Devolução de crianças e adolescentes em processo de adoção: análise, à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, da (im)possibilidade da intervenção do Estado na autonomia privada dos adotantes que desistem da adoção durante o estágio de convivência
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Devolução de crianças e adolescentes em processo de adoção - ANA PAULA AVELAR DOS SANTOS
Ao Davi, com amor.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que se manifestou através de todos que contribuíram para a realização deste trabalho.
Ao Davi, que estava na mais tenra idade quando decidi retomar os estudos. Não foi fácil, mas, sempre expliquei a ele o porquê das minhas ausências, que, com os olhinhos atentos, retribuía com uma compreensão digna de gratidão; tudo foi e é por ele.
À minha mãe, meu exemplo de fé; a ela confiei o Davi para que eu pudesse trabalhar e estudar com a tranquilidade de que precisava para chegar até aqui. Ao meu pai, meu melhor ouvinte, pois, ter com quem falar, com confiança, alivia a alma. Sem eles, eu não teria conseguido.
Aos meus avós, por inspirarem resiliência.
Ao Marco Paulo e à Regina, por me facilitarem, sobremaneira, conciliar os estudos com a prática da advocacia.
À Renata Diniz, a quem carinhosamente chamo de Renatinha, por ter sido a primeira pessoa que incentivou meu ingresso no Programa de Pós-Graduação.
Às Anas Diniz e Leroy, pela amizade e por me prepararem.
À Flávia, Marilane e Viviane que, gentilmente, convidaram-me para ser colaboradora do Curso Preparatório para Adoção; gratidão pela troca de saberes.
Às crianças e aos adolescentes devolvidos em alguma fase do processo de adoção, inspiração desta pesquisa.
Ao Conselho Nacional de Justiça e ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em especial, ao Juízo da Comarca de Esmeraldas e à sua equipe interprofissional, pela disponibilização de dados para esta pesquisa.
Aos Professores Alberico Silva, Leonardo Macedo Poli, Marcelo Campos Galuppo, Rodrigo Almeida Magalhães, Walsir Edson Rodrigues Júnior, e Taisa Maria Macena de Lima, por enfraquecerem minhas certezas e me fazerem pensar.
À Professora Maria de Fátima Freire de Sá, pelo privilégio de ser sua orientanda neste trabalho, pelo constante incentivo à pesquisa, por compartilhar seu conhecimento e por guiar-me com firmeza e doçura.
À Ana Cristina Melo Silveira e à Roziane Michielini, pela empatia e companheirismo, ao revisarem este trabalho.
À Gabriela, Paula e ao Manoel, pela amizade sincera, para além dos nossos cafés.
[...] não haverá Justiça dos menores se a Justiça Social estiver enfraquecida. Fortalecê-la é o grande e grave sacerdócio do Juiz de Menores, saindo de seu gabinete e indo ao encontro da Comunidade, que acolhe os pequeninos para, com ela, e junto dela, estudar e encontrar as soluções para os seus problemas.
O Juiz que apenas aprendeu a interpretar e abrir o Livro das Leis
esqueceu da aplicação da Justiça, pois a Lei é e será sempre posterior, bem posterior à ocorrência de todos os fatos sociais. Ela é estática e o fato social é dinâmico.
O Juiz de Menores é o grande construtor
da engenharia dos fatos sociais que a vida se nos oferece no cotidiano.
(LIBORNI, 1979, p. 229).
