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Apontamentos para uma Clínica Compreensiva da Perda: um estudo sobre o luto decorrente do suicídio e um ensaio sobre o luto enquanto uma categoria ético-política
Apontamentos para uma Clínica Compreensiva da Perda: um estudo sobre o luto decorrente do suicídio e um ensaio sobre o luto enquanto uma categoria ético-política
Apontamentos para uma Clínica Compreensiva da Perda: um estudo sobre o luto decorrente do suicídio e um ensaio sobre o luto enquanto uma categoria ético-política
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Apontamentos para uma Clínica Compreensiva da Perda: um estudo sobre o luto decorrente do suicídio e um ensaio sobre o luto enquanto uma categoria ético-política

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About this ebook

Os impactos de uma perda se fazem sentir em múltiplas dimensões da vida dos enlutados e podem lançá-los em um estado de vulnerabilidade e crise. Neste trabalho, apresento um estudo e um ensaio para pensar os impactos que as perdas impõem, refletindo sobre o que o luto revela sobre a nossa constituição subjetiva.

No estudo, eu apresento os resultados e as conclusões de uma pesquisa que buscou uma leitura clínica das experiências vividas por aqueles que perderam alguém em função do suicídio. Parto de uma visitação crítica às principais teorias sobre o luto, em diálogo com os estudos essenciais da psicologia do suicídio. Ele oferece a psicólogos, estudantes, pesquisadores e outros membros da rede de cuidados subsídios imprescindíveis para uma compreensão das peculiaridades e significados atribuídos a esse modo de perda, mapeando os recursos e estratégias de enfrentamento evocadas pelos sujeitos.

Num segundo momento, apresento um ensaio, escrito cerca de 10 anos depois, durante o pico de mortes produzidas pela pandemia de COVID-19 no Brasil. Nele, parto de uma abordagem complementar às perspectivas que tomam o luto como uma experiência individual e circunscrita à vida privada dos sujeitos e seus grupos familiares.

Ao refletir sobre a expressão pública do pesar e sua relação com a violência estrutural observada em países de formação colonial como o Brasil, o ensaio pretende desvelar uma dimensão do luto para além da aproximação tradicionalmente adotada pela clínica psicológica.
LanguagePortuguês
Release dateApr 18, 2022
ISBN9786525234229
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    Book preview

    Apontamentos para uma Clínica Compreensiva da Perda - Artur Mamed

    capaExpedienteRostoCréditos

    UMA OBSERVAÇÃO IMPORTANTE:

    Este livro é direcionado a profissionais e estudantes das áreas da psicologia e da saúde mental, pesquisadores e a um público adulto em geral. Por tratar de temas como o suicídio e o luto, aborda e descreve situações que podem mobilizar sentimentos desorganizadores em alguns leitores mais sensíveis. Recomenda-se, portanto, a discrição do leitor. Àquele ou àquela que, porventura, se sinta sensibilizado(a) ou identificado(a) pelo conteúdo e cenas descritas, ou ainda, que esteja atravessando momentos emocionalmente difíceis e reconheçam em si mesmo (a) desejos e pensamentos suicidas, recomendamos que busque ajuda especializada. As crises psicológicas são eventos comuns ao desenvolvimento humano e costumam ser passageiras quando encontramos suporte psicossocial adequado. O suporte psicológico está disponível em diversos meios e é uma das melhores formas de superar momentos difíceis. Reafirmamos que a vida é sempre a melhor opção.

    APRESENTAÇÃO

    Chamamos de luto o conjunto complexo de processos de transição e reconstrução subjetiva que vivenciamos após uma perda significativa. Os impactos de uma perda se fazem sentir de maneira simultânea em múltiplas dimensões da vida dos enlutados e podem lançá-los em um estado de paralisia, vulnerabilidade e crise, cobrando a mobilização de respostas de toda a rede de apoio.

    Neste trabalho, eu apresento um estudo e um ensaio que adotam uma perspectiva transdisciplinar para pensar os impactos subjetivos que as perdas traumáticas impõem, refletindo sobre o que a maneira como reagimos às perdas revela sobre a nossa constituição subjetiva.

