Memória, cidade e comércio: narrativas sobre o centro histórico de Campos dos Goytacazes/RJ

PREFÁCIO

Este livro de Paula Pimentel registra a trajetória de uma das mais importantes cidades do Vale do Paraíba do Sul, notável pelo alinhamento da quase totalidade da riqueza brasileira. Campos, com efeito, desenvolveu-se como centro nevrálgico do que originalmente foi a Capitania de São Tomé, uma vasta planície que se espraiava entre a foz do Rio Paraíba e a majestosa serrania daquela que Alberto Ribeiro Lamego denominava A Cordilheira Naufragada.

Com o progressivo desenvolvimento da agricultura da cana de açúcar apoiada na força de trabalho dos escravos importados da África, a colônia expandiu-se, pujante, com o célere crescimento dos engenhos de açúcar e com eles o florescimento da monocultura baseada nos solares e nas senzalas. Esta poderosa sociedade, por sua vez, gerou, ao longo dos séculos, a cidade de São Salvador de Campos dos Goytacazes. Foi para esta cidade que a autora voltou o seu estro de cientista social. Com essa finalidade recorreu à morfologia social elaborada por Maurice Halbwachs, corifeu da escola sociológica francesa, do início do século XX e ao igualmente notório epígono atual desta, o contemporâneo Michel de Certeau. O instrumento que lhe serviu de base para a coleta de seus dados etnográficos, em seu trabalho de campo, foi a técnica das histórias de vida às quais se dedicou com afinco, traduzindo, inclusive, um manual francês escrito sobre o tema. ¹

Com esta estratégia voltou-se para a questão central do seu trabalho, visando o binômio memória e patrimônio no centro histórico de Campos dos Goytacazes. Neste exercício arqueológico aplicado ao espaço urbano mediante a meticulosa reconstrução do que veio a constituir-se, no decorrer dos séculos, o coração desta cidade, Paula Pimentel recoletou, pacientemente, lugares e histórias, entretecidos como um quebra-cabeças que mobilizou e ainda hoje mobiliza os trajetos, as lembranças e os passos dos campistas dando vida ao seu imaginário social.

Os guardiões da memória deste território desenham, um nostálgico mapa da cidade antiga. Ao longo dos percursos, pelos quais vão sendo conduzidos através do labirinto urbano, os flaneurs seguem vislumbrando lugares memoráveis, da velha cidade. Um após outro, estes caminhantes encontrarão, dentre outros lugares, além da Catedral de São Salvador, fundamento da cidade, a mais antiga livraria do Brasil – Ao Livro Verde – onde a fina flor da intelectualidade campista costumava reunir-se para comentar os livros e os temas em voga e onde se podia adquirir não somente cultura, mas os artigos de luxo indispensáveis ao gosto refinado da elite local, bem como partituras musicais advindas de Paris, capital da Belle Époque.

Compõe também parte desse mapa a Lira de Apolo, tradicional escola de Música do lugar, a Flora Econômica, com seus remédios naturais, para a restauração da saúde daqueles que procuravam nos tratamentos tradicionais, alívio para os males do corpo, outrora, atualmente acrescidos pela estatuária votiva católica ou até mesmo da umbanda e do candomblé, para os cuidados do corpo e da alma.

Em meio a este patrimônio cristalizado da memória coletiva, os caminhantes poderão encontrar, ainda, monumentos solenes como o antigo Teatro Trianon, com seus ares afrancesados, ou, não muito distante dali, o Solar urbano do Visconde de Araruama, casarão do século XVIII, outrora sede da Prefeitura, da Câmara dos Vereadores e do Tribunal do Júri, abrigando atualmente o Museu Histórico de Campos dos Goytacazes.

Estes marcos materiais e simbólicos da cidade articulam passado e presente, memória viva de um momento econômico glorioso do qual hoje os comerciantes do centro histórico se ressentem, mas que, por felicidade, não se perderam para sempre, pois, trabalhos como este constituem um poderoso dispositivo de exercício da memória e da reflexão, elementos indispensáveis à luta contra os pecados capitais do esquecimento.

A metodologia adotada por Paula Pimentel para desenvolver o seu trabalho permitiu, não apenas àqueles a quem escolheu como informantes privilegiados, uma viagem no tempo passado e presente. Mas não somente a eles. Também a mim como leitor e, certamente àqueles para quem essa publicação poderá ser dirigida, um vislumbre dela, marcada pelas vicissitudes econômicas, sociais e culturais, responsáveis pelas metamorfoses na anatomia do centro histórico de Campos dos Goytacazes.

Arno Vogel.

1 Bertaux, Daniel: Les récits de vie: Perspective ethnosociologique (1997)

AGRADECIMENTO

Agradeço à minha mãe Rosangela, que é a minha maior incentivadora, não há palavras que expressem minha gratidão por ter tido seu precioso apoio e coragem. Sou imensamente grata a você por ter me encorajado a nunca desistir de meus sonhos.

