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Mas... a China é mesmo assim?: 17 anos de dentro: Uma visão sem filtros, tendências ou preconceitos.
Mas... a China é mesmo assim?: 17 anos de dentro: Uma visão sem filtros, tendências ou preconceitos.
Mas... a China é mesmo assim?: 17 anos de dentro: Uma visão sem filtros, tendências ou preconceitos.
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Mas... a China é mesmo assim?: 17 anos de dentro: Uma visão sem filtros, tendências ou preconceitos.

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Nos últimos anos, a China passou de produtor de produtos baratos "Made in China" a uma potência global. Este livro fornece informações importantes sobre a cultura, a política e a economia do país. Os autores combinam relatos de experiências pessoais com análises objetivas e, assim, criam uma mistura interessante de fatos, dados e suas próprias experiências. Ao mesmo tempo, dão dicas valiosas sobre como lidar com a cultura da China, que é essencial para visitas de negócios, reuniões e relacionamentos privados. Abordam o impacto da COVID19 na vida chinesa, e a complexa guerra comercial entre os USA e a China com reflexos econômicos e políticos. Este livro é leitura obrigatória para empresários, executivos e gestores que buscam entender o mercado chinês e com ele se relacionar.
LanguagePortuguês
Release dateMar 17, 2022
ISBN9786500347814
Mas... a China é mesmo assim?: 17 anos de dentro: Uma visão sem filtros, tendências ou preconceitos.

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    Mas... a China é mesmo assim? - Sven Agten

    Capa do livro, Mas a china é mesmo assim?rostofoto_autores

    Sobre os Autores

    Sven Agten é um especialista absoluto quando se trata da China. Como professor de inglês, ele mergulhou e se tornou presidente da Rheinzink Shanghai. Sua esposa é chinesa e junto com ela e seus filhos ele passou grande parte de sua vida no Reino do Meio. Ele tem muitos contatos em empresas importantes, muitas empresas alemãs usam sua experiência na forma de tarefas de consultoria.

    Vitor Moura mora em Shanghai desde 2016. Possui experiência em desenvolvimento de negócios e projetos entre Brasil e China. É China Country Manager na Lantau Business Answers e Diretor de Marketing na Bracham - Associação empresarial de brasileiros representantes de empresas dos setores industriais, comércio e serviços na China.

    Vitor Moura

    Prefácio

    Nos últimos anos, a China passou de produtor de produtos baratos Made in China a uma potência global. Este livro fornece informações importantes sobre a cultura, a política e a economia do país. Os autores combinam relatos de experiências pessoais com análises objetivas e, assim, criam uma mistura interessante de fatos, dados e suas próprias experiências. Ao mesmo tempo, dão dicas valiosas sobre como lidar com a cultura da China, que é essencial para visitas de negócios, reuniões e relacionamentos privados. Abordam o impacto da COVID-19 na vida chinesa, e a complexa guerra comercial entre os USA e a China, com reflexos econômicos e políticos. Este livro é leitura obrigatória para empresários, executivos e gestores que buscam entender o mercado chinês e com ele se relacionar.

    Sumário

    Capa

    Folha de rosto

    Introdução

    CAPÍTULO 1 - Made in China Não é Mais Barato - A Súbita Escassez de Mão-de-Obra ou o Motivo da Política do Filho Único ter sido Revogada Depois de 30 anos

    CAPÍTULO 2 - O Pragmatismo está Enraizado nos Chineses - Rápidas Mudanças e suas Consequências

    CAPÍTULO 3 - A China é um País Socialmente Complexo, com Muitas Faces

    CAPÍTULO 4 - Estabilidade é a Chave para o Sucesso - O Acordo Tácito entre o Governo e a Sociedade

    CAPÍTULO 5 - Porque Estudantes vão para o Exterior - As Deficiências do Sistema Educacional Chinês

    CAPÍTULO 6 - O Mundo Precisa do Consumidor Chinês: O Crescimento Explosivo da Classe Média

    CAPÍTULO 7 - Mais de 800 milhões estão online: O Tsunami do E-commerce, WeChat e Mídias Sociais