    No estudo intitulado Apontamentos Para uma Clínica Compreensiva da perda: um estudo sobre o luto decorrente da perda por suicídio, apresento os resultados e as conclusões de uma pesquisa que buscou subsidiar uma leitura clínica das experiências vividas por aqueles que perderam alguém afetivamente significativo em função do suicídio. O estudo parte de uma visitação crítica às principais teorias psicológicas sobre o luto no século XX e início do século XXI, em diálogo com estudos clássicos e contemporâneos da psicologia do suicídio. Oferece a psicólogos, estudantes, pesquisadores e outros membros da rede de cuidados, uma série de reflexões pertinentes sobre este modo de perda, além de subsídios imprescindíveis para uma compreensão qualificada das peculiaridades e significados atribuídos a esse modo de perda, bem como um mapeamento dos recursos e das estratégias de enfrentamento evocadas pelos sujeitos.

    Num segundo momento, apresento um ensaio escrito cerca de 10 anos depois, em 2021, durante o pico de mortes produzidas pela pandemia de COVID-19 no Brasil durante o referido ano.

    No ensaio "O Luto Enquanto uma categoria ético-política’’, parto de uma abordagem que penso complementar às perspectivas que tomam o luto como uma experiência individual e circunscrita à vida privada dos sujeitos e seus grupos familiares.

    Assim, ao refletir sobre a expressão pública do pesar e sua relação com a violência estrutural historicamente observada em países de formação colonial como o Brasil, o ensaio pretende desvelar uma dimensão do luto para além da aproximação tradicionalmente adotada pela clínica psicológica. Ele reflete os desdobramentos posteriores das minhas pesquisas, pois pensa o luto no contexto do que poderíamos chamar de uma ontologia histórica, política e discursiva dos corpos.

    No ensaio, apresento ao leitor reflexões sobre o que a distribuição desigual do direito a prantear publicamente os mortos revela sobre nossa constituição enquanto sujeitos morais. As reflexões nele propostas partem do fecundo diálogo entre autores como Judith Butler, Michel Foucault, Vladimir Safatle, operando conceitos como subjetividade, biopolítica e necropolítica para fazer pensar luto no enquadre daquilo que poderíamos definir enquanto categoria ético-moral que performa discriminar os viventes segundo uma representação diferencial do valor atribuído às suas vidas e corpos, operando a desrealização da violência que o biopoder faz recair sobre os corpos, por meio de sua invisibilização.

    PREFÁCIO

    Prefaciar o livro Apontamentos Para uma Clínica Compreensiva da Perda de Artur Mamed é uma verdadeira honra.

    Quando estava em meu doutorado, pesquisando sobre as especificidades do luto por suicídio, tive acesso à sua dissertação de mestrado Enlutamento por Suicídio: elementos de compreensão na clínica da perda (2011), apresentada pelo Departamento de Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília. Neste momento de minha vida, entre 2009 e 2013, aprofundei-me nos estudos de Edwin Shneidman, direcionando meu foco para a postvention, termo cunhado pelo autor supramencionado, e foi desta maneira que a pesquisa do Artur chegou até as minhas mãos. Deparei-me com um estudo profundo e sério, obra capaz de conduzir o leitor para as nuances das diversas possibilidades de compreensões clínicas sobre as perdas.

    A morte de alguém que amamos provoca a sensação de que a vida presumida ficou sem controle. O luto é um processo que percorre os entremeios da solidão e da busca pela ressignificação e reorganização da vida que foi lançada em solo fragmentado e desconhecido.

    No luto, cada instante se torna um enfrentamento que ruma para o desconhecido e que se desvela quando a ausência abrupta do outro nos visita. É o nunca mais que se apresenta, portanto, o luto é experiência solitária que carrega consigo a idiossincrasia daquele que o experiencia.

    Se o objetivo desta obra é o de pensar as experiências daqueles que viveram a perda de alguém querido por suicídio, destaco a importância de ofertar espaços para acolhimento. A união entre enlutados por suicídio faz total diferença, sobretudo em momentos de intenso sofrimento advindo pelo fato de ser a pessoa enlutada obrigada a vivenciar uma experiência que, se pudesse, não escolheria viver.

