Histórias de Cemitério e Meia-Noite
By Carla Luz
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Histórias de Cemitério e Meia-Noite - Carla Luz
Efeitos especiais
E
ra meia-noite e o galo cantou três vezes para lembrar a negação de Pedro e assustar os supersticiosos. As crianças estavam todas dormindo tranquilas e protegidas pela Nossa Senhora da Aparecida. Só os incautos se atrevem a andar a ermo pela madrugada daquela cidade pequena. Dois desavisados eram as únicas almas em corpo a se aventurar pelas encruzilhadas do cemitério do bairro. Podem pensar vocês que eram dois malucos, mas eram um jornalista e um ateu. Não um ateu de Deus, propriamente dito. Esse, ele até que acreditava... mal e porcamente, mas pelo menos, na hora da dor de dente, ele acreditava. Era ateu de assombração. Seu amigo queria porque queria fazê-lo acreditar. E nada melhor para ver coisa-de-outro-mundo do que passear pelo cemitério à meia-noite. Ou ele via alguma coisa, ou ficava com tanto medo que acreditaria.
– Temos que fazer o sinal da cruz para entrar no cemitério.
– Eu sou ateu! Não faço isso. – E foi entrando sem fazer cerimônia, pisando forte.
– Calma, aí, a-a-a-a-amigo. Tem que ir de-de-devagar por aqui – disse o jornalista olhando para os lados com os olhos arregalados.
– Ir devagar, por quê? Você me disse que o desafio era ir e voltar do cemitério. É o que vou fazer para te provar que não há esse negócio de assombração. – E foi caminhando com passos tão firmes que acordariam os mortos. Foi andando e não viu um negócio branco no chão. Tropeçou e caiu.
– Que-que-que aconteceu?
– Eu tropecei numa pedra idiota.
– Eu não sou uma pedra e muito menos idiota, seu idiota! Você é que não sabe por onde anda! – disse uma voz cavernosa.
– Ai! Meu Deus! Uma caveira! – O jornalista se benzeu e beijou a medalhinha da Nossa Senhora da Aparecida que ele levava no peito no cordão de prata.
– Quem falou isso? – perguntou o ateu sem mostrar o menor pingo de medo.
– Olha aqui embaixo, ô, idiota!
A caveira, com seus dentes risonhos e seus olhos profundos, fitou o homem como se o enfrentasse.
– Olha! Estilo um boneco de ventriloquismo – disse o ateu sorrindo enquanto pegava a caveira.
– Na-na-não... é... é... é uma ca-ca-ca...
– Dá pra me colocar no chão, porra?
– Ela fala sozinha! Que legal! E sem fio! – exclamou o ateu animado.
– Você vai me colocar no chão ou não?
– Reprodução de voz humana, sem botões – disse enquanto virava a caveira de ponta-cabeça como se olhasse um produto eletrônico na loja. – Tem interação, sem fio, cara! É tudo wireless!
– Nã-nã-não é... – engoliu em seco o jornalista. – Wi-wireless. Ai, meu Pai!
– Não dá nem pra ver o lugar das pilhas ou da bateria! Que massa!
– Me coloca no chão, seu otário!
– Ainda ofende! Há! Adorei!
– Me coloca no chão logo, seu idiota!
– Tá bom, dona caveira – disse fingindo sentir medo com as mãos para o alto depois de colocá-la no chão. – Ô, cara, por que você não me disse que tinha esse brinquedo? Show de bola! Depois vou comprar pra mim!
– Vamos embora! Vamos embora! Va-va-vamos!
– Passem fora, seus babacas! Passem logo!
– Um beijo pra você também, sua simpática! Vou comprar uma pra mim também, mas ela tem que xingar, se não, não tem graça. – Saiu rindo seguido por seu amigo que se benzia e tremia todo. – Que foi, cara? Tá com medo por causa de um brinquedinho à toa?
Continuaram andando pelo cemitério que de dia parecia pequeno, mas à noite lembrava uma estrada sem fim. O jornalista não queria ver mais nada, já tinham topado com uma caveira falante e o maluco do seu amigo ainda achava que era tudo um brinquedo.
Enquanto andavam, um bando de morcegos passou em revoada. O jornalista se encolheu, mas o ateu permaneceu parado. Os morcegos eram frutíferos naquela região. Mesmo se bebessem sangue, procurariam algum animal. Era interior, e vacas, galinhas e patos não faltariam. Mal os morcegos passaram, o jornalista sentiu uma presença atrás deles.
– Quem vem passear no cemitério numa hora dessas? – perguntou um ser com capa longa, rosto branquíssimo e caninos afiados.
– Eu e meu amigo jornalista, meu camarada – o ateu virou-se respondendo.
– Vocês não deviam estar aqui, humanos... com sangue quente – disse com olhos famintos.
– Bonita fantasia, mermão. Foi cara, né? Porque é bonita mesmo.
O jornalista estava paralisado diante daquela visão. Roupa preta, capa até os pés, pele branca como mármore Carrara, dentes caninos grandes... só podia ser...
– Sou o Drácula! Você não tem medo? – falou aproximando-se perigosamente.
– Você é o Drácula? – perguntou encarando. – Muito prazer, seu vampiro! – E apertou a mão do ser noturno. – Olha, sou seu fã, sabe? Gostei muito dos filmes Entrevista com o