno como parte de suas vidas e do ethos e visão de mundo Sara Nossa Terra. Loiola, neste sentido, está muito próximo do procedimento metodológico proposto por Clifford Geertz (2004, p. 85-107): de que o antropólogo deve buscar olhar do ponto de vista do nativo’.

    Esta é uma das contribuições importantes do autor: nos possibilitar, por meio de seu ponto de vista, olhar a Sara Nossa Terra por sobre os ombros de seus fiéis e pastores. E, ao fazer isso, ele nos oferece um ângulo privilegiado, que nos permite uma compreensão singular sobre essa igreja. E, por consequência, também é uma compreensão do que é ser um evangélico neopentecostal. Mas, fiquemos atentos, Loiola nos oferece uma compreensão do que é ser um evangélico neopentecostal da Sara Nossa Terra. Não é uma compreensão absoluta, definidora, do que é ser um neopentecostal. Neste ponto, Loiola se aproxima do que de melhor um trabalho etnográfico pode oferecer.

    Por trás do que ele nos oferece está a realização de uma pesquisa empírica de fôlego, da qual sou testemunha. Loiola realizou pesquisa de campo, fez entrevistas, recorreu a leituras de obras da Sara Nossa Terra, acompanhou o mundo digital dessa igreja, recorreu a dados tanto qualitativos, como quantitativos, imergiu no seu tema, objeto, campo. No presente livro, o leitor poderá entrar em contato com muitos dos dados que ele obteve. E, ao mesmo tempo, terá contato com as interpretações de Loiola. Neste ponto, como ele mesmo assume, ele adota uma perspectiva weberiana. É neste eixo de análise weberiana que ele vai distribuindo e amarrando seu texto. O que é perfeitamente coerente com um trabalho que se filia a uma perspectiva de sociologia compreensiva de tradição weberiana. Neste sentido, este é um trabalho sociológico, mas, ao mesmo tempo, é um trabalho antropológico, que em diferentes momentos assume inclinações etnográficas. Sem se preocupar em estabelecer fronteiras entre essas duas áreas das ciências sociais, Loiola constrói um percurso dentro do qual pouco a pouco o leitor vai compreendendo o mundo neopentecostal, não na pretensão de oferecer uma compreensão do todo, de tudo, mas no esforço de oferecer profundidade. E para isso é preciso mergulhar…

    Por fim, gostaria de chamar a atenção para a noção de Teologia de Gestão , que Loiola apresenta no livro. Ao longo dos últimos anos eu e o autor buscamos trabalhar nesta noção. O termo surgiu em um insight que tivemos quando observamos alguns resultados da pesquisa desenvolvida. Loiola levou para a frente esse insight, foi trabalhando pouco a pouco sobre ele. Chamo a atenção para isto porque me parece que há algo muito relevante no que Loiola está oferecendo quando apresenta e busca desenvolver a noção de Teologia de Gestão a partir do caso da Sara Nossa Terra. Penso que neste ponto Loiola pode estar oferecendo algo que abre pistas e chaves interpretativas e analíticas que podem contribuir com muitos outros trabalhos, voltados para a pesquisa de outras igrejas neopentecostais. Fica a sugestão aos leitores que pesquisam o tema.

    Fico por aqui. Por fim, agradeço a José Roberto Alves Loiola a oportunidade de poder estar próximo dele no percurso de pesquisa que levou a este livro. Como costuma dizer o próprio Loiola:

    Fascinante!

    Antonio Braga

    Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista – Unesp.

    Marília, SP, janeiro de 2021.

    INTRODUÇÃO

    Ao longo das últimas duas décadas, tenho observado importantes transformações no contexto religioso brasileiro, em especial, na religião cristã de viés protestante. Pressionadas pela intensa competitividade e por conta das significativas baixas em suas membresias, as igrejas protestantes oriundas da experiência da reforma no século XVI têm encontrado na pentecostalização e neopentecostalização um novo jeito de pensar e viver a fé e, consequentemente, de fazer missão.

