Extintas Inscrições de Sonhos Mortos
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Extintas Inscrições de Sonhos Mortos - Luciana Fátima
Extinguindo sonhos
Por Arlindo Gonçalves*
É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao Nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
(Francisco Otaviano)
A
solidão é cada vez mais recorrente na vida das pessoas das grandes metrópoles. Estar só, para alguns, é bom. É a plena realização da liberdade: quando o sujeito exerce a ação de escrever sua própria história – responsabilizando-se por todos os seus atos. Para outros, no entanto, a solidão é ruim, é esmagadora, é solidão como abandono. E abandono porque não há liberdade, não há condução de destino próprio. É ruim.
E é justamente esse tipo de solidão que Luciana Fátima traz em Extintas inscrições de sonhos mortos
, livro de contos com elementos ora realistas, ora fantásticos.
Para entender previamente sobre que tipo de sujeito Luciana trata neste livro, o leitor poderá fazer um exercício de analogia com os astros celestes. Há aqueles que têm sua própria força de gravidade. Há outros que dependem dos primeiros, pois gravitam sob sua influência. Imagine, agora, que alguns astros presos gravitacionalmente a outros, em dado momento, percam esse domínio. Passam, então, a vagar, errantes, sem destino e com a lembrança dos astros a que pertenciam originalmente.
As personagens de Luciana são entes que perderam pares amados, quer para outras pessoas, quer para a morte. Perderam a força da gravidade, foram para a solidão. E o que encontraram lá não foi a solidão da liberdade, mas a do abandono. Tal situação as faz perder, aos poucos, os seus próprios sonhos. São seres incapazes de se realizar porque dependem dos outros para se firmar no universo. Algumas histórias:
Em Dor de amor
, a personagem culpa uma antiga paixão pelos infortúnios de sua vida. Rancorosa, raivosa e violenta, ela profere: Acho que toda a dor do mundo está dentro de mim
.
Universo nas mãos
é meu conto predileto e nele a solidão é descrita de forma mais coletiva; painel de abandono na cidade grande. Há nesse conto muito mais dor do que estética, mais limite e risco do que projeção do incômodo da não realização pessoal. Aqui veremos a indigência. Olhar desluzido
vai no sentido contrário, ou seja, aqui é mostrada a fuga da cidade. Fuga que se mostrará inútil. Já Ao sair apague a luz
é um conto delicado sobre velhice e morte. E Sombra do destino
dá ao leitor elementos que lhe faltaram ao entendimento do primeiro conto do livro.
Luciana Fátima escreve de forma simples e direta. Ela nos fala sobre a dependência dos outros para a realização dos sonhos. Nos traz um painel da moderna solidão urbana por meio do fantástico, que surge nas existências patéticas e medíocres. É um livro, sobretudo, a respeito da morte como fuga de ambientes insuportáveis, como solução definitiva ao abandono que veio e foi gradativamente extinguindo os sonhos.
* Arlindo Gonçalves é autor de Dores de perdas, Desonrados e outros contos, Desacelerada mecânica cotidiana, Corações suspensos no vazio, e coautor de Carinhas(os) Urbanas(os).
Dor de amor
"Louvado sejas pela Morte! Ela a todos visita,
e é nossa irmã, e ninguém foge aos braços seus.
Ai do que morre condenado! Mas, bendita
a alma que trilha os teus caminhos, senhor Deus!"
(São Francisco de Assis)
P
ergunto-me hoje, Deus, como pude ser tão burra e por tanto tempo? Por que não vi tudo logo no começo? Céus, como puder viver cega por todos esses anos?
Hoje eu vejo. O culpado por tudo isso é o Amor... Ele, sempre ele, a destroçar o coração, a destruir, cruelmente, todos os nossos sentimentos mais nobres.
Tantas vezes eu pisei no meu orgulho para continuar a seu lado, e tudo isso em nome do amor... do imenso amor que sentia por você.
Enquanto isso, você... Oh, Deus, dai-me forças para suportar esta situação! Não consigo mais aguentar...
Por que você me fez sofrer tanto assim? Por quê? Logo eu, que sempre fui tão cética com relação a sentimentos? Eu que me entreguei de corpo e alma, sem questionar nada...
Por que isso tinha de acontecer logo comigo, por quê? Ah, quando penso em todo esse tempo em que eu acreditei no seu amor sinto tanta raiva!
Você nunca me amou como eu te amei. E quando eu lia nos romances todas aquelas lindas histórias de amor com final feliz, realmente acreditava que algo assim pudesse acontecer conosco... quanta ingenuidade da minha parte.
Acho