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
1. INTRODUÇÃO
1.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
2. ADOÇÃO: CONTEXTO HISTÓRICO E ASPECTOS LEGAIS DO INSTITUTO
2.1 A ADOÇÃO NO DIREITO ROMANO
2.1.1 O pater familias e os princípios que o regem
2.2 A ADOÇÃO NO BRASIL
2.2.1 Legislação
2.2.2 Adoção internacional
2.2.3 Adoção Intuitu Personae
2.2.4 Adoção à brasileira
2.3 AS BUROCRACIAS JUDICIAIS QUANTO À ADOÇÃO NO BRASIL
2.4 O PROCESSO JUDICIAL DE ADOÇÃO
2.4.1 O estágio de convivência
3. PROBLEMATIZAÇÕES ACERCA DA DEVOLUÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES DURANTE O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA
3.1 DA POSSIBILIDADE LEGAL DE DEVOLUÇÃO
3.1.1 Causas e consequências da devolução da criança ou do adolescente, durante o estágio de convivência
3.2 CASOS DE DEVOLUÇÃO
3.2.1 O primeiro relato de devolução no Brasil
3.2.2 O caso das irmãs gêmeas, que experimentaram a devolução por três vezes
3.2.3 Outros precedentes
4. A AUTONOMIA PRIVADA DO ADOTANTE E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO PROCESSO DE ADOÇÃO
4.1 AUTONOMIA PRIVADA: BREVES CONSIDERAÇÕES
4.1.1 A autonomia privada do adotante
4.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
4.2.1 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
4.3 RECONSTRUÇÃO DOS PARADIGMAS DO DIREITO PRIVADO NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: UMA VISÃO CONSTITUCIONAL DA ADOÇÃO
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO A - Relatório de pretendentes cadastrados (Nacional e Internacional)
ANEXO B- Artigo. 197-A e subsequentes
ANEXO C - Resolução nº 289 de 14/08/2019
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
No Brasil, não há norma que proíba os adotantes de desistir da ação no curso do processo, sendo claro que a irrevogabilidade da adoção é efeito da sentença transitada em julgado.
Ocorre que, na prática, situações de desistência, no curso do processo, especialmente, durante o estágio de convivência, têm ocorrido, e seus reflexos diretos se voltam para a criança ou adolescente adotando.
Portanto, a análise dessas consequências é o ponto de partida da investigação que se pretende fazer através desta pesquisa, o que se fará à luz do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
Não há vedação legal sobre a desistência de adotar destinada aos pretendentes/adotantes, no curso do processo de adoção. Aliás, a própria Lei nº. 12.010/2009 (Lei de Adoção) faz referência ao chamado estágio de convivência
, que existe, exatamente, para que se possa avaliar a conveniência da constituição do vínculo¹.
Ocorre que a consequência imediata da desistência nos processos de adoção é a devolução de crianças e adolescentes, que são pessoas, e não coisas. E mais: esses seres humanos, dependendo da idade e grau de discernimento, já criaram a expectativa de serem adotados ou, mais do que isso, já criaram com os adotantes um vínculo afetivo durante estágio de convivência previsto na Lei.
Têm-se, ainda, situações de devolução pós-processo; em que pese o vínculo de filiação consolidado por ato judicial – sentença transitada em julgado –, dados demonstram que há casos de pais que devolvem seus filhos adotivos. Entretanto, o foco deste trabalho é a devolução de crianças e adolescentes durante o estágio de convivência.
Questiona-se: ainda que legalmente possível a desistência no curso do processo de adoção, considerando, pois, que danos podem ser causados a essas crianças e adolescentes que experimentam a devolução, é possível uma intervenção estatal mínima na autonomia privada do adotante, sem prejuízo de preservá-la enquanto princípio jurídico, mas, de modo a garantir os direitos fundamentais constitucionais da criança e do adolescente?
Tendo como base os estudos preliminares realizados para a pesquisa a que se propõe, norteados, basicamente, em alguns casos divulgados no Brasil e na jurisprudência, imagina-se, hipoteticamente, sobretudo diante da ausência de norma que regulamente situações envolvendo devolução de crianças e/ou adolescentes no curso de um processo de adoção, seja necessário teorizar uma solução para essas circunstâncias.
É possível identificar, nas ações movidas pelo Ministério Público em defesa dos interesses das crianças e adolescentes, que os adotantes fundamentam as devoluções na possibilidade legal de desistência da ação.
Tem-se observado, ademais, que não há uma intervenção estatal mínima capaz de tentar impedir tal situação; o Estado-juiz se manifesta, tão somente, na ocasião da sentença, onde vem construindo soluções que amenizem as consequências, a exemplo de condenações ao pagamento de indenizações, bem como a prestação de alimentos e até mesmo ao custeio de tratamento psicológico para as crianças e/ou adolescentes devolvidos.