    Mais precisamente, tenho constatado essas transformações, a partir de minha própria experiência religiosa, pois sou oriundo de família católica convertida na Igreja Assembleia de Deus, uma das principais igrejas do pentecostalismo clássico. Ao fazer graduação em Teologia, minha formação teológica foi consolidada entre as tradições Batista, Metodista, em meio a muitas vivências ecumênicas e na confluência de temas sobre direitos humanos, gênero e relações étnico-raciais.

    Após ter investigado no mestrado os protestantes metodistas e suas relações com as populações afro-brasileiras em fins do século XIX, constatei que uma das fortes tendências teológicas que começou a crescer no interior do grupo de igrejas de tradição reformada – como a metodista¹, a luterana e a presbiteriana a partir da virada do século XX para o século XXI – vinha da influência dos chamados novos evangélicos² ou neopentecostais. Assim, surgiu o meu interesse pelo tema; não apenas por ser teólogo e clérigo metodista, mas, principalmente, por ser um cientista da religião. Conquanto admita estar situado teologicamente na tradição clássica da Reforma Protestante, faz parte do meu esforço metodológico como pesquisador um fazer científico que procura escapar de dois extremos – o ontologismo religioso e o sociologismo.

    A rigor, importa sublinhar que o neopentecostalismo como fenômeno social e religioso surgiu no Brasil em meados dos anos 1970 e continua em franco crescimento.

    Com efeito, ao buscar compreender a realidade neopentecostal, privilegiando o caso Igreja Sara Nossa Terra, esta obra contribui para um entendimento mais contemporâneo de como o neopentecostalismo tem influenciado as esferas políticas, econômica e social. Esse segmento, conforme Almeida Júnior (2008, p. 154-155), pode ser visualizado no universo das comunidades evangélicas, representando o que o autor chama de alto neopentecostalismo, o qual é caracterizado tanto pelos altos níveis social e escolar dos seus membros quanto por sua ênfase no movimento G-12³.

    Desta forma, o escopo geral da pesquisa que gerou este livro foi analisar, sob a ótica weberiana, os elementos que constituem o ethos do neopentecostalismo a partir dos fluxos e da gestão da vivência religiosa dos membros da Igreja Sara Nossa Terra. Para tanto, objetivei, de forma específica: (I) contextualizar a perspectiva metodológica weberiana no contexto do fenômeno religioso protestante brasileiro; (II) apresentar os principais elementos constitutivos da fragmentação e das mudanças no segmento evangélico atual à luz da ética de Weber (2004); (III) analisar os fluxos de serviços e produtos que geram sentidos na relação entre os membros e os clérigos da Igreja Sara Nossa Terra; e identificar e conceituar a Teologia de Gestão a partir da referida igreja.

    Ao propor uma investigação do neopentecostalismo à luz da perspectiva sociológica, fiz um percurso analítico de natureza qualitativa, por meio dos textos de Max Weber, de seus comentadores e de outros autores.

    A propósito do objeto de pesquisa, o protagonismo da Igreja Sara Nossa Terra entre os anos 1992 e 2018, no meu entendimento, parece ser uma das consequências importantes das mudanças ocorridas no interior do neopentecostalismo contemporâneo e, consequentemente, na sociedade brasileira. Essa foi a razão pela qual intentei responder uma pergunta fundamental: quais são os principais elementos que constituem o ethos neopentecostal a partir dos fluxos e da gestão da vivência religiosa de leigos e clérigos da Igreja Sara Nossa Terra? Aqui se entende fluxo como o movimento contínuo e descontínuo de crenças e práticas religiosas que, ao ser mediado pela cultura e pela tecnologia, assume padrões que normatizam a vida devocional do fiel; e gestão como maneiras e/ou formas de gerenciamento dos conteúdos de fé que são apropriados por parte do fiel.

