Direitos humanos contra-hegemônicos e o caso da Clínica do Testemunho
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Direitos humanos contra-hegemônicos e o caso da Clínica do Testemunho - Mário Henrique Souza
Reitor
Sérgio Carlos de Carvalho
Vice-Reitor
Décio Sabbatini Barbosa
Diretor
Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello
Conselho Editorial
Abdallah Achour Junior
Daniela Braga Paiano
Edison Archela
Efraim Rodrigues
Ester Massae Okamoto Dalla Costa
José Marcelo Domingues Torezan
Luiz Carlos M. F. de Mello (Presidente)
Maria Luiza Fava Grassiotto
Otávio Goes de Andrade
Rosane Fonseca de Freitas Martins
A Eduel é afiliada à
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Bibliotecária: Eliane M. S. Jovanovich – CRB 9/1250.
S729d Souza, Mário Henrique
Direitos humanos contra-hegemônicos e o caso da clínica do testemunho [livro eletrônico] / Mário Henrique Souza. – Londrina: Eduel, 2019.
1 livro digital.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.eduel.br
ISBN 978-85-302-0066-4
1. Direitos humanos. 2. Contra-hegemônicos (Direito). 3. Testemunho (Direito). I. Título.
CDU 342.7
Enviado em: Recebido em:
Parecer 1 10/04/2018 19/10/2018
Parecer 2 12/04/2018 30/07/2018
Parecer 3 12/04/2018 20/07/2018
Aprovação pelo Conselho Editorial em: 17/10/2018
Direitos reservados à
Editora da Universidade Estadual de Londrina
Campus Universitário
Caixa Postal 10.011
86057-970 Londrina – PR
Fone/Fax: 43 3371 4673
e-mail: eduel@uel.br
www.eduel.com.br
A gramática da multidão
Um acorde no ar à tarde
me chega de longe – vem todo cinza e baixo
esmorecido e triste, pronto a dizer-me: este mundo não presta
eu escuto esta brisa azul – ainda sem saber a que cumpre, ainda sem entender seus desígnios
Interrogo em mim mesmo sua profundidade
- O que é isto que persiste em percorrer os ruídos
e me arrepiar os pelos?
É a esperança em declínio? É o amor em revolta?
Incito este habitante som, e o provoco entre
o ruminar incessante da cidade-
não queres ser palavra gritada?
(Aquilo que a boca pronuncia transmuta-se carne)
Distingo, ainda, em todos esses murmúrios
que emergem repentinos em epifania
sua proeminência de prece
sua força de oração
sua delicadeza escondida de pedido secreto.
O que me chama em hora tão suave para proclamar segredos tão graves?
- é voz de homem? é sussurro de semelhante? é carta de adeus?
Tudo isto uníssono: um choro – baixo, comedido e milenar
O pranto acumulado de todo os seres, montado ao vento,
caminha planícies, escala montanhas, cutuca os homens sérios-
O que que há gente?
A nossa gramática sentimental é muito desordenada e incoerente.
Por isso morrem tantos – de fome, de ódio, de tristeza.
Pudera eu e alfabetizaria todos na língua do amor-
baniria a letra o
, e com ela o ódio
-
Perderíamos ostra
, onze
e ovo
mas tudo bem, dá-se um jeito.
Num lapso de segundo o mundo inteiro
é uma brisa que volteia meus cabelos.
(Pedro Henrique Marangoni)
À minha família e aos meus amigos, sem mais.
Sumário
Prólogo
INTRODUÇÃO
Análise e problematizações acerca dos direitos humanos e suas concepções e características
A clínica do testemunho:
do trauma ao testemunho
As novas vítimas da violência de Estado
Clínica do testemunho como hermenêutica diatópica para a construção de direitos humanos contra-hegemônicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
Prólogo
Imagens clandestinas da diferença
Tudo mudava o suficiente para que, ali como alhures, a vida jamais fosse idêntica a si mesma. Mas tudo permanecia estável o bastante para permitir o essencial: entender o que é, em fotografia, um momento intenso. O intenso, evidentemente, jamais está no excesso, nunca se dá a ver de forma ostensiva. As fotografias importantes são invisíveis para as pessoas apressadas. É verdade que não sabemos mais olhar a não ser de um jeito estranho. Vinte e cinco imagens por segundo é o nosso padrão. Mas quem se detém por 25 segundos em uma única imagem?