    CAPÍTULO 8 - A Verdadeira Inovação vem do Leste: Made in China 2.0

    CAPÍTULO 9 - Melhor Rico do que Pobre e Infeliz

    CAPÍTULO 10 - Qianan, um Parque de Diversões do Governo Local: Vivendo e Trabalhando em uma Cidade Tier 4

    CAPÍTULO 11 - A China no Cenário Internacional: O Chinese Dream, o Novo Normal, o Combate à Corrupção e como a China, cada vez mais, Define a Agenda Internacional

    CAPÍTULO 12 - COVID-19, a Grande Separação e a Nova Guerra Fria

    Pontos de referência

    Capa

    Sumário

    ExtractPage1

    Introdução

    No dia 16 de Março de 2004, estava no Aeroporto Zaventem aguardando para embarcar no vôo que me levaria para a capital chinesa, Pequim. Algumas semanas antes, estava procurando oportunidades de emprego na China pela internet depois de ter feito uma viagem turística ao país em 2002. A velocidade de desenvolvimento e a energia que eu senti nunca saíram de mim e eu tinha que voltar. E agora isso era uma realidade. Com todos os sinais de crescimento e início de abertura da China, existia uma carência enorme de professores de inglês. Minha busca na China eventualmente me levou à Universidade da cidade Yichun, na província de Heilongjiang, uma localização distante dos grandes centros urbanos e predominantemente rural. A própria Yichun, uma das cidades mais ao norte da China, tinha pouco mais de 1 milhão de habitantes na época e era descrita como uma cidade onde porcos andavam livres pelas ruas no meu guia Lonely Planet. Dois dias depois, recebi uma chamada do Sr. Bai, reitor do curso de inglês da universidade local. Ele falava inglês fluente e após 30 minutos de conversa me disse que eu era bom o suficiente para o trabalho. O salário inicial era de 250,00 euros, não muito para padrões belgas, mas pelo menos 150% maior do que a média local. Também fui informado que haviam outros estrangeiros na cidade. Dois para ser preciso: um canadense de 72 anos que estava na China havia 25 anos e trabalhava na universidade como professor de inglês e um italiano de 40 anos, dono de uma escola de inglês particular. Mesmo sem um contrato formal, apenas com um email descrevendo a oferta que tinha recebido, decidi arriscar e embarcar nessa jornada. Três semanas depois da chamada, pousei em Pequim e peguei um trem bem confortável, iniciando uma jornada de 1400 KM ou 20 horas até o nordeste chinês. O trem passou por paisagens deslumbrantes e o progresso ficava evidente pela camada de gelo nas janelas que engrossava a cada quilômetro percorrido. O frio era muito grande, com temperaturas batendo 15 graus negativos. Ainda assim, isso era bem abaixo da média de 30 graus negativos da região. Os outros passageiros menosprezavam minhas calças jeans, o que me fez perceber que minhas roupas não eram adequadas ao que estava prestes a enfrentar. O alto loiro em jeans skinny deveria parecer um visitante de outro planeta aos olhos dos outros passageiros. Os que tinham câmeras tiravam fotos e ao final da jornada já tinha recebido mais de 20 convites para jantar e especialmente para beber. Mesmo meus companheiros de viagem não falando uma palavra de inglês, isso não os impedia de tentar estabelecer alguma conversação. Em Yichun, não havia porcos pelas ruas – a cidade era relativamente moderna com alguns shopping centers e muitos prédios novos. Nos subúrbios, ainda era possível ver casas de madeira isoladas que no futuro dariam lugar a novos blocos de apartamentos. As poucas informações que eu tinha conseguido reunir sobre a cidade não poderiam estar mais longe da realidade e, para minha surpresa, o início de minha aventura na China iria determinar os anos subsequentes e, sem que me desse conta, hoje a China já é minha casa há mais de 12 anos. O ditado você não vai mudar a China, a China vai mudar você certamente se aplica ao meu caso, que também é um exemplo do chamado Chinese Dream ou o Sonho Chinês. Durante esses 12 anos, fui professor universitário e em escolas técnicas em Pequim, trabalhei para uma empresa belga especializada em design de interiores e reformas na mesma cidade. Depois de um estágio curto na Flanders Investment & Trade Agency, me mudei para Qianan em 2008, uma cidade de 600.000 habitantes a quase 200 quilômetros de Pequim. Lá trabalhei para uma joint venture sino-australiana e depois encontrei uma nova oportunidade em uma companhia de cimento belga. Com um volume de investimentos de 6 milhões de euros, a empresa empregava mais de 60 pessoas e eu era o gerente geral, acompanhando todo o processo de desenvolvimento da joint venture e experienciando sua própria construção em 2008, até o momento em que a planta foi vendida em 2013 com realização de um enorme lucro. Ao mesmo tempo, também me casei com uma jovem chinesa com quem hoje tenho duas crianças. Em 2011 nos mudamos de volta para a capital, mas, com o agravamento da poluição, voltamos para a Bélgica, onde comecei meu mestrado em administração na Vlerick Business School. Depois de formado, voltamos para a China, um lugar de que não é fácil se desvencilhar e dessa vez nos estabelecemos em Xangai, onde agora trabalho para uma multinacional alemã. Como presidente da Ásia Pacífico, não sou apenas responsável pela gestão geral do mercado chinês, onde temos 11 escritórios, mas também para nossos parceiros na Austrália, Japão, Coréia do Sul e Cingapura.

