O arquivo pessoal de Heliton Santana como fonte de informação e memória: a militância social na Paraíba
By Valdir Lima
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O objeto de análise desta pesquisa é o seu arquivo pessoal, dentro do recorte da militância social na Paraíba. Analisou-se os itens documentais, à luz da concepção teórica da escrita de si. A apreciação dos atributos memorialísticos foi norteada pela perspectiva da pesquisa documental associada à técnica da entrevista livre. A partir da análise e interpretação dos dados foi possível delinear a trajetória, como também identificar os traços significativos da constituição do arquivo.
Tal arquivo se configura como registro material da escrita de si do produtor, constituindo-se como uma significativa fonte de pesquisa, capaz de evidenciar os traços memorialísticos de sua produção cultural. Pretende-se contribuir, assim, com a perpetuação da sua memória e de grupos de pessoas que dedicaram e dedicam parte de suas vidas à luta por causas coletivas, salvaguardando essas memórias.
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O arquivo pessoal de Heliton Santana como fonte de informação e memória - Valdir Lima
Agradecimentos
A Oxalá e a Xangô Ayrá, a minha ancestralidade, a memória dos movimentos populares da Paraíba; ao e às militantes da Teologia da Libertação; à memória de D. José Maria Pires e D. Helder Câmara, Padre Paulo Koellen; às Irmãs da Caridade da Mãe de Misericórdia (Irmã Cecília, Gerda, Laeta, Marianna).
Marta Santana (in memorian), viúva de Heliton e minha madrinha. Meses após a defesa da tese, Marta desencarnou, deixando um vácuo enorme para os movimentos sociais e em especial, para mim; às filhas Andila Nahusi e Caiala Nahahy, meus agradecimentos mais que especiais por tudo, desde a escolha por mim, como curador do arquivo pessoal, e pela confiança antes e durante toda a pesquisa. A casa e os braços abertos me proporcionaram dias inesquecíveis de aprendizado e muito amor.
Às pessoas entrevistadas, Dulce Santana (irmã de Heliton), Branca Barbosa, atriz e amiga de Heliton, e Padre Luiz Albuquerque Couto, ex-membro do CEDOP e amigo de Heliton.
Minha família, amigos e amigas, nas pessoas de meu pai, Antonio Lourenço (in memorian), Maria Cecília (minha mãe), Grícia Guedes, Pai Carlos, Patrícia Cavalcante e a turma do doutorado em CI-UFPB: Gratidão.
Ao corpo docente. Doutoras e Doutores: Bernardina Freire de Oliveira, que dispensa comentários porque amor não se mensura; Maria Nilza Barbosa Rosa, que foi minha professora, supervisora de estágio e coorientadora (uma amiga), Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano,Izabel França de Lima, Henry Poncio Cruz de Oliveira, Gisele Rocha Cortês, Edvaldo Carvalho Alves, Carlos Xavier de Azevedo Netto, José Mauro Matheus Loureiro, Gracy Kelli Martins Gonçalves, Edivanio Duarte de Souza, Maria Cleide Rodrigues Bernardino, por toda partilha de saberes.
Ao Professor Dr. Carlos André M. Cavalcanti e à professora Dra. Ana Paula Rodrigues Cavalcanti, pelas contribuições.
Ao GECIMP, grupo de pesquisa do qual faço parte. GRATIDÃO ME DEFINE!
Prefácio
Recebi o convite para prefaciar o livro de Valdir de Lima Silva com alegria. Escrevo sobre o entusiasmo, a admiração, o afeto, a sensibilidade, e outras emoções e reflexões que a leitura proporciona. Na sua busca por informações sobre a memória dos Movimentos Sociais na Paraíba, Valdir é fortemente atraído pelos arquivos, e assim nasce a obra O arquivo pessoal de Heliton Santana como fonte de informação e memória: a militância social na Paraíba
. Com este feito, o autor tornou acessível ao leitor a compreensão de uma história que ia, aos poucos, convertendo-se em algo remoto e furtivo.