(Bernard Cuau, um livro das perguntas
, prefácio a Josef Koudelka
, Cosac Naify, 2012).
Com o filósofo holandês Baruch de Espinosa, aprendemos a distinguir consciência de pensamento. Assim, conforme ele, embora o moralismo clássico nos faça supervalorizar a alma ao mesmo tempo em que despreza o corpo, tem-se, em realidade, um paralelismo entre essas duas dimensões, ou seja, não há primazia de um sobre o outro: o que acontece ao corpo acontece também à alma. Assim, atentando-nos ao que se passa na vida concreta do corpo, às suas sensações, sentimentos, experiências variadas no encontro com outros corpos, com outras vidas, alargamos nossa potência de pensar para além dos limites de uma consciência domesticada, costumeira, para além da superficialidade do senso comum. Isso é particularmente sintomático nos tempos googlenianos
atuais, se me permitem o neologismo, dado que, cada vez mais, estamos nos acostumando às informações generalizadoras e enlatadas acerca de questões candentes que inexoravelmente nos assaltam, sejam aquelas oriundas de debates ocorridos nas TVs e rádios, sejam as que surgem na frequentação de bares e de almoços em família, sejam, ainda, problematizações mais esquematizadas de âmbito escolar e acadêmico. Em todos esses casos, há uma questão urgente que se impõe, a saber, como escapar às simplificações reducionistas a respeito de questões que concernem nossa existência? Ou ainda: como ativar nossa potência de pensar a fim de não reduzir problemas concretos a formulações desencarnadas, que até podem recobrir determinada realidade, mas que não são aplicáveis em contextos distintos?
Nesse sentido, uma das questões mais acionadas na contempo-raneidade diz respeito à conceitualização e à aplicação da noção de Direitos humanos. Falar em direitos humanos não é mais uma ação restrita a meios jurídicos ou a reflexões filosóficas, nem mesmo está circunscrita a perspectivas sociológicas ou antropológicas. Tal ideia se estende à história do presente, é assunto que surge na fila do mercado, no comentário diante da banca de jornal, na campanha de políticos dos mais diferentes matizes ideológicos. Muita gente fala sobre Direitos humanos, às vezes de forma apressada; outras vezes reproduzindo o que algum famoso manifestou; outras vezes, ainda, repercutindo dados supostamente objetivos, mas que apenas confirmam fantasias coletivas de classe. Bem-intencionados ou não, movidos por ingenuidade ou por força de manipulações, calcados ou não em casos reais, a repercussão dessa problemática tem ganhado uma importância cada vez maior nas sociedades atuais, pois influencia nosso modo de enxergar e de nos relacionarmos uns com os outros; determina nossa anuência ou nossa rejeição a políticas e projetos de sociedade. Eis por que a noção de Direitos humanos precisa ser pensada, interdisciplinarmente, por diferentes áreas do conhecimento. Com efeito, trata-se de um debate que precisa estar no foco de Psicologia, Direito, História, Sociologia, Ciência política, Filosofia, Segurança e Políticas públicas, Economia, Educação, Ecologia, etc.
Ora, quem tem se adiantado quanto a esse alerta, embora muitas vezes com fins pouco altruístas, é o grupo de marqueteiros de políticos, assim como de lobistas subordinados a diferentes e inconfessáveis interesses financeiros ou corporativistas. Daí a necessidade de ativar o pensamento e perturbar, o mínimo que seja, o sonambulismo de nossa consciência costumeira acerca do assunto. Não se trata de simplesmente trazer à luz a ideia de Direitos humanos, pois tal ideia já está no centro dos debates e na boca de todos, como dissemos. Trata-se, sobretudo, de enriquecer o debate, já que as forças nele entrelaçadas são complexas. Há momentos em que Direitos humanos são usados como pretexto para intervenções autoritárias e neocolonialistas em países periféricos por potências econômicas manipuladoras; em outros momentos, legitimam um multiculturalismo com ares benevolentes, mas no qual uma cultura, impondo-se como dominante, desqualifica a livre determinação de outras culturas; e há, ainda, momentos nos quais, contrariamente aos anteriores indicados, Direitos humanos são taxados como direitos de bandidos, responsáveis por minar a segurança das pessoas de bem e, dessa forma, tornam-se alvo de movimentos neofascistas diversos.