    Artur Mamed convida o leitor a refletir sobre a necessidade da reconstrução de significados embasada na compreensão psicológica do luto. Conduz sua obra iniciando pelos ensinamentos de Sigmund Freud com Luto e melancolia (1917/1996) e percorre jornada pungente apresentando as noções contemporâneas que abordam o luto enquanto um processo de transição psicossocial e de reconstrução de significados.

    O autor aborda o suicídio e seus impactos em pessoas em processo de luto. Aqueles que perderam um familiar, um cônjuge ou um amigo por suicídio sofreram pela morte violenta que lhes retirou a possibilidade de saberem ao certo as motivações que provocaram o suicídio. Em torpor, buscam respostas e são lançados em um emaranhado de emoções.

    Talvez algumas das respostas poderiam ser dadas apenas por aquele que se foi, talvez porque o drama pertence exclusivamente a pessoa que se foi, ser impactado por uma morte por suicídio é sofrimento sem nome. Para alguns, a sensação é de traição, abandono e solidão. Luto por suicídio é dor sem nome e aceitação sem concordância.

    Quando não encontramos respostas, o silêncio se faz presente. Talvez porque algumas palavras não conseguem expressar sentimentos que se tornam indizíveis.

    Reconciliar-se após o suicídio é tarefa árdua, mas não impossível. Mesmo fazendo alguns dias, meses ou anos, definitivamente percebemos que não é o tempo que ameniza o sofrimento, mas sim, o fazer clínico, a escuta, os instrumentos mais relevantes para o apoio aos indivíduos que atravessam períodos de grande crise e transição em suas vidas.

    A dor pulsa e, às vezes, corrói e dilacera a alma. Ao menos uma palavra para cuidar desse sofrimento, esta é uma das falas que ouço diariamente dos enlutados a quem tenho o privilégio de acompanhar. Nesse sentido, o livro de Artur Mamed nos convida de forma extremamente competente a resgatar as conexões e reconexões para perseverar, continuar e sobreviver apesar da morte de quem se ama.

    Parabéns, Artur, por esta obra que enriquece o trabalho da posvenção tão necessário na sociedade brasileira e no mundo. Gratidão por enriquecer o cenário de publicações brasileiras sobre o tema do luto por suicídio e da posvenção.

    Que sua obra possa ser guia e recurso para os enlutados por suicídio.

    Com carinho

    Karina Okajima Fukumitsu

    Psicóloga, pós-doutorado em Psicologia, psicoterapeuta e coordenadora da Pós-graduação em Suicidologia: prevenção e posvenção, processos autodestrutivos e luto da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

    SUMÁRIO

    Capa

    Folha de Rosto

    Créditos

    INTRODUÇÃO

    SEÇÃO I: do trabalho de luto à reconstrução de significados: evoluções na compreensão psicológica do luto

    1.1 - A PSICANÁLISE E A NOÇÃO DE TRABALHO DE LUTO

    1.1.A - FREUD: LUTO E MELANCOLIA

    1.1.B - HELENE DEUTSCH: A AUSÊNCIA DE LUTO

    1.1.C - KLEIN: O LUTO E SUAS RELAÇÕES COM ESTADOS MANÍACOS- DEPRESSIVOS:

    1.1.D - O LEGADO DO PENSAMENTO PSICANALÍTICO PARA A COMPREENSÃO DO LUTO

    1.2 - A EMERGÊNCIA DO MODELO PSIQUIÁTRICO DO LUTO

    1.2.A - ERICH LINDEMANN: O LUTO ENQUANTO UMA SÍNDROME

    1.2.B - O LUTO ENQUANTO MATÉRIA DE INTERESSE DA PSIQUIATRIA

    1.2.C - GERALD CAPLAN: O CONCEITO DE CRISE E SUAS RELAÇÕES COM O LUTO

    1.3 - SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX E PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI: DA TEORIA DO VÍNCULO A TEORIA DA RECONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADO

