Camilo: O Homem, o Génio e o Tempo - Vol. II
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Os textos selecionados que compõem esta obra respondem ao desafio lançado, dado que se pretendia contribuições que dessem expressão ao ecletismo camiliano a partir das sugestões temáticas "O escritor e o contexto histórico-cultural", "Enlaces vida e obra camilianas", "Camilo e os valores da época", "Tendências da poética ficcional camiliana" e "Ecos da obra camiliana na posteridade"; por isso, encontram-se aqui publicados estudos que abordam, por exemplo, a culinária em Camilo, as suas relações pessoais e ligações literárias, a colaboração tida em jornais como cronista musical ou reflexões em matéria de educação, para lá de investigações sobre algumas obras camilianas em particular quer do ponto de vista vocabular e linguístico, quer de uma aproximação pelos caminhos da ecocrítica ou ainda pelo viés sociocultural.
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Camilo - Fernando Alberto Torres Moreira
NOTA DE ABERTURA
Na nota de apresentação do livro Camilo: o homem, o génio e o tempo, que editamos em 2017 na sequência do congresso internacional com o mesmo nome realizado em Ribeira de Pena, escrevíamos: A genialidade de Camilo Castelo Branco permanece como um tema em si mesmo, a sua dimensão humana continua a suscitar justificadas interrogações e a busca de respostas, e o tempo em que viveu talvez mereça uma atenção mais sustentada para melhor se perceber a atualidade... Afinal, a perspetivação do futuro e a consciencialização do presente são, antes de mais, uma consequência do passado vivido
.
Animados por esta certeza, pelo generoso impulso e colaboração da Câmara Municipal de Ribeira de Pena e, sobretudo, pelo sucesso que constituiu o evento à volta de Camilo que esteve na base da publicação acima referida, a que se juntou o entusiasmo dos participantes (investigadores ou simples assistentes), cumpriu-se o II Congresso Internacional Camilo: o homem, o génio e o tempo, nos dias 8 e 9 de setembro de 2017, na mesma terra em que o escritor se casou pela primeira vez, aí residindo cerca de dois anos; desta feita, a organização conjunta da edilidade ribeirapenense e UTAD, área de Ciências da Cultura, contou com apoios reforçados, nomeadamente da Casa de Camilo, em Famalicão, do CEHUM (Centro de Estudos Humanísticos), da Universidade Católica Portuguesa/Braga, da editora ORFEU (Bruxelas) e do CITCEM (Centro de Investigação Transdisciplinar Cultura Espaço e Memória), da Universidade do Porto.
A qualidade das intervenções e a generosidade dos investigadores, aos quais agradecemos penhoradamente, possibilitou a feitura deste novo livro que, pelas razões apontadas, é um justo tributo ao seu labor e ao seu interesse pela cultura portuguesa, em geral, e por Camilo Castelo Branco, em particular. Provada fica, uma vez mais e se necessário fosse, a sua genialidade, a sua identidade tão portuguesa, o seu merecido título de representante único de um tempo específico da história da cultura portuguesa.
Os textos selecionados que compõem esta obra respondem ao desafio lançado, dado que se pretendia contribuições que dessem expressão ao ecletismo camiliano a partir das sugestões temáticas O escritor e o contexto histórico-cultural
, Enlaces vida e obra camilianas
, Camilo e os valores da época
, Tendências da poética ficcional camiliana
e Ecos da obra camiliana na posteridade
; por isso, encontram-se aqui publicados estudos que abordam, por exemplo, a culinária em Camilo, as suas relações pessoais e ligações literárias, a colaboração tida em jornais como cronista musical ou reflexões em matéria de educação, para lá de investigações sobre algumas obras camilianas em particular quer do ponto de vista vocabular e linguístico, quer de uma aproximação pelos caminhos da ecocrítica ou ainda pelo viés sociocultural.
Os organizadores e a área das Ciências da Cultura da UTAD agradecem a todos os que tornaram possível a materialização desta publicação que se espera contribua para um melhor conhecimento de Camilo e da sua obra que, pela sua riqueza, complexidade e abundância, mantêm um potencial investigativo passível de novas abordagens e perspetivas.
