Entre Instituições, Práticas e Saberes: O Ensino de História e História da Educação no Brasil
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Organizada em sete capítulos, a obra reúne textos de diversos pesquisadores que se dedicam ao estudo de diferentes concepções a respeito do ensino de História e da história da educação no Brasil, trazendo, por meio de uma perspectiva histórica, pertinentes reflexões sobre os atuais problemas do ensino e da educação brasileira.
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Entre Instituições, Práticas e Saberes - Henrique Martins da Silva
APRESENTAÇÃO
A respectiva obra, Entre Instituições, Práticas e Saberes: o Ensino de História e História da Educação no Brasil, reúne contribuições acerca do ensino de História e da História da Educação no Brasil. O objetivo principal é apresentar possibilidades para o Ensino de História a partir da percepção histórica das práticas e saberes oriundos das instituições educativas no Brasil.
Isso significa analisar distintas experiências de ensino adotadas historicamente no percurso da História da Educação brasileira em contraste com as atuais correntes de ensino. Dessa forma, os diálogos entre Ensino de História e História da Educação tornam-se imprescindíveis diante dos desafios da escola contemporânea. Nesse sentido, buscamos apresentar novos olhares e perspectivas que sejam capazes de dialogar com os problemas educacionais brasileiros em perspectiva histórica.
A obra é composta por importantes contribuições de diferentes pesquisadores do país, que nos convidam à reflexão a partir de suas distintas abordagens e concepções acerca do Ensino de História e da História da Educação no Brasil. Os estudos apresentados pelos autores nos indicam olhares e caminhos que correspondem aos atuais debates e pesquisas que estão sendo realizadas pelas instituições de educação do país.
As reflexões em torno das instituições, das práticas e dos saberes, requerem nossa atenção sobre diversos aspectos do Ensino de História, uma vez que muitas destas perspectivas são abordadas pela História da Educação. Com efeito, compreender essas relações contribui para o desenvolvimento de uma educação emancipatória, na qual, os sujeitos têm consciência da realidade sócio-histórica que os cercam e são capazes de entender a importância do conhecimento histórico na vida prática.
Convidamos à leitura da obra todos aqueles que se interessam pela temática proposta, para que possamos, juntos, compartilhar experiências de pesquisas, refletir e construir caminhos que nos levem à superação dos desafios que orbitam o Ensino de História e a História da Educação no Brasil.
Henrique Martins da Silva
Fernanda Soares Rezende
Organizadores
1. O ENSINO DA HISTÓRIA PÁTRIA E A EDUCAÇÃO CÍVICA NA PRIMEIRA REPÚBLICA: UMA ANÁLISE DA OBRA DE AFONSO CELSO
Regina de Carvalho Ribeiro da Costa
Introdução
A proposta do capítulo é analisar a obra Porque me ufano do meu país, escrita pelo conde Afonso Celso em 1900, identificando certas categorias para a avaliação da visão do autor sobre o Brasil e sua história, tais como nação, identidade nacional ou caráter do povo, ufanismo e patriotismo, dentro do contexto do Ensino de História Pátria, como parte do projeto de educação cívica e patriótica da Primeira República do Brasil.
Assim, procura-se examinar a história editorial dos cem primeiros anos da obra, visando alcançar a relevância de tal produção e seu possível impacto no meio científico. Logo, objetiva-se vislumbrar a inserção do autor como membro de uma elite letrada no campo intelectual, suas contribuições para o conhecimento científico e sua participação política naquele contexto.
Afora o envolvimento político¹ , a trajetória do conde é marcada por lugares de prestígio no campo intelectual da Primeira República, como um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL)² , onde exerceu o cargo de presidente por dez anos, além de presidente perpétuo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)³ por quase 26 anos. No magistério, teve passagens na Faculdade de Direito de São Paulo⁴ e na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro⁵ até se tornar diretor do Departamento Nacional de Ensino por 25 anos.
Em momento de exaltação da nação brasileira, após a instauração recente da República, Porque me ufano do meu país (1901) chega ao mercado editorial brasileiro como uma literatura infantojuvenil apologética do Brasil, voltada aos estudantes secundaristas, ao lado das obras Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manoel Bomfim, e Saudade (1917), de Thales de Andrade, que funcionaram como cartilhas da nacionalidade (Bastos, 2002, p. 256). Entender a obra de Celso como um pequeno manual de educação cívica, nesse contexto de fortalecimento da escola e do ensino da História Pátria, consta entre os propósitos deste trabalho.
A inserção do conde Afonso Celso no campo intelectual da Primeira República
Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior nasceu em 31 de março de 1860 na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, filho primogênito do visconde de Ouro Preto⁶ e de D. Francisca de Paula Martins Toledo (ABL, 2021). Aos 15 anos, publicou os Prelúdios, uma pequena coleção de poesias românticas, e, aos 20 anos, colou grau na Faculdade de Direito de São Paulo, curso que culminou na defesa da tese Direito da Revolução
. Em 1884, casou-se com D. Eugênia da Costa e, em 1905, fora elevado à condição de conde.