    1.3.A - JOHN BOWLBY E A TEORIA DO VÍNCULO

    1.3.B - A NECESSIDADE PREMENTE DE VINCULAÇÃO AFETIVA

    1.3.C - O LUTO NA TEORIA DO VÍNCULO: MODELO DAS FASES DO LUTO

    1.3.D - KÜBLER-ROSS, WORDEN, WALSH & MCGOLDRICK: OUTROS MODELOS TEÓRICOS BASEADOS EM FASES OU ESTÁGIOS DE LUTO

    1.3.E - A DESCRIÇÃO DOS FATORES DETERMINANTES PARA A QUALIDADE DO LUTO

    1.3.F - PARKES E A TEORIA DAS TRANSIÇÕES PSICOSSOCIAIS

    1.3.G - PERDAS TRAUMÁTICAS E A DISSOLUÇÃO DO NOSSO MUNDO PRESUMIDO

    1.3.H - O MODELO DO PROCESSO DUAL DO LUTO

    1.3.I - ROBERT NEIMEYER E A PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA DO LUTO: PARA ALÉM DOS SINTOMAS, A BUSCA PELO SENTIDO

    1.4 - NOSSOS DIAS: REPENSANDO O SABER CONSOLIDADO

    SEÇÃO 2: o suicídio e o seu legado emocional: aspectos psicológicos da morte autoinflingida e do luto dado em sua consequência

    2.1 - O PROBLEMA DO SUICÍDIO E A QUESTÃO DOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO: A EXTENSÃO DO PROBLEMA

    2.1. A - POR UMA EPIDEMIOLOGIA CRÍTICA DO SUICÍDIO

    2.1.B - A QUESTÃO DOS SOBREVIVENTES DE SUICÍDIO

    2.1.C - OBSTÁCULOS COMUNS ÀS PESQUISAS ACERCA DO LUTO POR SUICÍDIO

    2.2 - A COMPREENSÃO DO COMPORTAMENTO SUICIDA

    2.2.A - A COMPREENSÕES DO SUICÍDIO PELO VIÉS DA CLÍNICA PSICOLÓGICA: FREUD E MENNINGER

    2.2.B - A PSICODINÂMICA DO SUICÍDIO SEGUNDO EDWIN SHNEIDMAN: A DOR PSÍQUICA INTOLERÁVEL.

    2.2.C - O SUICÍDIO PELA PERSPECTIVA SISTÊMICA E COMPLEXA.

    2.3 - O LEGADO EMOCIONAL DO SUICÍDIO: O ENLUTAMENTO POR SUICÍDIO

    2.3.A - ESTRESSORES ATRIBUÍVEIS ÀS PECULIARIDADES DA MORTE POR SUICÍDIO

    2.3.B - ESTRESSORES SOCIAIS ASSOCIADOS AO ENLUTAMENTO POR SUICÍDIO

    2.3.C - O IMPACTO DO SUICÍDIO NO SISTEMA FAMILIAR

    2.3.D - PADRÕES DISFUNCIONAIS DE INTERAÇÃO FAMILIAR PRECEDENTES AO SUICÍDIO

    2.3.E - PADRÕES DISFUNCIONAIS DE INTERAÇÃO FAMILIAR POSTERIORES AO SUICÍDIO

    2.3.F - O RISCO AUMENTADO DE SUICÍDIO ENTRE ENLUTADOS POR SUICÍDIO

    2.3.G - OS EFEITOS DE UMA MORTE POR SUICÍDIO NA COESÃO DO SISTEMA FAMILIAR

    2.3.H - OS EFEITOS DO SUICÍDIO NO PADRÃO DE COMUNICAÇÃO DOS SISTEMAS FAMILIARES

    SEÇÃO 3: do caminho metodológico

    3.1 - DO PROBLEMA E DA ELEIÇÃO DO MÉTODO

    3.2 - DOS OBJETIVOS DA PESQUISA

    3.3 - DOS PARTICIPANTES

    3.4 - SOBRE A DIFICULDADE EM FALAR SOBRE A PERDA E SUA INFLUÊNCIA NA COMPOSIÇÃO DA AMOSTRA

    3.5 - DO INSTRUMENTO DE COLETA DE INFORMAÇÕES E SUA APLICAÇÃO, DA POSTURA DO ENTREVISTADOR E DO SETTING DE APLICAÇÃO.