Em justa atenção ao tema, Valdir procurou imortalizar a história de um indivíduo, personificando-o em suas relações e em suas experiências ligadas à produção cultural, unidas ao Movimento Negro na Paraíba. Foi nesse cenário que ele desenvolveu sua tese no curso de doutorado em Ciência da Informação, evidenciando que esse tema e esse estilo não envelheceram.
Em vida, talvez, Heliton Santana não alcançasse recompensa nem reconhecimento pelo que fizera. Permaneceria na fímbria da história até meados de 2020, quando Valdir viu, finalmente, apreciada e valorizada, sua contribuição com as seguintes palavras: A arte engajada exercida por ele, Heliton Santana, aquele que ajudou a disseminar o conhecimento, a informação e formação de uma ‘massa despolitizada’, por meio da defesa das ideias de liberdade, de igualdade perante a lei, de direitos individuais e de legalidade institucional
.
Pode-se chamar de ensaio biográfico
o estudo da vida e ação de uma personagem que viveu e lutou por causas sociais, alternando a vida de homem público e a evolução dos acontecimentos que criariam as oportunidades para suas realizações. Assim foi a vida de Heliton Santana. Basta passar os olhos pelos escritos de Valdir para perceber a porção alternada de matérias de contextualização: Informação e Memória, Arquivo e Escrita de si
, os capítulos biográficos: Heliton Santana: uma memória de si e coletiva
, Entrelaços
, Um brilho cego de paixão e fé
e, por fim, Percursos
.
Dado o valor que estes escritos têm, seria uma lástima permanecerem dispersos no tempo e no espaço. O livro contém, também, vários relatos biográficos, inclusive os de personagens com as quais o autor conviveu ou teve relações de amizade.
Redigida em linguagem clara e objetiva, a narrativa envolve o leitor em uma viagem pelos Movimentos Sociais na Paraíba, na sua fase de expansão e de avanços, demonstrando como se revelou constante, em toda essa história, a articulação de Heliton Santana em torno da temática. Nela Valdir propôs reconstruir a memória dos Movimentos Sociais a partir do acervo de Heliton Santana, bem como de depoimentos de homens e mulheres que militaram nesta diligência no Estado da Paraíba, o que o ajudou na análise e interpretação dos dados, delineando a trajetória e identificando os traços significativos da constituição do acervo.
Está nítido que O arquivo pessoal de Heliton Santana configura um registro material da escrita de si do produtor
, uma escrita capaz de evidenciar os traços memorialísticos de sua produção cultural
. Dessa forma, perpetuando a memória de grupos de pessoas que dedicaram parte de suas vidas à luta por causas coletivas salvaguardando essas memórias.
Heliton Santana ao registrar os movimentos sociais, registrou também as suas memórias.
Com olhar crítico, o pesquisador examina o material deixado por Heliton Santana (do qual tornou se o Curador) e ressalta para o leitor o que há de mais relevante nesse acervo, comedindo os argumentos para chegar a conclusões que conduzam ao consenso pela prudência informacional.
Nessas qualidades, destacam-se as que moderam o entusiasmo do autor ao tratar de temas relacionados aos Movimentos Sociais na Paraíba, mais especificamente ao Movimento Negro, esclarecendo a participação de Heliton Santana nesse percurso. Tal entusiasmo nas avaliações e juízos confere veracidade nas afirmações amparadas pelo autor.
Não apenas digo, mas afirmo que ele sempre os seguiu: a busca da verdade, o respeito à vida, o amor à arte popular, a solidariedade humana, o desejo de servir. Conhecendo-o há muitos anos, Valdir acrescentaria, para melhor caracterizar o seu perfil de militante, o atributo da simplicidade, fruto de sua sabedoria. Simplicidade exalada pela forma clara de exposição e pela leitura fácil que proporciona, prendendo fortemente a atenção do leitor e do exacerbado humanismo de que é possuidor, no sentido que este termo tem de melhor, quando enuncia os valores perenes da cultura popular.