A observância das reflexões acima sugeridas leva-nos a saudar o presente livro de Mário Henrique Souza. Em Direitos Humanos contra-hegemônicos: o caso da Clínica do testemunho na perspectiva de uma hermenêutica diatópica, o autor adentra na intricada noção de Direitos humanos de maneira original quanto ao que sói produzir as pesquisas brasileiras. Primeiramente, ele começa desnaturalizando a univocidade de tal noção por meio de um mergulho nos vieses históricos que marcam o surgimento e o desenvolvimento dos Direitos humanos no ocidente. Seu olhar crítico prossegue por todo o livro tendo sempre o mérito de não transcendentalizar tais direitos, mas, ao contrário disso, de partir de problemas bastante concretos, como os ligados à violência de Estado contra populações socialmente à margem dos gabinetes governamentais.
Dois elementos são decisivos para a leitura contra-hegemônica que Mário Henrique Souza empreende neste livro. De um lado, a aliança conceitual tecida com o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, de cuja obra o leitor poderá encontrar aqui uma introdução – sobretudo por meio da explicitação de conceitos como contra-hegemonia, ur-direitos, regulação e emancipação, ecologia dos saberes, cosmopolitismo subalterno insurgente e hermenêutica diatópica. Com efeito, trazer ao público brasileiro o presente diálogo com esse importante pensador português é mais um saldo positivo do livro, ainda que não seja seu foco principal e que outros autores também muito instigantes apareçam elencados. De outro lado, o livro também nos apresenta a chamada Clínica do Testemunho, um movimento ao mesmo tempo de pesquisa histórica, de clínica, de intervenção social e, sobretudo, de reconstrução existencial por meio da recuperação e multiplicação da memória. Em outras palavras, trata-se, impulsionados por certa inspiração bergsoniana, de produzir fissuras no discurso oficial acerca do passado, dando passagem e dignidade à voz dos que foram (e ainda são, diariamente!) silenciados, catalogados, submetidos à sombra das Verdades oficiais.
Vale ressaltar que, nessa copresença temática, a ainda pouco conhecida Clínica do testemunho não aparece, neste livro, como mero caso exemplificador de uma perspectiva teórica não hegemônica dos Direitos humanos. Muito além disso, temos aqui, para render novamente homenagem a Espinosa, a experiência de um encontro alegre
, encontro ético-político (mas também estético) de resistências minoritárias que impulsionam uma a outra, que potencializam, numa via transversal, pensamentos que desdobram diferenças, que criam caminhos entre as pedras.
Sobretudo nos tempos hostis de agora, em que somos ameaçados de forma especialmente violenta por tendências de criminalização de minorias, por perda de direitos sociais, por falsas alternativas de luta que apostam em recrudescimentos identitários e exclusivistas, arrefecendo, com isso, a tecitura de vínculos solidários entre as diferenças (não somente a diferença entre eu
e o outro
, mas a diferença que coexiste em cada um de nós), sobretudo nesses tempos, repito, ter a coragem de parar e olhar atenta e criticamente certas verdades
sociais é algo libertador. O que está em jogo, no fundo, é a recuperação de nossa capacidade de dar passagem a imagens clandestinas da diferença, isto é, com cuidado e paciência, sermos capazes de olhar o real para além da histeria de imagens reificadas com as quais a doxa midiática nos bombardeia diariamente.
Finalmente, um derradeiro argumento pelo qual convido o leitor a adentrar no presente livro é o fato de seu autor ser muito generoso com a linguagem