Fernando Moreira
Orquídea Ribeiro
José Barbosa Machado
Susana Pimenta
Camilo Castelo Branco e Arnaldo Gama: percursos, relações pessoais e ligações literárias
Aires Gomes Fernandes
CHSC/FLUC
Camilo Castelo Branco, felizmente, melhor ou pior, todos conhecem, ou, pelo menos, já ouviram falar, mas Arnaldo Gama é, hoje, um escritor praticamente desconhecido para a generalidade dos portugueses e manda a boa prática pedagógica que se dê a conhecer alguma coisa sobre este ilustre escritor do século XIX.
Arnaldo de Sousa Dantas da Gama nasceu a 1 de agosto de 1828 na Rua de Santa Catarina, no Porto. Era um dos oito filhos de Bento Severino Dantas da Gama e Margarida Máxima Cândido de Sousa, ambos com raízes minhotas, sendo o pai natural da vila de Ponte de Lima, fixando-se, posteriormente, no Porto, onde tinha o seu escritório de advocacia (Gama 1973: V-VI). O facto de os pais terem ascendência e propriedades na região minhota é fulcral para se compreender a ligação de Arnaldo Gama ao Minho, região que ele conhece profundamente e retrata nalgumas das suas obras, nomeadamente em O segredo do Abade, O Sargento-mor de Vilar, O Satanás de Coura e um Defeito de Organização
, esta última uma das cinco novelas que compõem Verdades e Ficções, novela particularmente rica para o estudo biográfico do autor, que aí deixa transparecer muitas características da sua personalidade. De facto, Arnaldo Gama é um dos personagens principais desta novela. Em termos físicos, Arnaldo Gama era magro, ele próprio o afirma ao dizer mas eu, se vou neste andar, venho a ser um verdadeiro milagre de pele e osso, uma oitava maravilha do mundo
Gama 1859: 19). Sabe-se que Arnaldo Gama era um homem extremamente corajoso, vendo essa coragem reconhecida publicamente em 1852 ao receber o grau de Cavaleiro da Torre e Espada, por ter tentado salvar alguns dos náufragos do vapor Porto no rio Douro (Gama 1933: 248-257).
Arnaldo Gama cursou direito na Universidade de Coimbra entre 1845 e 1851 (Gama 1973: XXXII), no entanto não seguiria a profissão do pai, exercendo advocacia por uns efémeros tempos, dedicando-se ativamente à escrita, quer publicando artigos em jornais quer dando à estampa alguns dos seus romances.
O escritor casou com Amélia Augusta Dias de Magalhães[1] a 1 de agosto de 1858, união de que resultaram oito filhos, dois dos quais, Augusto Gama e Guilherme Gama, acabariam por seguir as pisadas do pai[2]. Curiosamente, numa carta-prefácio que Camilo Castelo Branco escreve para a obra A Comédia a Sério, de Augusto Gama, em 1883, o escritor revela a primeira vez em que Arnaldo Gama viu aquela que viria a ser a sua esposa:
Em uma d'essas tres noites do outeiro, em 1852, Arnaldo Gama e eu fomos convidados a tomar chá em uma casa fronteira do convento. Morava ali o irmão de uma das religiosas benedictinas que ainda vive, a senhora D. Maria da Gloria, que era bella n'esse tempo, e havia sido a ultima freira professa. Tinha duas ou tres sobrinhas filhas do seu irmão que nos convidára. Uma d’ellas, ao sahir da infancia, era finamente formosa, idealmente raphaelesca, uma candura infantil, com a doce serenidade meditativa d'um anjo de Murillo. Arnaldo Gama travou-me do braço e segredou-me: «Contempla-me a graça d'esta creança!»
Volvidos sete annos, o meu saudoso amigo era o esposo d'aquella senhora, e d'este enlace tantos annos suspirado nasceu o auctor do livro que vem fazer a sua apresentação na galé das lettras portuguezas (Branco apud Gama 1883: 39-43).
Arnaldo Gama acabou por não poder acompanhar o crescimento dos filhos, uma vez que a morte lhe surgiu prematuramente a 29 de agosto de 1869[3].