    Durante minha vida, já estive em uma série de posições de liderança, vivi na China durante muito tempo e falo chinês fluente. Claro que uma esposa chinesa me colocou em contato com chineses de todos os estilos de vida e diferentes mentalidades e aprendi que tudo o que acontece na China moderna é constantemente relacionado com os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais desse país em constante mudança. As nuances da vida cotidiana chinesa não são vistas pelo ocidente e mesmo por ocidentais que estão aqui, mas confinados, em Xangai, Pequim ou Guangzhou. Muitos nos grandes e internacionais centros urbanos não sabem como é a vida para a vasta maioria dos chineses. Depois de minha experiência em Yichun, aprendi a sobreviver a temperaturas siberianas e a viver com os menores orçamentos possíveis, assim como milhões de pessoas fazem diariamente. Também aprendi a importância da flexibilidade e adaptação dentro da cultura chinesa. Já em Pequim, me familiarizei com os prós e contras do sistema educacional chinês e passei a entender os motivos pelos quais milhares de estudantes decidiam estudar fora do país todos os anos, ao mesmo tempo em que tive contato com a nova classe média chinesa. Na minha primeira ida a uma das mais de 1500 lojas da Pizza Hut na China, tive de ficar na fila por horas para poder ter a chance de comer uma pizza ocidental. Vi shopping centers começarem a produzir propagandas de turismo em chinês, atraindo os novos ricos a passarem suas férias em destinos exóticos pela Ásia e além. Vivenciei um dos muitos escândalos alimentares na China com minha própria família, experiência que mudou nossa rotina alimentar e nos levou a comer apenas produtos importados da Europa ou dos EUA. Deixamos Pequim devido aos insanos níveis de poluição que, junto com os escândalos alimentares, são duas reclamações constantes da população. Uma população que já não esconde insatisfações com atitudes do governo que, por sua vez, já não pode mais virar as costas para a agenda ambientalista e tornou a China a maior investidora em energia renovável do mundo. Energia renovável e estabilidade social caminham lado a lado nesse complexo país. O que passei ao estabelecer a joint venture em Qianan mostra outro problema crônico chinês: a falta de mão-de-obra qualificada e a disparada dos salários nos anos recentes. O enorme desenvolvimento econômico chinês das últimos 40 anos criou muitos empregos, mas a constante melhora na qualidade de vida e a, agora revogada, Política do Filho Único, levou a uma falta de trabalhadores. Ao mesmo tempo, salários altos viraram a norma, o que levou empresas chinesas e o governo a ter de encarar de frente uma transição para uma economia moderna. A solução: um investimento sem precedentes em inovação. A China já tem 800 milhões de usuários de internet e também o maior marketplace do mundo. Empresas como Alibaba já estão entre as gigantes mundiais do e-commerce, enquanto a Tencent faz parte da elite da inovação digital. A lidernaça ocidental em P&D está lenta mas constantemente sendo erodida pela China. Made in China não é mais um termo pejorativo, já que o país lidera os rankings de registros de patentes pelo mundo e empresas estrangeiras agora abrem centros de P&D no país. Aplicativos como WeChat se tornaram indispensáveis à vida cotidiana: uma plataforma onde você não apenas conversa com família e amigos, mas também paga suas contas e faz compras. As mídias sociais já são mais poderosas do que aquelas controladas pelo Estado, limitando a eficácia da censura do governo. Consumidores chineses comparam preços na