    3.6 - PROCEDIMENTOS DE ACESSO AOS PARTICIPANTES

    3.7 - CUIDADOS ÉTICOS

    3.8 - DOS RESULTADOS E DO MÉTODO DE ANÁLISE DOS DADOS

    SEÇÃO 4: um estudo sobre o luto decorrente do suicídio

    CATEGORIA 1 - ANTECEDENTES DA PERDA: CONTEXTOS E VULNERABILIDADES

    CATEGORIA 2 - O LUTO POR SUICÍDIO: EXPERIÊNCIAS E ELABORAÇÕES

    A. UMA MORTE QUE LANÇA DESAFIOS MAIORES PARA OS ENLUTADOS

    B. UMA MORTE INESPERADA, VIOLENTA E TRAUMÁTICA

    C. O IMPACTO DA PERDA: ORIENTAÇÃO PARA A PERDA E ORIENTAÇÃO PARA A RESTAURAÇÃO

    D. MOMENTOS INICIAIS DO LUTO: NEGAÇÃO, TORPOR E REAÇÕES FÍSICAS

    E. RAIVA, DESESPERO E O INTENSO DESEJO DE REPARAR A PRESENÇA DA PESSOA PERDIDA

    F. CULPA E ACUSAÇÃO

    G. CONFLITOS E QUESTIONAMENTOS EXISTENCIAIS

    H. AMBIVALÊNCIA ENTRE O DESEJO DE EVITAR E A NECESSIDADE PSICOLÓGICA DE RECOMPOR AS MEMÓRIAS DO FALECIDO E DOS EVENTOS ASSOCIADOS À MORTE.

    I - A RETOMADA DA PRÓPRIA VIDA E A SAUDADE

    J. MUDANÇAS DEFINITIVAS NA VISÃO DE MUNDO E DE SI MESMO

    CATEGORIA 3 - O LUTO POR SUICÍDIO: estratégias de enfrentamento e suporte psicossocial

    A. PERCEPÇÕES SOBRE AS REDES DE APOIO DOS ENLUTADOS: FAMÍLIA, AMIGOS E COMUNIDADE RELIGIOSA

    B. TER COM QUEM FALAR E A QUALIDADE DA ESCUTA

    C. A INFLUÊNCIA DA ESTIGMATIZAÇÃO E DA AUTOESTIGMATIZAÇÃO NO ACESSO AO SUPORTE SOCIAL

    D. A ATITUDE DE ACEITAÇÃO

    E. REPARAR OS DANOS.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    SEÇÃO V os enlutados e seus relatos

    PARTICIPANTE 1 - EDUARDO:

    PARTICIPANTE 2 - MATEUS

    PARTICIPANTE 3 - ANNA

    PARTICIPANTE 4 - JOANA

    PARTICIPANTE 5 - ELISA:

    PARTICIPANTE 6 - RAQUEL:

    PARTICIPANTE 7 - TERESA

    PARTICIPANTE 8 - ANTÔNIO

    O LUTO ENQUANTO UMA CATEGORIA ÉTICO-POLÍTICA: sobre a interdição da expressão do luto como modo de invisibilização de corpos matáveis

    REFERÊNCIAS

    Landmarks

    Capa

    Folha de Rosto

    Página de Créditos

    Sumário

    Bibliografia

    INTRODUÇÃO

    As perdas e o desenvolvimento psicológico

    O desenvolvimento emocional do ser humano está sujeito, de um modo decisivo, ao jogo dinâmico de perdas e aquisições de objetos investidos de significado afetivo. O desenvolvimento psicológico pressupõe o exercício constante de nossa capacidade de lidar com as irredutíveis e sucessivas mudanças que se apresentam no decurso de nossas vidas. Podemos definir as crises psicológicas como um conjunto de vivências dadas em função de situações novas e potencialmente transformadoras, que nos impulsionam a adquirir mecanismos de enfrentamento que não possuímos (SIMON, 1984).