    Interessou-me, portanto, conferir como o tipo de ressignificação ética, teológica e pragmático-eclesiástica, aparentemente colocada pelos novos evangélicos e representados pela Sara Nossa Terra, pode nos ajudar a entender o cenário brasileiro. Doravante, passarei a denominar a Igreja Sara Nossa Terra como SNT.

    Em geral, ao se apropriarem de maneira extremamente profissional de uma expertise administrativa que garante uma ação capilar cada vez mais intensa, por meio de suas células⁴, tanto em nível nacional quanto transnacional, os novos evangélicos, representados por igrejas neopentecostais como a SNT, conquistaram a mídia e o espaço político. Além disso, impingiram na sociedade brasileira a moda gospel e fizeram uma revolução conceitual da "Beruf, noção de vocação e profissão" concebida por Weber (2004, p. 73).

    Considerando o que demonstrou Weber em sua obra Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (2004, p. 160), que o espírito do capitalismo somente se manifestou com o definhamento e a transição da noção da Beruf como vocação divina para Beruf como profissão secular, o que dizer da vocação religiosa numa época em que o capitalismo tende a substituir a religião e a teologia se confunde com a economia mundana?

    Assim, convido você a refletir comigo sobre as seguintes questões: (I) quais são os principais elementos que constituem o ethos neopentecostal a partir dos fluxos e da gestão da vivência religiosa de leigos e clérigos da Igreja Sara Nossa Terra? (II) A perspectiva metodológica weberiana é pertinente para explicar o fenômeno religioso protestante no contexto brasileiro? (III) Quais são as especificidades do neopentecostalismo típico da SNT em relação às demais igrejas neopentecostais? (IV) Como se relacionam os fluxos e a gestão da vivência religiosa entre os fiéis e a instituição e em quais aspectos isso altera o ethos do protestantismo histórico? (V) Quais são os possíveis elementos teóricos para justificar a emersão da Teologia de Gestão a partir da práxis da SNT?

    De minha parte, avento a hipótese de ter havido uma possível inovação tecno-pragmático-eclesiástica aparentemente colocada pelos novos evangélicos que surgiram no Brasil a partir de 1977. Entendo que, em certa medida, tal ressignificação parece estar diretamente relacionada aos fluxos de uma nova reorganização socioeconômica que pressupôs certa realocação de capital, coincidindo com a emergência de um novo tipo de classe média brasileira.

    Nesse sentido, o modo de viver e pensar a fé por parte das pessoas que frequentam a igreja e as ofertas de produtos e serviços por parte dela demonstram um tipo de gestão da espiritualidade marcadamente mediada pela tecnologia.

    A partir de um enfoque ambientado no campo teórico das ciências sociais, este livro privilegia uma linha de pesquisa em cultura, identidade e memória, que trata das várias formas de religiosidades na dinâmica sociocultural.

    Desta forma, os referenciais teóricos e analíticos aqui utilizados permitirão ao leitor perceber, a partir do campo empírico, uma inovação social importante, protagonizada pelo tipo de neopentecostalismo da SNT.

    Orientados por uma abordagem compreensiva, os procedimentos feitos em campo contaram com observação-participante, entrevista semiestruturada, aplicação de "survey" por instrumento eletrônico e análises de documentos e de conteúdo. Os dados foram coletados, catalogados, organizados e analisados em quatro capítulos.

    No Capítulo 1, com o objetivo de demonstrar ao leitor o campo empírico de onde nasceu esse livro, tomo duas providências: primeiro, por meio da revisão bibliográfica, apresento um breve histórico das últimas explicações científicas já realizadas sobre o tema, articulando as ideias de Max Weber e demais autores, sobre o fenômeno religioso protestante, em especial sobre o pentecostalismo e seus desdobramentos neopentecostais na sociedade brasileira. Em segundo lugar, procuro demonstrar como se deu a produção deste livro, por onde andei, com quem falei e o que me disseram, como me disseram, o que vi, ouvi, senti e aprendi no campo empírico. Para isso, abro a minha caixa de ferramentas, identifico alguns instrumentos, estratégias e as técnicas que foram utilizadas para a coleta de dados, no trabalho de campo. E, finalmente, após fazer as devidas delimitações do campo, encerro o capítulo com uma descrição de como fui impactado pelo campo ao destacar aspectos que explicitam o "making off" da pesquisa.