Às minhas irmãs Isabela e Gabriela que sempre me deram forças para continuar a estudar o tema, sem dúvida as contribuições de vocês foram inúmeras, o afeto, a solidariedade e a compreensão.

Ao meu amado companheiro Ítalo, agradeço a tolerância das constantes ausências e por me apoiar em meus projetos com o seu amor e companheirismo.

Às minhas tias e tios: Silvana e Adolfo, Maria e Silvério, por me acolherem carinhosamente em suas casas em Niterói. A solidariedade de vocês, sem dúvida, contribuiu muito para a realização dessa importante etapa de minha vida.

À minha querida orientadora, professora Regina Abreu, que felizmente me acolheu com sua generosidade, obrigada por ser essa pessoa atenciosa e sempre generosa compartilhando seu conhecimento comigo e com os alunos do programa.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Memória Social que auxiliaram em minha formação.

Aos professores da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro — UENF — que tiveram uma grande participação em minha formação e, como fruto disso, contribuíram para minha motivação em continuar essa jornada, em especial, o professor Carlos Freitas e ao meu querido orientador de graduação, o professor Arno Vogel, que me incentivou a continuar escrevendo sobre as valiosas histórias que estão escondidas em cada rua, prédio e comércio, estão ali para serem descobertas, são trazidas nas lembranças desses personagens locais. Minha sincera gratidão pelo conhecimento compartilhado, obrigada por ser esse Ser generoso e de admirável conhecimento que me fez avançar por um caminho sem volta, sem dúvida a escrita é um exercício que vicia, não existe fim.

Aos meus interlocutores: o Senhor Almir, o Senhor Eraldo e a sua esposa Marlene, e o Senhor Ronaldo. Sou imensamente grata por confiarem a mim suas preciosas experiências de vida compartilhadas, o tempo doado, as conversas francas, e o esforço em sempre tentar me mostrar e ajudar a ver o que eu não conseguia, obrigada a tudo isso que me fez compreender melhor as nuances envolvidas nesse lugar de memória e estórias.

Dedico esta obra ao meu pai, Paulo Pimentel (in memoriam) com a minha mais profunda gratidão a quem me mostrou uma maneira grandiosa de olhar a vida: com amor.

Quando um grupo humano vive muito tempo em lugar adaptado a seus hábitos, não somente os seus movimentos, mas também seus pensamentos se regulam pela sucessão das imagens que lhe representam os objetos exteriores. Eliminai agora, eliminai parcialmente ou modificai em sua direção, sua orientação, sua forma, seu aspecto, essas casas, essas ruas, essas passagens, ou mudai somente o lugar que ocupam um em relação ao outro. As pedras e os materiais não vos resistirão, e deles, é com a própria resistência, senão das pedras, pelo menos de seus antigos arranjos na qual vos esbarreis.

(A Memória Coletiva, Maurice Halbwachs)

SUMÁRIO

Capa

Folha de Rosto

Créditos

INTRODUÇÃO

2. A FORMAÇÃO DA CIDADE: CAMPOS DOS GOYTACAZES NO CENÁRIO REGIONAL E NACIONAL BRASILEIRO

2.1 DE COLÔNIA A CIDADE: DA CRIAÇÃO DE GADO AO AÇÚCAR

2.2 NASCE A VIDA URBANA EM TORNO DA PRAÇA: O CENTRO HISTÓRICO DE CAMPOS

2.3. AS INTERVENÇÕES URBANAS NO CENTRO HISTÓRICO DE CAMPOS: UM PATRIMÔNIO CULTURAL

3. NARRATIVAS MEMORIAIS DE UM CENTRO HISTÓRICO

3.1 NARRATIVAS CITADINAS: A BUSCA POR SENTIDO NA PAISAGEM URBANA

3.2 AS ENTREVISTAS

3.3 A TRAJETÓRIA DA LIVRARIA AO LIVRO VERDE NA CIDADE DE CAMPOS: A ESTÓRIA DE UMA LIVRARIA CENTENÁRIA

3.4 RELATOS DO SR. ERALDO SOBRE A PAPELARIA A FESTIVAL: O CENTRO COMO UM LUGAR DE MEMÓRIA

3.5 RELATOS DO SR. ALMIR SOBRE A LOJA FLORA ECONÔMICA: PERCEPÇÕES SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DO CENTRO HISTÓRICO

3.6 AS DISPUTAS E OS CONFLITOS NO CENTRO HISTÓRICO:ENTRE A NOSTALGIA DAS PERDAS E A NOVA ECONOMIA DE MERCADO

3.7 A DESTRUIÇÃO E A PRESERVAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO: O QUE MUDOU?

3.8. DIFICULDADES E CONQUISTAS DA PESQUISA

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

5. REFERÊNCIAS

Landmarks

Capa

Folha de Rosto

Página de Créditos

Sumário

Bibliografia

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como temática a memória do centro histórico da cidade de Campos dos Goytacazes, município situado no Norte Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa foi desenvolvida no programa de Pós-graduação em Memória Social, sob a orientação da Professora Drª