    Tais situações geram insegurança, ansiedade e a necessidade de nos reestruturarmos. Uma crise pode encontrar seu desfecho tanto no desenvolvimento de um novo repertório de respostas adaptativas, quanto no acúmulo das vulnerabilidades geradas por respostas inadequadas. No primeiro caso, há uma sensação de crescimento e o indivíduo se vê fortalecido, no segundo, ele se sente fracassado e incapaz de enfrentar novos desafios. Sente mesmo como se houvesse uma estagnação em sua vida. Isto explica por que o desfecho inadequado de uma crise é capaz de gerar riscos à nossa saúde mental.

    Face às instabilidades geradas por aquisições, como o nascimento de um filho ou um novo emprego, o enfrentamento de situações de perda como a morte, a separação ou o abandono, representam desafios maiores e mais importantes. Certamente, aprendemos muito com as aquisições e situações novas, mas, as perdas nos cobram um aprendizado muito mais profundo. Elas exigem a aceitação de nossos limites, das contradições e das rupturas inerentes à condição humana e, por isso, nos cobram o desenvolvimento de um repertório de respostas novas, capazes de promover a retomada paulatina da vida e a restauração do equilíbrio perdido.

    Desde o seu primeiro momento, a vida nos impõe uma sucessão de perdas de grande variedade de objetos concretos e abstratos. Se, em sua dimensão afetiva, a existência humana é caracterizada por uma necessidade premente de estabelecermos e mantermos vínculos afetivos, em um plano igualmente fundante, ela é irredutivelmente marcada pela transitoriedade e finitude. Ao passo em que estes elementos se fundem na definição daquilo que somos, eles também fazem da perda uma experiência inevitável e um dos mais significativos desafios que podemos enfrentar.

    Uma primeira definição de luto

    É fundamental, nesse ponto, assumirmos a tarefa de explicarmos o que estamos chamando de luto. Para tanto, lançaremos mão e analisaremos uma definição básica, que se tornou consensual no campo de estudos do luto: A princípio, e de uma maneira muito simples, podemos definir luto como "a reação natural a qualquer perda, principalmente a perda de um ente querido por morte". (WORDEN,1998; PARKES, 1998).

    Vamos analisar criticamente o que significa definir o luto nesses termos, observe:

    O luto é uma reação à perda: Embora, por vezes, na linguagem cotidiana as palavras luto e perda sejam usadas de forma indistinta, na psicologia, as palavras luto e perda não devem ser tomadas como sinônimos. Neste campo, o luto é uma reação à perda. De tal modo, é importante considerar que o termo reação conforme apresentado na definição acima não anuncia a amplitude e a complexidade da reação em questão. Definir simplesmente enquanto uma reação não nos permite vislumbrar a complexidade e multidimensionalidade desta reação. O luto perpassa desde as alterações passageiras ao nível fisiológico dos indivíduos até mudanças subjetivas profundas e permanentes ao nível de sua identidade.

    Perceba que ao definirmos o luto enquanto uma reação não deixamos evidenciar a natureza abrangente e multidimensional dessa reação. Na verdade, seria melhor se definíssemos o luto não como uma reação apenas, mas como um conjunto complexo de reações, uma vez que se configura enquanto um processo amplo de enfrentamento e crise, um processo que envolve dimensões variadas da vida do enlutado.

    Assim, se levarmos em consideração a saúde física dos indivíduos, pesquisadores do luto vão afirmar que ele está associado a reações como respiração curta e rápida, problemas gastrointestinais, aperto na garganta, ansiedade, sensação de peso ou pressão no peito, mudanças de apetite, dores de cabeça, distúrbio do sono, rebaixamento da capacidade imunológica e resistência às infecções, tremores.

