A proteção do patrimônio público e seu microssistema: aproximações em torno da sua fundamentação jurídica
()
Sobre este e-book
Relacionado a A proteção do patrimônio público e seu microssistema
Ebooks relacionados
Dos direitos da personalidade ao direito ao esquecimento: um panorama histórico evolutivo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Backlash e a Legitimação Democrática do Judiciário: análise exemplificada pela Prisão em Segunda Instância Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Hierarquia Dos Tratados Internacionais De Direitos Humanos No Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito e direitos humanos: abordagem histórico-filosófica e conceitual Nota: 0 de 5 estrelas0 notasStudia - Direito Civil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireitos Fundamentais do Brasil: teoria geral e comentários ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNegócios jurídicos processuais e os direitos da personalidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA efetivação dos Direitos Humanos e Fundamentais: caminhos e descaminhos: Volume 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireitos humanos e direitos fundamentais: debates contemporâneos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPessoa Humana, Direito Penal e o Cárcere Nacional: jusreflexões de 1824 a 2021 Nota: 5 de 5 estrelas5/5Ensaios sobre Direito Público contemporâneo: Temas sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPopulação Carcerárea, Direitos Violados Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito natural e propriedade privada Nota: 5 de 5 estrelas5/5Trabalho análogo à escravidão: reconhecimento e fundamentalidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDeveres Fundamentais: desconstruindo a ideia de que só temos direitos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLiquidação De Sentença Nas Ações Coletivas Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO inconsciente no processo: aspectos psicológicos na relação processual Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTransgêneros no Cárcere: A Luta Contra o Preconceito no Sistema Prisional Brasileiro Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTransgeneridade e Previdência Social: seguridade social e vulnerabilidades Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Teoria da Ponderação de Interesses e sua Aplicação na Tutela dos Direitos Fundamentais Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireito Internacional: Teoria dos Fatores Dinâmicos de Legitimidade Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPachukanis e Kelsen: uma breve análise sobre o papel estatal em seus sistemas jurídicos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDireitos Fundamentais: Introdução Geral - 2ª ed. Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO direito da sociedade Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Avaliações de A proteção do patrimônio público e seu microssistema
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
A proteção do patrimônio público e seu microssistema - Rodolfo Marques Costa
1. O INDIVÍDUO E SEUS ARRANJOS SOCIAIS E POLÍTICOS
Como dito, a fim de se ilustrar e se destacar o jusnaturalismo enquanto obra da evolução secular humana, inicialmente farar-se-á uma evolução arqueológica sobre o indivíduo e suas formas de arranjo social de convívio até a chegada do chamado Estado nacional moderno, tal como hoje o suportamos. Esta evolução arqueológica, salvo melhor juízo, é de fundamental importância principalmente para a comprovação, junto aos juspositivistas que não a assimilam, do enorme custo humano (pessoal e material) suportado por centenas de gerações de indivíduos posteriores, esforço este que veio dar à luz, há poucos anos (sob o ponto de vista histórico), a um sistema jurídico normativo mínimo de defesa da vida, da liberdade e da propriedade, sistema jurídico normativo este, muitas vezes, passa desconsiderado quando da elaboração e/ou aplicação da lei, como dito.
Então, desde que desceu das árvores há 3,6 milhões de anos atrás (Australopithecus afarensis),²³ os primatas hominídeos, futuros humanos (Homo sapiens sapiens), começaram a se arranjar, de uma forma ou outra, mais ou menos primitiva, para viver da melhor forma possível, fosse em grupos menores ou maiores.
Nessa linha de ação, portanto, o primeiro grupo humano é a família, sendo este grupo caracterizado por vínculos genéticos e por via reflexa afetivos. Ultrapassando-se a esfera da família, então surge a comunidade, aqui tida como um grupo de famílias com algum objetivo em comum e, também, algum laço de afeto, mesmo que eventualmente hierarquizado. Ultrapassando-se a esfera da comunidade, por sua vez, surge a sociedade, mais complexa, tida aqui como um conjunto de comunidades que se agruparam também para alcançarem objetivos comuns e terem uma vida ainda mais facilitada, mesmo que de forma eventualmente hierarquizada. E, para organizar esta vida em sociedade, os humanos então criaram formas de governo, governo este que, com o passar dos séculos, institucionalizou-se incialmente pela teocracia egípcia, depois pelas cidades-estado mediterrâneas, depois pela república romana, depois pelo feudalismo, depois pelo absolutismo e por último, até os dias de hoje, sob a forma do estado nacional moderno tal como o conhecemos e o suportamos.
Assim, diante dessa evolução toda que começou por volta de 12.000 a.C., na Nova Idade da Pedra, ou Idade da Pedra Polida, ou Era Neolítica,²⁴ este capítulo do presente estudo abordará, de forma resumida, o indivíduo, a família, a comunidade, a sociedade, o governo, o anarquismo, e o Estado nacional, nessa ordem.