À semelhança de Júlio Dinis, outro grande vulto da literatura portuense e seu contemporâneo, também Arnaldo Gama teve uma passagem terrena fugaz. Apesar de ter falecido com cerca de 40 anos de idade, este escritor legou-nos uma obra considerável. Em termos literários, e apesar de algumas incursões pela poesia e pelo conto, Arnaldo Gama destacou-se, essencialmente, como romancista. Os seus romances podem dividir-se em dois grupos distintos: o romance histórico e o romance contemporâneo ou de atualidade (Buescu 1997: 202), mas é sem dúvida o primeiro género que o viria a celebrizar. É na vertente do romance histórico que ainda hoje Arnaldo Gama é recordado, comparável mesmo a Alexandre Herculano[4], embora sem o mesmo género artístico e a mesma retumbância de expressão
(Pires 1960: VI). Alguns dos seus romances só viriam a ser publicados após a sua morte, como são os casos de O Balio de Leça (1872) e El-Rei Dinheiro (1876), seguramente duas das suas obras mais conhecidas. O autor deixou também dois romances inéditos, embora inacabados, intitulados A Obra do Diabo
e O Satanás de Coura
, sendo que esta última obra foi entretanto publicada já no início deste século XXI, com introdução, organização e fixação do texto por Ana Maria Marques (2004). Aqui fica, de forma sintetizada, uma listagem das suas obras e as respetivas datas da primeira publicação em livro:
. O Génio do Mal (4 vols.) – 1856-1857
. Poesias e Contos –1857
. Honra ou Loucura – 1858
. Verdades e Ficções – 1859 (2 vols., inclui: Um defeito de organização
; O chefe dos abencerragens
; Paulo
; Carolina
; A tomada de Ormuz
)
. Um Motim há Cem Anos – 1861
. O Sargento-Mor de Vilar – 1863
. A Última Dona de S. Nicolau – 1864
. O Segredo do Abade – 1864
. O Filho do Baldaia – 1866
. A Caldeira de Pêro Botelho – 1869
. O Balio de Leça – 1872 (publicado post-mortem)
. El-Rei Dinheiro – 1876 (publicado post-mortem)
. O Satanás de Coura – 2004 (publicado post-mortem)
Arnaldo Gama e Camilo Castelo Branco
Antes de mais, importa dizer que Arnaldo Gama e Camilo Castelo Branco são escritores contemporâneos. Camilo é, ligeiramente, mais velho, nasceu em Lisboa, a 16 de Março de 1825, no largo do Carmo (Salgado 1972: 19), enquanto Arnaldo Gama viria ao mundo, como já vimos, no Porto, marcava o calendário o primeiro de agosto do ano de 1828. Apesar de poder considerar-se que teve uma carreira bastante profícua em termos literários, como facilmente se percebe pela lista que expusemos atrás, o certo é que Arnaldo Gama faleceu com apenas 41 anos (a 29 de agosto de 1869), sendo que o autor de Maria Moisés sobreviver-lhe-ia por cerca de mais duas décadas, vindo a sucumbir a 1 de junho de 1890, nas circunstâncias trágicas que todos conhecemos.
O primeiro contacto entre os dois futuros escritores parece ter acontecido em Coimbra em 1846, altura em que Arnaldo Gama frequentava o 1º ano do curso de Direito e Camilo fazia os preparativos para ingressar nesse mesmo curso (Gama 1933: 11). Persistindo essa dúvida de se terem conhecido ou convivido em Coimbra nesse ano, certo é que as suas vidas se cruzariam no Porto ao longo da década de cinquenta.
Arnaldo Gama, antes do casamento, era um boémio (Basto 1932: 137)[5]. À semelhança da sua geração de poetas e escritores portuenses que aproveitavam todas as oportunidades para darem largas à sua imaginação e veia criadora[6], também Arnaldo Gama e os seus companheiros corriam os abadessados e outeiros como relembra Camilo, nessa carta prefácio de 1883:
Já lá vão trinta annos. Havia abbadessado no real mosteiro de S. Bento d'Ave Maria. Confluiam ao outeiro das grades e do pateo do festival convento illuminado poetas antigos, famosos no soneto arcadico, e poetas da ultima hora, vaporosos, mais intendidos em brizas que um piloto e mais relacionados com as estrellas que um astrónomo. Estava o deputado-commendador Correia Leal, de alcunha o Recta pronuncia que, recebido o mote, improvisava um cento de quadras conceituosas sem despegar; estava o Xavier Pacheco, redactor do Commercio do Porto, um poeta de velha tempera, intransigente, que justificava o seu afêrro ás antigas formulas pela correcção elegante e irreprehensivel dos seus sonetos. Rivalisava-o José Maria Vieira; um ancião que ainda vive em despremiada, mas talvez bonançosa obscuridade em Villa do Conde.