    Já ao nível cognitivo, quanto ao funcionamento mental dos indivíduos, os estudos psicológicos vão afirmar que o luto está associado a reações como negação da morte, dificuldade de concentração, de tomada de decisão, dificuldade de processamento das informações, sensação de despersonalização (impressão de sentir-se a si mesmo e aos acontecimentos como algo irreal, que se está preso em um sonho), desorganização mental, dificuldades de memória, distração.

    Se considerarmos a dimensão emocional, os enlutados relatam sentimentos e vivências como confusão, raiva, amargura, desorientação, ansiedade, desejo de fuga, tristeza, desesperança, desinteresse, apatia, saudades, vazio, depressão, alívio, solidão irritabilidade e culpa.

    No que diz respeito à dimensão comportamental do luto, algumas reações podem incluir, procura e chamamento pela pessoa perdida, choro e soluços, afastamento dos familiares, evitação de lugares onde a memória do falecido é mais forte, inquietação e excesso de atividades, sonhos vívidos relacionados à perda e ao falecido, visitação a lugares que guardam suas memórias, apropriação e zelo excessivo pelas roupas e objetos que guardam a memória do falecido etc.

    Dentre as respostas sociais à uma perda, temos a evitação social do enlutado, a falta de motivação e interesse para interagir e manter relações com amigos e familiares, problemas de relacionamento e conjugais, tendência ao isolamento, falta de iniciativa, estigmatização.

    No que diz respeito ao que podemos chamar de dimensão espiritual, é comum que os enlutados apresentem respostas como o abandono de seu antigo sistema de crenças, questionamentos em relação aos seus valores espirituais, perda da fé, desapontamento com Deus, com a igreja e seus membros, sentimento de presença do falecido, preocupação com o destino espiritual dele.

    Assim, como podemos perceber, a perda de alguém afetivamente importante desencadeia um conjunto complexo, dinâmico e interativo de mudanças em vastas áreas e dimensões da vida dos enlutados. Um processo que se inicia com os primeiros momentos de uma perda e segue até a reconstrução subjetiva dos indivíduos, se desenrolando em vários níveis, simultaneamente.

    Julgamos, portanto, importante sugerirmos uma reflexão sobre a amplitude e complexidade da reação em questão. De partida, advertimos quanto ao risco sempre presente de adotarmos uma visão reducionista e simplificadora do processo de luto.

    Nesse ponto, julgamos útil evocar a uma outra definição de luto que é congruente à apresentada, mas que deixa perceber melhor a multidimensionalidade implícita ao processo: ela diz que o luto é todo o conjunto complexo das reações fisiológicas, psicológicas, comportamentais e sociais dadas em função da perda de uma pessoa (geralmente por morte) ou coisa significativa (DUNNE, DUNNE-MAXIM & MCINTOSH, 1987 citado em CVINAR, 2005).

    Analisemos essa segunda definição:

    O luto é uma reação natural: Se por natural compreendemos algo esperado, algo comum à natureza das coisas, ao definirmos o luto como uma reação natural, estamos afirmando que o luto não representa uma resposta patológica. Essa definição é importante, uma vez que observamos a progressiva intensificação de uma cultura de patologização e medicalização da vida. Cada vez mais, as forças do mercado se favorecem e promovem um ambiente propício a uma cultura onde vivências desagradáveis como a tristeza e o luto sejam tomadas enquanto patológicas, disfuncionais e, por isso, objetos passíveis de intervenções terapêuticas especializadas.

    Contudo, se grande parte dos estudiosos do luto considera que ele é um processo natural, que cumpre uma função psicológica importante no desenvolvimento saudável dos indivíduos, isso não deve encobrir o fato de que estes mesmos especialistas alertam para o importante papel que este processo exerce, ao cursar e intensificar quadros de sofrimento psíquico grave, representando um momento particularmente crítico em termos da saúde mental e física dos indivíduos.

    "O luto é uma reação a qualquer perda": Pode parecer estranho, mas na psicologia, o luto não se dá exclusivamente como uma reação à morte de uma pessoa querida, podendo ser relativo a toda uma série de perdas que vivenciamos ao longo do ciclo vital. Ao ser usada para fazer referência as reações dadas em função dos mais variados tipos de perda, a expressão luto pode ser aplicada em situações tão diversas, como para definir as reações à perda de um objeto ou coisa investida de valor sentimental, uma abstração, um ideal, um status, uma condição.