1.1 O INDIVÍDUO
Algum tipo de primata surgido há 60 milhões de anos atrás,²⁵ com o passar de milhões de anos foi pondo-se em pé (há 3,6 milhões de anos atrás) e, em tornando-se ereto, sua musculatura e esqueleto modificaram-se substancialmente. Além disso, libertaram-se as mãos para outras atividades que não a de apoiar os pés para caminhar, razão pela qual começaram os primeiros hominídeos a manipularem objetos. Mas ficar em pé não mudou apenas nosso esqueleto; mudou nossa visão, a vista ocular e o alcance dos olhos e, como consequência, nosso pensamento, nosso raciocínio. Somos a única espécie animal que realmente evoluiu e mudou e em poucos milhões de anos.²⁶
Os primeiros primatas verdadeiramente hominídeos eretos de que se têm registro datam de 3,6 milhões de anos (Australopithecus afarensis);²⁷ uma fêmea chamada Lucy
, encontrada em Afar, na Etiópia, em 1974, pelo antropólogo americano Donald Carl Johanson (1943-*), da Universidade de Berkeley, na Califórnia, EUA, cujo nome foi dado em homenagem à música Lucy in the sky with diamonds
, dos The Beatles; os A. afarensis eram onívoros, nômades, usavam ferramentas e habitavam a zona central da África, atualmente ocupada pelo Quênia, Tanzânia e Etiópia.²⁸
Porém, uma grande seca ocorrida há 2 milhões de anos atrás fez com que os hominídeos avançassem rumo ao norte africano e, neste rumo ao norte, aqueles que sobreviveram ao nascimento do Deserto do Saara (ou desviaram dele) conseguiram rumar ao leste/nordeste graças à uma estreita faixa de terras situada entre a África e a Ásia Menor, à qual hoje se chama de Oriente Médio, numa peregrinação que, no total, durou 1,989 milhões de anos, haja vista que há 1,8 milhões de anos atrás esse grupo de hominídeos chegou ao sudeste asiático; 800 mil anos atrás, às ilhas do Pacífico;²⁹ 52 mil anos atrás, à Austrália;³⁰ 22 mil anos atrás à América do Norte, e 11 mil anos atrás enfim à América do Sul.³¹ Não se olvide que, à época, a velocidade de deslocamento era de, no máximo, alguns poucos quilômetros por dia e enquanto houvesse luz do sol e não houvesse chuva, neve etc.³²
Na medida em que comia mais carne, o cérebro destes hominídeos foi aumentando de tamanho até chegar a 900 centímetros cúbicos, 200 mil anos trás, no Homo erectus e no Homo habilis.³³³⁴ Por volta de 60 mil anos atrás, já Homo sapiens sapiens (subespécie do Homo sapiens), a humanidade começou a celebrar vários cultos (nascimentos, casamentos, funerais, refeições etc.), elaborar sua linguagem (falada e desenhada), desenvolver técnicas de caça, pesca e coleta, organizar tarefas e a ter uma vida seminômade.³⁵
E nunca é demais salientar uma questão semântica que em tempos de progressismo - de termos politicamente corretos ou incorretos - sobre a palavra Homo:³⁶
Do latim homo, de humus, solo, terra. Em sentido próprio, humus significa matéria orgânica em decomposição, rica em colóides e elementos nutritivos para as plantas, de modo que, no sentido figurado, o gênero humano é fruto da própria terra, fonte de vida. Por isso, em latim, humilis era o homem que se inclinava para a terra (quase aclinans humo). Daí humilde. Do homem já falecido e sepultado, dizia-se humatus (quod sit humo tectus). Inhumatus, portanto, era aquele ainda não sepultado ou colocado sob a terra. Daí o vernáculo inumar, sepultar, enterrar.
Foi então que, cerca de 12.000 anos atrás (na Nova Idade da Pedra, ou Idade da Pedra Polida, ou Era Neolítica),³⁷ surgiram as três primeiras perguntas da humanidade: quem sou eu? Há alguém no comando? Posso mudar o ambiente a meu favor? Foi quando começamos a pensar e a adaptar o ambiente de forma a nos beneficiarmos mais dele.³⁸
Note-se que o homem neolítico construiu onde hoje se localiza cidade de Arfa, na Turquia, 11.500 anos a.C., um santuário religioso batizado de Gobekli Tepe, isto 10.000 antes do surgimento do judaísmo, 7.000 anos antes da construção das pirâmides do Egito,³⁹ e 5.000 anos antes da escrita cuneiforme suméria.⁴⁰
Entre 12.000 a.C. e 9.000 a.C. houve um aquecimento global que ocasionou a diminuição de geleiras e a elevação dos mares e rios, e dos oceanos em 140 metros. Com isso, a produção rural aumentou, a caça ficou mais farta, aperfeiçoou-se a pesca, a vida ficou mais fácil e a população humana aumentou substancialmente de tamanho.⁴¹
A partir de 4.000 a.C., afloraram as civilizações mesopotâmica, egípcia, hebraica, hindu, grega, romana e chinesa, nesta ordem cronológica. O vinho e o azeite de oliva surgiram na Grécia em 3.000 a.C.,⁴² por exemplos. Neste mesmo tempo, surgiram as primeiras carroças com tração animal, momento em que a velocidade de deslocamento do homem passou de alguns quilômetros por dia para alguns quilômetros por hora, enquanto houvesse luz do sol, e sem chuva ou neve.⁴³
Em 1.750 a.C., na Babilônia, capital da Mesopotâmia, em um bloco de pedra de 2,5 metros de altura, surgiu o primeiro ordenamento moral escrito conhecido: o Código de Hamurabi, organizado a mando do Rei Hamurabi (1.811 a.C.–1.750 a.C.), em seu último ano de vida.⁴⁴
Houve também a civilização egípcia, a qual formulou o conceito de exército, de cidade, de agricultura, de irrigação, de construção civil dentre outras tantas invenções.