Entre os rapazes, floreciam Arnaldo Gama, Antonio Girão, os irmãos Lusos, António Coelho Lousada, Faustino Xavier de Novaes e mais duas dezenas de poetas anonymos, trovadores em flagrante delicto, cytharistas de occasião, inspirados fulminantemente pelas meninas do côro e pelas mais selectas creadas das monjas que offereciam mais probabilidades — as creadas, entende-se — de se deixarem seduzir pelas rimas, até se esvoaçarem d'aquellas gaiolas ás cristas do monte Parnaso.
Mas o maior e honesto estrago que os poetas ali faziam era na bandeja dos doces e nas capitosas garrafas das briosas filhas de S. Bento que se ajudavam dos vinhos decrépitos para equilibrarem o seu espirito, não menos antigo, com o dos vates. Eram tres as noites de outeiro... (Gama 1883: V-VI).
Este grupo de letrados, além dos abadessados, frequentava os salões de D. Maria Felicidade do Couto Brown (Basto 1932: 95) e, no caso de Arnaldo e Camilo, eram dois dos membros do grupo literário do Águia D’Ouro[7] e do Café Guichard (Gama 1973: XXXVI). A sua intensa participação na imprensa do Porto, sobretudo a sua faceta de poetas acabou por levar os dois escritores a envolverem-se em troca de correspondência pública com Gertrudes da Costa Lobo, primeiro Arnaldo e depois Camilo (Teles 2007) Os dois escritores têm também em comum o facto de durante parte da década de cinquenta, pelo menos na época balnear, viverem na Foz, no Porto (Gama 1973: 11).
À medida que o tempo ia passando Arnaldo Gama começou a deixar a vida pública para se refugiar nos Arquivos (Basto 1932: 207), situação que ainda se acentuou mais com o casamento e com o aparecimento dos filhos. Por força dessa diminuta convivência social, Arnaldo Gama e Camilo foram-se afastando embora o autor de Eusébio Macário ainda chegasse a ir algumas vezes a casa de Arnaldo Gama e aí brincasse com os seus filhos (Gama 1933: 55-56). Não deixa de ser curioso que também ambos tenham residido na rua de Santa Catarina, embora em épocas diferentes. Foi aí que Arnaldo nasceu, era aí que o seu pai tinha o escritório de advocacia e foi aí que Arnaldo viveria grande parte da sua vida e viria a falecer (Gama 1933: 208). Aliás, nesse mesmo prédio encontra-se uma placa evocativa que diz: ARNALDO GAMA – ESCRITOR PORTUENSE. AQUI NASCEU E FALECEU. 1-8-1828 – 29-8-1869
.
Quanto a Camilo, chegou a viver na rua de Santa Catarina já na parte final da sua vida, de resto foi aí que casou com Ana Plácido, como relembra a placa que foi colocada nesse mesmo prédio com a seguinte inscrição:
"NO 2.º ANDAR DESTE PRÉDIO,
QUE ENTÃO POSSUÍA O N.º 458,
CASARAM EM 9 DE MARÇO DE 1888,
CAMILO CASTELO BRANCO
E
ANA AUGUSTA PLÁCIDO
A Câmara Municipal do Porto
1 de Junho de 1991"
Outro elo de ligação entre estes dois homens é o jornalismo e os folhetins, tornando-se assíduos colaboradores da imprensa do Porto, tendo Arnaldo Gama fundado mesmo o Jornal do Norte (Gama 1933: 209; 212-213). Curiosamente, ambos publicam romances no Comércio do Porto. Arnaldo publica aí em primeira mão O segredo do Abade, em 1864 e A Última Dona de S. Nicolau, saída também em folhetins ao longo de 1864 e 1865; Já Camilo publicou, nesse periódico, O Senhor do Paço de Ninães.