Essa construção jurisprudencial é tímida e a doutrina ainda é silente.
Para se evitar as devoluções, uma hipótese a ser testada seria a possibilidade de uma intervenção estatal mínima na autonomia privada do adotante, sem prejuízo de preservá-la enquanto princípio jurídico, mas, de modo a garantir os direitos fundamentais constitucionais da criança e do adolescente.
Com fulcro nisso, toda a pesquisa foi realizada no contexto do Estado Democrático de Direito, de modo a garantir os direitos das crianças e adolescentes envolvidos, em consonância com as garantias fundamentais, sobretudo, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Aliás, o fundamento da Constituição Federal de 1988 é a dignidade humana e o sistema jurídico de proteção da personalidade jurídica deve estar atento a esse objetivo constitucional.
Exatamente nesse sentido Taísa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire Sá, em Ensaios sobre a Infância e a Adolescência, conceituam os direitos de personalidade como "aqueles que têm, por objetivo, diversos aspectos da pessoa humana, caracterizando-a em sua individualidade e servindo de base para o exercício de uma vida digna" (LIMA; SÁ, p. 5).
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), desde 2008, 130 (cento e trinta) crianças foram devolvidas no curso do processo de adoção, dados esses lançados a partir da criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
A estatística se refere a crianças devolvidas durante o estágio de convivência. A problemática reside no fato de não haver proibição quanto a desistência da ação, sendo a irrevogabilidade do ato de adotar um efeito exclusivo da sentença transitada em julgado.
À luz de breve pesquisa jurisprudencial, nota-se que, em regra, esses casos não chegam a motivar uma demanda judicial, haja vista que os números lançados pela estatística do CNJ estão infinitamente acima do número de casos judicializados (reflita-se: e o dever o Estado?). Demais disso, quando demandado, a construção que se tem ainda é limitada, quer pela ausência de norma sobre a devolução de crianças no curso da ação de adoção, quer pelo acanhamento doutrinário acerca do tema.
Todavia, há de ser considerada a consequência imediata da desistência no curso de uma ação de adoção, que é a devolução de uma criança e/ou adolescente, uma pessoa que já experimentou o abandono dos pais biológicos, e que, uma vez inseridas no Cadastro Nacional de Adoção, naturalmente, criam a expectativa de serem adotadas e, obviamente, esperam ansiosos por esse momento; crianças e adolescentes que já tiveram seus direitos violados e, portanto, foram-lhes aplicados a medida extrema do abrigamento; crianças e adolescentes que já passaram por um processo de destituição do poder familiar, enfim, crianças e adolescentes que, inegavelmente, merecem um olhar especial. Destaque-se que essas crianças são inseridas no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) quando nenhum familiar se dispõe ou possui aptidão para cuidar, ou seja, quando não há mais opção – medida excepcional (e irrevogável).
Os pretendentes, por sua vez, cadastram-se por livre e espontânea vontade e têm acesso prévio ao perfil da criança que pretendem ter como filho: sexo, idade, cor da pele, se aceitam irmãos ou não, com ou sem doença, enfim, podem escolher. Pertinente ainda destacar que, antes de serem habilitados, os pretendentes, necessariamente, devem se submeter a curso preparatório, ministrado por equipe psicossocial e jurídica².
Feitas essas considerações, somadas às não raras situações de devoluções que têm ocorrido, mesmo após os pretendentes já terem sido considerados aptos, ou seja, já tendo cursado a preparação técnica da Justiça, a lacuna na lei acerca de uma norma expressa sobre a desistência da ação demanda reflexão, sobretudo, por envolver crianças e adolescentes com direitos violados.
Pretende-se investigar o contexto histórico do instituto da adoção e suas nuanças no âmbito do direito material e processual; a análise preliminar progressiva desses conceitos e noções é imprescindível para a verificação, a partir do método hipotético-dedutivo, da plausibilidade da aplicação de limitações ao direito de desistência da ação.
Um estudo individualizado de casos concretos emblemáticos permite que a