Adiante no tempo, fixando-se na civilização clássica grega, em relação ao indivíduo, tomando-se por bases Platão (428 a.C.-347 a.C.) e Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.⁴⁵), veja-se o seguinte. Platão, grego, defendia que as pessoas nascem naturalmente inclinadas a exercerem determinados trabalhos. O artesão nasce artesão, o agricultor nasce agricultor, o professor nasce professor e assim por diante.
Já Aristóteles, macedônio erradicado como grego, ao contrário de Platão, além de sustentar ser o indivíduo um animal político, defendia a existência de dois grandes grupos de homens (aqui, os adultos livres do sexo masculino (crianças, mulheres e escravos tinham outro entendimento, a ser abordado abaixo)): os homens que tinham educação liberal e riqueza suficiente para dar tempo ao lazer e aos assuntos da pólis, e os que não tinham nem educação liberal nem tempo para o lazer e para os assuntos públicos. O primeiro grupo era chamado de notáveis, enquanto que o segundo grupo era chamado de massa, para o qual a virtude do trabalho não seria suficiente para se atingir a virtude da política e a virtude da justiça, razão pela qual a massa ficava excluída dos cenários decisórios juspolítico e público gregos.⁴⁶
Em relação às crianças, mulheres e escravos, o pensamento aristotélico trazia um outro cenário distinto do dos homens livres (indivíduos do sexo masculino). Quanto aos escravos, em suma, Aristóteles defendia que a utilização mesmo que forçada de pessoas intelectualmente inferiores nas tarefas cotidianas da rotina das pessoas intelectualmente superiores era não só justificável como necessária; necessária no sentido de em uma vez liberando os intelectualmente superiores de tarefas cotidianas estes então poderiam se concentrar totalmente na solução dos problemas da pólis como um todo;⁴⁷ previa também o filósofo três tipos de escravidão: para fins domésticos, para fins militares e para fins econômicos; os escravos eram portadores da virtude da obediência.
Em relação às mulheres, Aristóteles defendia que elas fossem hierarquicamente superiores aos filhos e aos escravos, porém inferiores aos homens livres porque elas seriam de mais fácil manipulação, mais tendentes ao perdão e mais instáveis emocionalmente, sendo-as portadoras de uma virtude sem autoridade (cuja exceção seria somente em relação aos filhos e escravos).
E quanto aos filhos, Aristóteles entendia serem inferiores aos seus pais (pai e mãe) porque ainda em fase de desenvolvimento intelectual, sendo-os portadores de uma virtude imperfeita.⁴⁸
Note-se que para os gregos, ao contrário dos romanos, primeiro havia a pólis e, só depois, o cidadão, chamado de polites, sendo a politeia o conjunto dos cidadãos de uma pólis; a razão da existência do polites e da politeia era a pólis.⁴⁹
Bem adiante, já na Idade Média, que começa em 476, com a queda do Império Romano do Ocidente, onde morreram 7 milhões de pessoas,⁵⁰ e termina em 1453, com a tomada de Constantinopla, antiga Bizâncio, atual Istambul (capital da Turquia), pelos turcos otomanos islâmicos, Boécio (480-524) definiu a pessoa como uma substância individual de natureza racional.⁵¹ Já Porfírio de Tiro (234-305) distinguiu três aspectos da palavra indivíduo:⁵²
1) Que não pode ser dividido (ex.: a mente humana);
2) Que não pode ser dividido em virtude de sua dureza (ex.: uma pedra de diamante);
3) Que não pode ser comparado ou predicado a outros indivíduos (ex.: Sócrates (?-399 a.C.). O indivíduo, portanto, para Porfírio de Tiro, é uma entidade singular e irrepetível.
Nessa fase medieval, o indivíduo ocidental passa a ser tido como uma criatura de Deus, feita à sua imagem e semelhança, e portador de aspecto divino. E, nesse passo, enquanto portador de aspecto divino, o indivíduo será classificado como bom ou mau conforme forem suas ações, ações estas que serão tomadas com base na sua razão, na sua capacidade de raciocinar e de escolher entre x
e y
, sendo esta liberdade de escolha um presente, um dom, uma característica importantíssima dada por Deus a todos