Amazon e em sites chineses antes de fazer qualquer compra e o critério deixa de ser preço e passa a ser qualidade. Todos esses fatores levam a um maior individualismo, confirmando que os dias em que o Partido Comunista controlava todos os aspectos da vida dos cidadãos já passou. Principalmente nas grandes cidades, um sentimento de liberdade e um futuro promissor pode ser sentido no ar. Jovens de regiões rurais vêm para as cidades em busca de melhores oportunidades e acabam vivendo em um mundo que em nada tem a ver com o mundo que seus pais conheceram. As grandes cidades chinesas estão ficando cada vez mais internacionais e já, com frequência, passam a sediar eventos internacionais. Experiementei em primeira mão como a vida em cidades como Yichun e Qianan é diferente daquela em Xangai ou Pequim. Também testemunhei a chamada nova crise moral, criada por uma sociedade onde dinheiro é quase um Deus e o comportamente egoísta passa a ser a norma ao invés da exceção, algo que me incomoda profundamente. Na superpopulada sociedade chinesa, recém nascidos precisam começar a se preparar para o futuro quase que imediatamente se quiserem sobreviver nessa selva de concreto onde as leis de Darwin se mostram cada vez mais presentes. A corrupção, atitude comum entre funcionários públicos, também deixou sua marca, criando problemas sociais e crises diversas, incluindo a própria poluição do ar. Em Qianan, aprendi que cidades menores têm muito espaço livre que acaba sendo explorado de forma escancarada. Leis e regulamentações são aplicadas de acordo com cada oficial – muitas vezes às custas de executivos e executivas do setor privado. Para surpresa de ninguém, a campanha anticorrupção do Presidente Xi Jinping, uma espécie de Lava Jato chinesa, tem amplo ampoio na sociedade e criou até um aplicativo para facilitar a denúncia de comportamentos indevidos por parte de oficiais. As leis ganham importância à medida em que a China se tornou a segunda maior economia do mundo e segue crescendo. Novos desafios também surgem, principalmente pela desacelereção do crescimento, o que aumenta a instabilidade social. A influência externa do país também está aumentando. Sob a liderança de Xi Jinping, a China tem sido um ator cada vez mais ativo e influente em assuntos internacionais. O Chinese Dream também passa a desempenhar um papel cada vez mais importante no cenário internacional e um exemplo disso é a chamada Nova Rota da Seda: um projeto ambicioso de infraestrutura que visa afetar o desenvolvimento econômico de toda a Eurásia. Em viagens ao Japão, Austrália, Vietnã e Filipinas, é possível reparar na crescente influência chinesa – e a consequente diminuição da ocidental. Não importa se você é um estudante, executivo, professor ou político ou está apenas interessado em política global. É importante para todos nós entendermos o impacto que o aumento da influência chinesa no mundo terá sobre nossas vidas. A China é muito mais do que o que aparece na mídia ocidental e é importante que sejamos capazes de debater o assunto de maneira aberta e franca. Uma combinação de rápido crescimento econômico, uma história multifacetada, complexidades geográficas e linguísticas, tornaram a China quase um mistério aos olhos dos ocidentais. Mas não estamos sozinhos: os próprios chineses também estão entendendo o que aconteceu com seu país. Com perspectivas e vivências pessoais sobre a China contemporânea, vou combinar fatos, números e eventos que não aparecem aos olhos ocidentais com frequência para mostrar uma direção, mas também o quão excitante, enriquecedora e divertida a China pode ser.