    Comumente, as pessoas apresentam reações de intensidade variada à perda de quaisquer objetos, sejam eles concretos ou abstrações - como sonhos, idealizações, valores, imagens - investidas de significado afetivo.

    Se, por exemplo, ao sair do trabalho, uma pessoa descobre que seu carro foi roubado. Num primeiro momento, ela pode se recusar a aceitar a sua perda, negar e não acreditar que foi roubada. Pode procurar repetidas vezes no estacionamento. Depois, pode se sentir desorientada, com raiva. Em seguida, num momento posterior, ao lidar com o roubo enquanto um fato, pode pensar que nada pode ser feito para trazer o carro de volta, pode experimentar um momento de tristeza, talvez raiva que perdure junto com a tristeza, talvez se sinta culpada e se pergunte o motivo de não ter estacionado em algum lugar mais seguro. Pode sentir ansiedade, estresse, e é comum que seja tomada por eventuais crises de choro, culpe a si mesmos ou aos outros pela perda do carro.

    Todo esse conjunto de reações pode se desenrolar em um ou dois dias, uma semana, talvez um mês. Perceba que estamos falando de reações emocionais diversas, dadas em função da perda de um objeto (no caso um carro) investido de valor afetivo.

    Do mesmo modo, a perda de um emprego. Imagine as reações e vivências de um pai de família que perde repentinamente o emprego ou um cargo importante na empresa onde trabalha, passando a ganhar muito menos. Que tipo de vivências ele atravessará em função de sua perda? Que tipo de desafios e ferramentas emocionais ele precisará desenvolver para lidar da melhor maneira com o fato de que não possui mais a mesma renda, o mesmo status, e que ele e sua família deverão se acostumar e se reorganizar com um padrão de vida mais restritivo? Isso afetará sua identidade? Seu sentido de valor próprio? Talvez ele se sinta inferiorizado, incompetente, rejeitado, deprimido. Ou, talvez, pelo contrário, ele se sinta aliviado por ter, finalmente, a oportunidade de assumir um cargo com exigências menores, onde não seja tão cobrado, talvez se sinta obrigado a tomar, enfim, decisões há muito adiadas, como se mudar para o interior, montar o próprio negócio, morar próximo aos seus pais idosos.

    Quantas outras situações de perdas poderíamos descrever aqui? Alguém que sofre um acidente e se vê repentinamente preso a uma cadeira de rodas, perdendo a sua mobilidade e autonomia, precisando se adequar a uma nova autoimagem e reaprender a se locomover. Alguém diagnosticado com uma doença desfigurante e que deve reconstruir e aceitar uma nova autoimagem. Um jovem que não alcança os resultados esperados no vestibular e se vê, por dificuldades financeiras, obrigado a adiar ou abandonar o sonho de cursar medicina. Cônjuges que, após criarem os filhos e envelhecerem juntos, se percebem infelizes na relação e decidem seguir vidas separadas, renunciando à convivência e reformulando a referência de cuidado e segurança que atribuíam um ao outro.

    Enfim, perceba quantas perdas de objetos concretos e abstratos vivemos ao longo das nossas vidas. O luto deve ser pensado então como uma experiência difusa ao longo de toda vida humana, um componente próprio e irredutível do desenvolvimento psicológico. Mais que isso, perceba quantas formas únicas e diversificadas de enfrentamento encontramos enquanto indivíduos dotados de subjetividades igualmente únicas.

    O luto ocorre principalmente pela perda de um ente querido por morte: Dito que o luto é uma reação que pode ocorrer em situações de perda de objetos diversos, como a amputação de um membro, uma separação ou a mudança forçada de residência, vale agora frisar que a perda dada em função da morte de uma pessoa querida desencadeia um dos mais significativos tipos de luto que podemos experimentar (PARKES, 1998).

    O

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