Apesar de confesso admirador de Camilo não se pode dizer que a escrita camiliana influenciou de forma marcante a obra de Arnaldo Gama. Talvez a obra onde tal acontece, de forma mais flagrante seja o seu primeiro romance, O Génio do Mal, editado em quatro volumes ao longo de 1856 e 1857 e que tem algumas similitudes com Os Mistérios de Lisboa, publicados três anos antes.
Todavia, Ana Marques Santos deteta nas personagens de Arnaldo Gama algumas reminiscências folhetinescas, nomeadamente das primeiras obras de Camilo Castelo Branco
(Marques 2002: 47; 51; 102). Não deixa de ser curiosa também a ocorrência do fenómeno inverso, ou seja, com personagens de Arnaldo Gama a influenciarem personagens camilianas, como sucede com Matilde de O Génio do Mal com quem Cassilda de A mulher Fatal tem muita similitude (Marques 2002: 71).
Curiosamente, em O Génio do Mal, Arnaldo Gama diz o seguinte a propósito de Camilo:
Eis aqui um excellente poeta, um grande romancista, um bom litterato, e um dos escriptores mais sepirituosos do paiz. Camillo tem uma imaginação brilhante e fecunda, um estylo limado e correcto, e uma linguagem propria e castigada. [...] Como romancista, além das qualidades que já apontei, tem demais a mais o instincto, para assim dizer, anatomico, que descarna as paixoens, e que as faz jogar á vontade de toda e qualquer organisação que lhe dê. Camilo tem estudado o coração, e conhece o homem; e se continuar a sacrificar á arte os interesses que os seus romances lhe podem dar, se escriptos para a actualidade, no futuro Camilo Castelo Branco será apresentado como um dos primeiros romancistas d’este seculo, pela verdade, pela naturalidade e pelo bem-desenhado dos personagens, que faz jogar nas scenas dos seus romances. O presente não lhe será prospero em dinheiro, mas o futuro ser-lhe-ha prodigo em gloria (Gama 1881: 287-288).
Não se enganaria Arnaldo Gama nesta sua visão quase profética e dizia-o porque conhecia bem Camilo e a sua escrita.
O romance histórico é uma vertente a que Camilo se dedicou de forma algo comedida, isto se tivermos como fator de ponderação a sua volumosa produção, embora obras como Perfil do Marquês de Pombal, Dom Luis de Portugal, Neto do Prior do Crato, Maria da Fonte, Olho de vidro, A filha do regicida, O judeu, entre outras, se possam caracterizar como narrativas históricas
ou de grande envolvência histórica. O facto de algumas das suas obras aparecerem autointituladas ‘romance histórico’ não significa que o sejam (Marques 2012: 212). De resto, o próprio autor assume alguma dificuldade em estabelecer a classificação de algumas dessas obras como revela no prólogo de a Lucta de Gigantes:
Este livro tracta de frades. Não lhe chamo romance, porque é historia authenticada por documentos; não lhe chamo historia, porque seria presumpção impropria de minha humildade aforar-me em fidalguias tamanhas. Os catalogos das livrarias dêem-lhe o nome que muito quiserem; e o leitor, segundo a indigestão que lhe fizer o livro, qualifique-o, e áte-o, se lhe parecer, á capa surrada de alguma chronica de franciscanos (Branco 1865: V-VI).
Já agora, e a título de curiosidade, o autor optou por subintitulá-lo de narrativa histórica!
Independentemente dessa relativa parca produção camiliana ao nível do romance histórico não deixa, contudo, também neste aspeto, de existir pontos de contato entre os dois escritores, mormente ao nível da temática. Senão vejamos: as invasões francesas são um tema retratado por Arnaldo Gama em duas das suas principais obras, nomeadamente em O Sargento – mor de Vilar e O Segredo do Abade, saídos do prelo, respetivamente, em 1863 e 1864 (Fernandes 2008: 587-608). Também, e como bem relembra Fátima Marinho (2011-2012: 47-48), Camilo Castelo Branco aborda alguns aspetos das invasões napoleónicas em obras como Onde Está a Felicidade?, Carlota Ângela, A Enjeitada e O Demónio do Ouro. A esta listagem pode ainda acrescentar-se A filha do Doutor Negro, romance onde, logo no primeiro