Sabemos disso de ábdito, mas a pesquisa de Maurício Leite nos coloca diante de uma grande lente de aumento, examinando as minúcias do etnocentrismo contido nas mais bem intencionadas ações de saúde; ela joga luz sobre o grande fosso a ser transposto por todos aqueles que pretendem se aproximar das tão faladas práticas culturalmente sensíveis em saúde. Outras perguntas inevitavelmente nos assaltam.
Como toda boa pesquisa, essas informações nos levarão a pensar sobre outras realidades que conhecemos e a nos perguntar como o problema se expressará entre outros grupos indígenas com os quais trabalhamos. E, talvez, em última análise, a nos interrogar sobre nossa própria situação alimentar. Igualmente perturbadora é a descrição das tensões evidenciadas, no momento atual, entre a partilha obrigatória de favores e alimentos e a recém-iniciada prática de venda de alimentos, que começa a alterar as regras da comensalidade entre os Wari’.
Escusado falar sobre o impacto negativo dessas novas formas de convivência sobre o já preocupante perfil nutricional evidenciado pela pesquisa, e sobre o potencial incremento das iniquidades que rondam os grupos indígenas, particularmente quando comparados com o restante da população brasileira, cujos índices nutricionais, ao contrário do que ocorre entre os indígenas, melhoram a cada geração. A análise dessas mudanças nos é trazida de permeio com os matizes afetivos que envolvem a relação do grupo com o alimento, apreendidos de forma delicada pela pesquisa.
Outras reflexões mais teóricas também são desencadeadas pela leitura do texto de Maurício Leite. Seja no caso dos Wari’, que abandonam um elemento central de seu sistema alimentar e de organização social, o milho; seja no caso de grupos rio negrinos, com os quais trabalho, que deixaram de praticar o xamanismo e os ritos de passagem, surge uma pergunta que sempre emerge em nossas insônias: o que acontece numa sociedade quando um elemento central da estrutura social é abandonado pelo grupo? Como se rearranja a ordem social ante essa nova condição? Que contradições se instalam aí? O livro de Maurício Leite não oferece respostas para isso, eu tampouco, mas os índios prosseguem vivendo nessas novas condições de vida, então prossigamos também nós, buscando respostas a essas, e a outras, inquietações apresentadas pelo ser indígena e pelo nosso próprio viver. Enquanto isso, deleitemo-nos com a leitura deste instigante trabalho.
Profª. Maria Nilza Barbosa Rosa,
João Pessoa, outubro de 2020.
"Vendo os meus sonhos e em troca da fé ambulante
Quero ter no final da viagem, um caminho de pedra feliz.
Tantos anos contando a história, de amor ao lugar que nasci.
Tantos anos cantando meu tempo, minha gente de fé me sorri.
Tantos anos de voz nas estradas,
Tantos sonhos que eu já vivi".
(O vendedor de Sonhos. Milton Nascimento e Fernando Blant)
INTRODUÇÃO
Quanto mais plural e correlacionado for o registro da informação, mais integral e possível de ser interpretado
(LOPES, 2000, p. 70).
Dentro das Ciências Sociais há um movimento de reconstruir histórias de vida, biografias, a partir de arquivos privados pessoais, porém é importante ressaltar que nem todos os documentos dos arquivos são exclusivamente de caráter privativo, alguns ganham o caráter de privado, por pertencer a um proprietário, todavia alçam o interesse público. No caso dos arquivos privados pessoais, ainda são incipientes as pesquisas que se debruçam sobre este campo frutífero, sobretudo em caráter analítico pelo viés da construção de uma escrita de si (FOUCAULT, 1992), ou mesmo referente a memórias de seu produtor, isso em razão de grande parte desses acervos não estarem disponíveis ao público, tanto no modo analógico como digital, pela falta de condições técnicas de organização e tratamento dos documentos, e, pela ausência de tecnologias que viabilizem a disponibilização e compartilhamento de informações por meio digitais, o que, do ponto de vista de espaços, limitam o acesso e gera a problemática do silêncio ou ocultamento da memória (ASSMANN, 2011). Tudo isso associado contribui para uma incompreensão da dinâmica dessa categoria de arquivos.