    Capítulo 1

    Made in China Não é Mais Barato

    A Súbita Escassez de Mão-de-Obra ou o Motivo da Política

    do Filho Único ter sido Revogada Depois de 30 anos

    9 de Setembro de 1976. Mao Zedong, líder do Partido Comunista da China (PCC) morre aos 84 anos. Depois de uma disputa interna pelo poder, ele é sucedido por Deng Xiaoping que, em 1978, introduziu as reformas econômicas que ficaram conhecidas como Política da Porta Aberta. O antigo plano econômico comunista estava lentamente sendo substituído por uma economia mista chamada de socialismo com características capitalistas. Evidentemente, era um modelo onde a China seguiria um caminho liberal, mas ainda sob o controle político do partido.

    O país começou a se abrir ao mundo exterior imediatamente. É claro que foi a situação precária da economia que forçou o governo a agir. O plano econômico não apenas falhou em criar prosperidade econômica como também não conseguiu alimentar a faminta população adequadamente. Todos os setores da economia estavam subdesenvolvidos. A produção industrial era inexistente. Sem sombra de dúvida uma das maiores conquistas econômicas da história foi o caminho que a China percorreu desde a introdução do seu próprio sistema capitalista. Entre 1978 e 2010, a economia cresceu em média 10% ao ano, o dobro dos números atingidos durante o período anterior, de 1960 até 1978 ¹. De um país que, 40 anos antes, era uma sociedade agrícola com quase nenhuma atividade industrial, a China evoluiu para a segunda maior economia do mundo e, apesar da recente desaceleração, está lenta mas seguramente a caminho de se tornar a número um. Qualquer pessoa que já foi à China não tem como negar seu dinamismo e velocidade de desenvolvimento. É um desses lugares onde apenas o céu é o limite. A China moderna, com seu rápido desenvolvimento social, cultural e político, não pode ser entendida sem entender as mudanças econômicas das últimas 4 décadas.

    De uma Sociedade Rural para uma Nação Industrializada

    Em 1978 a China utilizou todos os métodos possíveis para promover a economia. Mão-de-obra e matéria-prima tinham um custo extremamente baixo, ao mesmo tempo em que o governo diminuía a carga tributária, oferecia terra barata e implementava Zonas Econômicas Especiais, o que estimulava os investimentos estrangeiros. A China também testou, em menor escala, uma série de modelos econômicos distintos. O país começou a se industrializar a uma velocidade assustadora. Atraídas pela perspectiva de um custo produtivo baixo e novas oportunidades, organizações ocidentais começaram a investir em uma escala nunca antes vista. Elas construíram fábricas e começaram a produzir quase todos os tipos de produto a um preço muito baixo com o objetivo de exportá-los para o resto do mundo. Já em 1981, a Coca-Cola construiu sua primeira fábrica em solo chinês, seguida de perto por milhares de outras multinacionais ². Apesar da economia estar desacelerando, em 2018, empresas estrangeiras investiram $ 135 bilhões no país, a maior quantia já registrada ³. Antes de 1978, o investimento estrangeiro na China era praticamente inexistente. Um grande número de organizações transferiram suas linhas de produção para lá, especialmente depois do país ter se juntado à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Foi um período de euforia, onde as multinacionais agarravam todas as oportunidades existentes.