    O Capítulo 2 apresenta o caso, SNT, logo após introduzir uma breve reconstituição dos processos históricos que deram origem ao neopentecostalismo. São destacados, entre outros aspectos, o seu significado e a sua tendência teológica, evocando as ideias de Mariano (1999), Freston (1993), Almeida Junior (2008), Pierucci (2003) e outros autores. Este capítulo se divide em seis seções. A primeira contextualiza o neopentecostalismo no cenário religioso brasileiro. Na segunda seção apresento o contexto histórico imediato da SNT, problematizando, a partir de Giddens (1991), possíveis influências da globalização econômica na formatação da práxis da referida igreja. Enfatizando a ação do indivíduo, conforme Weber (2010), procura-se descrever a trajetória do bispo Robson Rodovalho – começando pelo seu contexto familiar, suas carreiras política e pastoral e o perfil de sua mentalidade religiosa –, culminando com a fundação da SNT. Na terceira seção, enfatizo a perspectiva teológico-pastoral da igreja: visão, missão, estrutura hierárquica e atribuições de significados relativas à vocação, à formação e ao trabalho pastoral. Evoco indiretamente Latour (2012) e Weber (2004) e analiso as entrevistas realizadas, destacando a lógica dos fluxos de trocas de sentido que tornam possível a continuidade do movimento das ações que sustentam a instituição. Na quarta seção, enfatizo a perspectiva teológico-litúrgica, sobretudo como os cultos acontecem, seus conteúdos, seus sentidos e padronizações, suas dinâmicas e suas estratégias. Aqui são analisadas as observações participantes, mantendo em perspectiva as ideias de Weber, Ingold (2015) e Latour (2012). Na quinta seção, de maneira introdutória, abordo a relação entre a SNT e a modernidade, destacando alguns aspectos conceituais colocados por Negrão (2005), Pierucci (2003) e Sell (2012). Em seguida, proponho identificar a noção do racionalismo weberiano na vivência religiosa da SNT por meio da análise de conteúdo de algumas entrevistas e observações participantes. Também retomo a perspectiva metodológica de Latour (2012), explorando analiticamente as várias conexões entre os objetos humanos e não humanos que atuam na práxis da SNT. Na sexta seção, concluo o estudo de caso e chamo atenção para a relação existente entre o sistema de crenças da SNT e a formulação da Teologia de Gestão.

    No Capítulo 3, analiso algumas descrições do capitalismo segundo Boltanski e Chiapello (2009); apresento panoramicamente os diferentes perfis que o espírito do capitalismo e a ética protestante assumiram no devir histórico, desde a época de Weber, no século XIX, até o neopentecostalismo contemporâneo. E, em seguida, ao fazer uma análise de conteúdo de dados de pesquisa, caracterizo alguns elementos críticos para pensar a emergência da Teologia de Gestão (TG) como a mais nova tendência da quarta onda do pentecostalismo, conforme Passos (2012).

    No Capítulo 4, analiso como o neopentecostalismo típico da SNT tem se relacionado com as esferas sociais, com base em Weber (1971), enquanto retomo a sistematização do conceito da Teologia de Gestão (TG) e consolido a sua formulação.