Nora (1993, p. 13) assegura que é preciso criar arquivos para manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais
. O autor aponta ainda que: a defesa pelas minorias de uma memória refugiada sobre focos privilegiados é enciumadamente guardada, nada mais faz do que levar à incandescência, a verdade de todos os lugares da memória
(idem). Ao destacar um esforço pela recuperação dos espaços de memória, Nora (1993) discorre sobre a problemática dos lugares, da necessidade de reparação dessa ausência, o que vem corroborar com a empreitada de produzirmos material que dê suporte e viabilize a pesquisa acadêmica desses grupos pesquisados, e estimule a criação de espaços de memória.
Pensando assim, destacamos o arquivo pessoal do paraibano Antonio Heliton Santana,¹ como fonte de informação e memória. A arte engajada exercida por ele ajudou a disseminar o conhecimento, a informação e a formação de uma massa despolitizada
², por meio da defesa das ideias de liberdade, de igualdade perante a lei, de direitos individuais e de legalidade institucional.
Assim caminhando, nosso protagonista enveredou pelos movimentos sociais, políticos, sindicais e religiosos, oscilando da Teologia da Libertação da igreja católica - surgida na década de 1960, expandindo-se com muita força na América Latina - às religiões afro-brasileiras como o Candomblé e a Umbanda.
Enveredou, também, pelos caminhos das artes integradas: dança, teatro, poesia, música, literatura de cordel, cinema, indo de protagonista a produtor, sempre com foco pautado na informação forte e no respeito ao outro. Essa trajetória revela sua atuação cultural de produtor, disseminador de informações de parte da memória de vários movimentos sociais na Paraíba, dos quais foi cofundador, a saber: Movimento de Teatro Popular; Movimento Negro da Paraíba; Movimento de Adolescentes e Crianças; e Associação de Transplantados Renais da Paraíba.
Certamente seu arquivo potencializa a salvaguarda de uma memória para os movimentos sociais na Paraíba. A atuação de Heliton Santana nesses encontros foi de protagonista dessa história, na qual nos inserimos em 1982, no Encontro Mundial do Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC) em Olinda, PE, onde participamos juntos.
A ausência de uma organização da memória dos movimentos sociais na Paraíba, dos quais Heliton Santana militou, é percebida nos espaços de preservação dessas memórias. Assim, o percurso teórico dialoga a todo o momento com a experiência existencial de nosso protagonista, pois como aponta Gomes (2004), há um lugar de fala que situa sua vivência e a de quem lê seus escritos, ou seja, a escrita de si.
Gomes (2004, p. 10) esclarece que a escrita de si integra um conjunto de modalidades do que se convencionou chamar produção de si
. Essa produção pode ser mais bem entendida a partir da ideia de uma relação que se estabeleceu entre indivíduo moderno e seus documentos, preservando-se a memória documental.
No caso dos arquivos pessoais, a sua formação se concretiza na medida em que o titular passa a agrupar documentos resultantes de conjuntos de atos, em concordância com o seu modo de vida. Nesses arquivos, como alertam Duarte e Farias (2005) é comum encontrarmos documentos que enaltecem a imagem do titular e de seus pares, e podem representar sempre o vínculo pessoal que o titular mantém ou manteve com o mundo.
1.1 ENCONTROS NA TRAVESSIA
Nosso contato inicial com Heliton Santana se dá nos idos da década de 1970, no Bairro Popular de Santa Rita. Maria Cecília, minha mãe, o conheceu nas comunidades eclesiais de base, na igreja das Graças³, no auge da teologia da libertação na América Latina. Não tardou o ingresso de toda minha família nos movimentos, a começar pelo Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC) devido a nossa idade e, posteriormente, a Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP), o Movimento de Teatro Popular (MTP) e depois sindical e partidos políticos.
Foi na travessia que o encontro se fez, nas andanças que os caminhos se entrecruzaram. A partir desse momento, os fazeres de Heliton Santana pulsavam na juventude da cidade e atravessava as fronteiras, de