    Ao mesmo tempo, empresas chinesas começaram a concentrar esforços na produção de bens com qualidade inferior a um preço ainda mais baixo. Os chineses não tinham nem os meios tecnológicos, nem a experiência para competir com os estrangeiros. A produção de bens com qualidade mais elevada também foi afetada pelas deficiências do sistema educacional, que até 1980 permaneceu em segundo plano, o que acarretou em uma falta de oferta de mão-de-obra qualificada. Para completar, a maior parcela da população não tinha condições de comprar bens de luxo. Em vários casos não se tinham nem condições de suprir suas necessidades mais básicas. A pobreza era avassaladora. A tia de 55 anos de minha esposa lembra claramente da primeira vez em que foi a um restaurante 20 anos atrás. Era um luxo que, naquele tempo, poucas pessoas teriam condições de pagar. Nesse cenário, as empresas não sentiam a necessidade de fabricar produtos com qualidade superior. Era muito mais fácil fabricar bens de menor qualidade para servir um mercado com 1.3 bilhões de consumidores que tinham carência de praticamente tudo. E o que eles não conseguiam produzir por conta própria era copiado. Como uma produção barata era basicamente a única vantagem competitiva que empresas chinesas tinham, ela rapidamente se tornou a essência de seus negócios. O famoso logo Made in China estava nascendo. Qualidade não era importante; quantidade era a única métrica relevante. A China se tornou a fábrica do mundo e o mundo se beneficiou da produção maciça de produtos baratos. Brinquedos, tecidos, canetas e muitos outros produtos foram produzidos com margens extremamente baixas, o que levou à uma competição acirrada entre as empresas locais. Ainda hoje, a China se entitula a fábrica do mundo. O país fabrica metade de todos os navios, TVs, celulares e câmeras digitais existentes; produz 60% de todos os calçados e brinquedos e assustadores 80% de todos os ar-condicionados. A China consome 40% de todo o ouro do mundo ⁴. A lista é interminável. Não é surpresa que esse país seja a maior nação exportadora do mundo, seguida pelos Estados Unidos e União Europeia. A China tem mais de 2.000 portos, incluindo 130 internacionais ⁵. Um terço de todo transporte marítimo de bens acontece aqui, onde, desde 2005, se encontra o maior porto do mundo localizado na cidade de Xangai ⁶.

    O imenso fluxo de investimento estrangeiro que procurava mão-de-obra barata e novas oportunidades levou à criação de muitos empregos. Como resultado, o êxodo rural foi igualmente expressivo, com milhões de pessoas deixando as zonas rurais rumo aos grandes centros urbanos em busca de novas oportunidades e melhores condições de vida. As cidades começaram a se expandir, levando, especialmente na década de 80, a um aumento populacional e urbanização sem precedentes. Enquanto em 1982 somente 20% da população chinesa vivia nas áreas urbanas, 4 anos depois esse número era quase o dobro. Entre 1982 e 1986, a população urbana passou de 200 milhões para quase 400 milhões de pessoas ⁷, especialmente nas zonas costeiras do leste, onde a maioria das empresas estrangeiras tinham se estabelecido. Cidades cresceram exponencialmente. Isso criou a fundação para o crescimento em praticamente todos os setores da economia. O mercado imobiliário e construção civil particularmente se beneficaram dessa onda de urbanização, que resultou em um excepcional aumento da produção de cimento, aço, ferro e outros materiais necessários para a construção. A China produz 50% de todo o cimento do planeta e 6 dos 10 maiores grupos de produção de aço são chineses ⁸. Eu mesmo já visitei linhas de produção gigantes que trabalham 24 horas por dia para produzir aço e ferro. Mas nem isso foi suficiente para suprir a enorme demanda. Então a China começou a importar enormes quantidades de matéria-prima primária. Globalmente, metade do cimento, concreto, aço, cobre e alumínio é consumido na China. O Produto Interno Bruto (PIB) de países com vastas reservas dessas commodities como Austrália e Brasil depende parcialmente do mercado imobiliário chinês.

    Esse enorme desenvolvimento econômico deixou um grande número de pessoas extremamente ricas da noite para o dia. Em 2015, a China tinha 1,5 milhões de milionários, quase o dobro do que em 2010 ⁹. Quatro dos dez chineses mais ricos são do mercado imobiliário ¹⁰. A população como um todo também se beneficiou. Durante a década passada, o PIB per capita dobrou, marca que o Reino Unido demorou 150 anos para atingir ¹¹. Enquanto em 1981 85% da população ainda vivia com menos de $ 1,90 dólares por dia (marca oficial da linha da pobreza), esse número agora é menor do que 1% de acordo com o Banco Mundial ¹². A principal razão pela qual a ONU atingiu sua Meta de Desenvolvimento do Milênio, de reduzir o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza pela metade em 2000, foi o desenvolvimento chinês. De modo geral, se a pobreza no mundo caiu drasticamente durante os últimos 30 anos, isso se deve ao fato de que 850 milhões de chineses escaparam dessa condição ¹³.

    Ainda hoje o Sonho Chinês e a promessa de enriquecimento está presente. Muitos anos atrás, em Pequim, tive uma conversa

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