    Notas


    1. Igreja Metodista do Brasil é oriunda do anglicanismo, mais especificamente do movimento denominado metodismo histórico, iniciado no século XVIII por John Wesley (1703-1789). Tive interesse em compreender o crescente processo de pentecostalização que igrejas como a Metodista do Brasil passaram a experimentar a partir de 1990. Enquanto clérigo no contexto metodista em São Paulo entre os anos de 1997 a 2006, acompanhei a influência pentecostal e neopentecostal no interior das comunidades metodistas no interior de São Paulo, a princípio tímida até a sua explicitação como política administrativa e ênfase teológica, oficializada no 18º Concílio Geral da Igreja Metodista em Aracruz, ES. De lá para cá, processos neopentecostalizantes têm sutil e sistematicamente alterado o jeito de ser e de pensar não só das igrejas de tradição reformada, mas também de igrejas pentecostais consideradas clássicas.

    2. Leia-se o termo novos evangélicos como neopentecostais – conforme Ricardo Mariano (1999), que identifica esse grupo como uma terceira caracterização do protestantismo histórico.

    3. O Movimento G-12 tem inspiração sul-coreana a partir da igreja do Pastor Paul Yung Cho e foi adaptado na Colômbia por César Castelhanos. Caracteriza-se pela ênfase no treinamento místico estruturado em Pré-Encontro, Encontro e Pós-Encontro, objetivando a multiplicação dos fiéis em dúzias. [Ver Castelhanos, César. Liderança de sucesso através dos 12. Curitiba: G12, 1999]. Eliana Santos Andrade (2010, p. 63), em sua pesquisa de doutorado intitulada, A Visão Celular no Governo dos 12 - Estratégias de crescimento, participação e conquista de espaços entre os batistas soteropolitanos de 1998 a 2008 de 2010, aponta que foram o baiano René Araújo Terra Nova e a maranhense Valnice Milhomens; os pioneiros do movimento G12 no Brasil. Tese disponível em: https://bit.ly/3u1Kg21. Acesso em: 13 mar. 2020.

    Sobre o sistema dos 12 na Sara Nossa Terra, assim se expressou a pastora (Pra1 – Sigla de registro das entrevistas): [...] a nossa igreja tem a visão dos doze, né? O bispo, ele tem o desafio de formar os seus doze discípulos, assim como Jesus formou, e cada um dos doze bispos têm que formar os seus doze, e cada um vai formando seus doze, e essa é a visão dos doze. É eu cuidar diretamente, atender diretamente, acompanhar a vida diretamente de doze pessoas. E fazê-lo replicar isso também com mais doze. Então, dessa maneira, todo mundo da igreja está cuidado [...] a primeira geração é os meus doze; a minha segunda geração é os meus cento e quarenta e quatro; a minha terceira geração é os meus mil setecentos e vinte e oito. [...] (Entrevista, Pra1, Brasília-DF, 05 de agosto de 2019).

    4. Segundo Joel Komiskey (2017, p. 25), a expressão células ou igreja em células é análoga à expressão pequenos grupos, ou seja, um termo técnico para aplicação específica atual de princípios bíblicos [Ver Komiskey, Joel. Fundamentos Bíblicos para a Igreja baseada em células ou pequenos grupos: lições do Novo Testamento para a igreja do século 21. Tradução de Ingrid Neufeld de Lima. Curitiba: Ministério em Células, 2017].

    1. APROXIMAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

    Uma boa teoria sobre o objeto é, antes de tudo, um discurso do próprio objeto.

    Apresento, neste capítulo, as bases teórico-metodológicas, a questão do método, os procedimentos, estratégias e as técnicas que foram utilizadas e a delimitação do campo. De forma narrativa, concluo o capítulo relatando a minha experiência no campo, com o objetivo de informar ao leitor uma visão tridimensional da realização da pesquisa. E começo fazendo uma revisão bibliográfica sobre o tema estudado.

    1. Max Weber: teoria e método no âmbito da pesquisa sobre o neopentecostalismo

    Com base no levantamento histórico das últimas pesquisas sobre o fenômeno religioso no Brasil, realizado por Gracino Júnior (2008, p. 71), o interesse da pesquisa pelos evangélicos, mais especificamente os evangélicos de viés pentecostal, está demarcado a partir do Censo de 1960. Contudo, segundo o autor, na década de 1960, tal fenômeno era pensado pelos cientistas sociais como um movimento de duração histórica muito curta.

    Gracino Júnior (2008, p. 71) constata que as primeiras explicações sociológicas sobre o fenômeno do pentecostalismo brasileiro nos foram oferecidas por estudiosos não brasileiros, como Christian Lavie D’epinay (1970) e Emílio Wilhems (1967). Segundo Gracino Júnior, a tendência desses autores e dos que os precederam era ver o pentecostalismo como o refúgio das massas desamparadas, que se explicava pelo próprio processo de urbanização brasileira da época.

    Contudo, para Gracino Júnior (2008, p. 71-72), se isso fosse verdade, o pentecostalismo teria encolhido em décadas posteriores, o que não ocorreu. O que se observou foi que, com uma inovadora mudança em sua liturgia⁵, o pentecostalismo entre as décadas de 1960 e 1970 cambiou-se em um novo fenômeno religioso, denominado por Mariano (1999, p. 7-8) de neopentecostalismo. A propósito, Almeida Junior (2008, p. 154) ressalta as multifacetas do neopentecostalismo, indicando dois tipos básicos: o primeiro, o neopentecostalismo rústico, e o segundo, o alto neopentecostalismo.

    O primeiro tipo – o neopentecostalismo rústico – enfatiza, para além do texto sagrado, ritos e crenças em objetos mágicos que, detendo o poder sobrenatural quando manipulados corretamente, realizam os efeitos esperados. Segundo Almeida Junior, nesse primeiro tipo podem ser enquadradas as igrejas: (I) Mundial do Poder de Deus, (II) Internacional da Graça de Deus e (III) Universal do Reino de Deus.

    O segundo tipo – o alto neopentecostalismo – apresenta, aparentemente, um novo ethos, caracterizado pela reinterpretação do texto sagrado para justificar a dimensão emocional da experiência religiosa na perspectiva do G-12. A propósito, a Igreja Sara Nossa Terra parece reunir a maior parte dos elementos que constituem esse tipo: seja pelos perfis etário, social e escolar de sua membresia; seja pelo espectro diversificado de aporte tecnológico-midiático-digital; ou seja pela forma como clérigos e leigos fazem a gestão dos conteúdos devocionais na vivência do cotidiano.

    Justifico o referencial weberiano nesse trabalho em função de sua sociologia da religião, conforme o entendimento de Tragtenberg.

    [...] A grande contribuição de Max Weber à sociologia religiosa consiste em ter demonstrado, pela via empírico-histórica, como cada religião é portadora de uma ética econômica: como no seu desenvolvimento de seita para Igreja ocorre a transformação do séquito em fiel, do carisma em sacerdócio hierocrático, dá-se a formação de uma dogmática para explicar a nova situação [...]. (Tragtenberg, 1966, p. 178)

    Quanto à recepção de Weber no Brasil, para Montero (1999, p. 346-351), a obra de Cândido Procópio de Camargo – Católicos, Protestantes e Espíritas (1973) – marcou a inserção da perspectiva weberiana para os estudos do fenômeno religioso brasileiro. Desta forma, o entendimento do processo de conversão, como ruptura de um mundo encantado e tradicional, passou a ser utilizado para se compreender a crescente adesão de indivíduos oriundos do catolicismo ao contexto neopentecostal.

    Desse modo, conforme detalha Gracino Júnior (2008, p. 72), a releitura weberiana está nitidamente exemplificada na visão procopiana de que a pertença impensada do indivíduo à fé católica, substituída pela internalização doutrinária do protestantismo, levou esse indivíduo ao desencantamento do mundo tradicional. É claro que a análise do fenômeno religioso feita por Cândido Procópio está fortemente influenciada com a questão da superação do atraso no Brasil de 1930.

    Ao pesquisar trabalhos realizados no período de 1977 a 2016, no contexto das publicações dos quarenta anos da Revista Religião & Sociedade – periódico mais antigo do Brasil na área de Ciências Humanas e Sociais –, Cunha (2017, p. 238) apresenta a seguinte tabela de proporção temática sobre os estudos de religião.

    Tabela de Distribuição % das religiões abordadas por década

    Fonte: Banco de Dados - Revista Religião & Sociedade, 2017 (Cunha, 2017, p. 238).

    A propósito do pentecostalismo, Mariano (1999, p. 23-49) também reconheceu a pertinência da sociologia compreensiva de Weber ao analisar a transição do pentecostalismo clássico brasileiro para o deutero-pentecostalismo e, posteriormente, para o neopentecostalismo. Destaque-se que essa transição, invariavelmente, agrega elementos éticos, culturais, teológicos e sociais.

    Dentre outros comentadores brasileiros atuais de Weber, Jessé Souza (1998) indica que, ao conceber a moral e a compreensão do mundo como movimentos endógenos à racionalização religiosa ocidental, Weber privilegia a temática da consciência moral e cognitiva. Esse cenário reflete o desenvolvimentismo de Kholberg e Piaget, representado por Fowler (1992) em seu livro Estágios da Fé.

    [...] As teorias de estágio como as de Piaget, Kholberg ou Erikson adquirem seu grande poder porque descrevem mudanças previsíveis no pensamento e adaptação humanos em termos amplamente formais. Ou seja, elas nos apresentam os padrões característicos de conhecimento, raciocínio e adaptação de formas que descrevem características gerais do crescimento humano, aplicáveis a todos nós, a despeito das vastas diferenças que reconhecemos em nossos temperamentos, nossas experiências singulares [...] As teorias do desenvolvimento descrevem necessariamente estórias de todo o mundo [...]. (Fowler, 1992, p. 81)

    Nesse sentido, segundo Jessé Souza (1998), Weber oferece-nos uma adequada descrição da evolução da consciência religiosa desde o seu estágio natural, em que a coisa em si resumia a noção do além, para o estágio conceitual, a partir do qual se passa a conceber um mundo espiritual em oposição ao empírico. Tal elaboração racional faria do sujeito de fé cada vez mais protagonista de sua experiência religiosa.

    Carlos Eduardo Sell (2012, p. 155)⁶ corrobora essa perspectiva ao lembrar que, com a aquiescência de Karl Löwith, a primeira geração de comentadores weberianos – depois de Mariana Weber (Lukács [1923], Walther [1974], Landshut [1926], Freyer [1930], Steding [1932]) – tinha no racionalismo ou na racionalização a espinha dorsal do pensamento weberiano. Ainda que a teoria da ação – no contexto da Segunda Guerra Mundial, segundo Sell (2012, p. 155-156) – tenha assumido a centralidade no pensamento de Weber, com Talcott Parsons, em 1970, a racionalização volta a prevalecer, a partir dos trabalhos de Seyfarth e Sprondel (1973), Benjamin Nelson (1974), Friedrich Tenbruck (1975, 1980), Wolfgang Schuluchter (1981, 1989) e Jürgen Habermas (1987).

    De fato – em um ensaio datado de 1915, intitulado A psicologia social das religiões mundiais –, Weber demonstra como a racionalização perpassou o processo de evolução de religiões como o islamismo, budismo, judaísmo, hinduísmo e cristianismo e, sobretudo, como se deu a interação dessas religiões com a racionalidade econômica no mundo ocidental.

    Para Weber (1971, p. 310), o modo de vida determinado religiosamente era, por sua vez, profundamente influenciado por fatores que operavam em contextos econômicos, políticos, geográficos e sociais. Logo, a religião tanto ajudava a produzir uma ética econômica quanto também era influenciada pelas éticas econômicas das várias organizações econômicas nos vários contextos nacionais.

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