Ao longo de sua vida, o conde exerceu as funções de orador, escritor, poeta, jornalista, historiador e professor (Bastos, 2002, p. 245-260). Colaborou por mais de trinta anos no Jornal do Brasil, onde criou a seção Cotas ao Caos
, escreveu ainda artigos para outros órgãos da Imprensa, tais como A Tribuna Liberal, A Semana, Renascença, Correio da Manhã e o Almanaque Garnier. Além dos citados Prelúdios, publicados em 1876, Afonso Celso escreveu inúmeras obras⁷ , entre as quais o manual didático Porque me ufano do meu país, publicado originalmente em 1901. O conde veio a falecer em 11 de julho de 1938 no Rio de Janeiro.
Para entender o lugar ocupado pelo conde Afonso Celso como intelectual de sua época, deve-se recorrer a um breve esclarecimento sobre o que se entende por campo, conforme conceito de Pierre Bourdieu (2004, p. 20):
Minha hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, muito distanciados, entre os quais se supõe, um pouco imprudentemente, que a ligação possa se fazer, existe um universo intermediário que chamo o campo literário, artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos específicas.
Assim definido, seria o campo um espaço relativamente autônomo, pois usufrui de leis sociais próprias, mas também está submetido a outras, visto suas fronteiras fluidas e, portanto, sua autonomia parcial. Bourdieu (2004, p. 29) orienta que qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta, tanto em sua representação quanto na sua realidade
. Tais representações são construções sociais concorrentes que se confrontam no campo (Bourdieu, 2004, p. 33).
Particularmente, o campo científico é entendido em si como um mundo social, que não é completamente independente do mundo social (Bourdieu, 2004, p. 21) que o envolve, por isso abriga lutas internas que não deixam de se relacionar com os outros campos como o político e o religioso. A partir de então, o intelectual passa a ser determinado, isto é, definido em relação ao campo, situado histórico e socialmente.
Segundo Ângela de Castro Gomes (2009, p. 26), o intelectual, como ator político do campo da cultura, é tratado como um personagem integrado a redes sociais diversas e com diferenciados formatos organizacionais, tendo tradições intelectuais também variadas
. É, pois, nessa perspectiva que se espera compreender o campo intelectual que Afonso Celso participou. Personagem atuante da Primeira República, Afonso Celso preocupou-se mesmo com a construção de uma nação brasileira, assunto em voga no campo intelectual.
O conde chegou a ser reconhecido publicamente como chefe venerável do nacionalismo brasileiro
, como explicita Lúcia Guimarães (2000, p. 38-45) em artigo que analisa a experiência da Academia de Altos Estudos – Faculdade de Filosofia e Letras do IHGB –, na qual teve Celso um expressivo papel, tanto na proposta, como na comissão responsável pelo Regimento da Escola e do corpo docente, como na direção durante seu breve funcionamento de 1916 a 1921, quanto nos ofícios, enviando os documentos após o fechamento da faculdade.
A experiência de iniciativa privada, inserida num clima de efervescente reafirmação dos sentimentos cívicos, ambicionava a formação da consciência nacional pela via da escolarização, explicitando a necessidade de educar o brasileiro e denunciando a ausência de uma instituição que o faça, isto é, a inexistência de uma universidade brasileira. Nesse meio, estava Afonso Celso, como presidente do IHGB e liderando esse projeto de educação cívica e patriótica.
O conde também se envolveu com a criação da Universidade do Rio de Janeiro em 1920 (Fávero, 2000), instituição que receberia mais tarde o nome de Universidade do Brasil (de 1937 a 1965) e, por conseguinte, Universidade Federal do Rio de Janeiro⁸. Afonso Celso consta ainda como um dos patrocinadores no início da Editora Vozes⁹ (Andrades, 2004). É interessante pensar o que faz um membro da elite envolvido com questões religiosas¹⁰ patrocinar uma iniciativa editorial.
Com o tempo, as publicações da editora alcançaram excelente receptividade nos altos escalões da hierarquia eclesiástica e da sociedade, legando à Vozes a missão solucionadora do problema de carência de publicações religiosas. Havia um grupo de intelectuais que valorizavam a Igreja e defendiam uma aliança entre o trono e o altar
, na monarquia liberal (Andrades, 2004). Nesse grupo, encontra-se o visconde de Ouro Preto, pai de Afonso Celso, e o próprio conde. As convicções religiosas cristãs do conde transparecem em seus trabalhos.
A existência de uma elite intelectual que se encontrava pensando o Brasil, em clima de graves críticas à República, preocupada com a integração, a modernização e a atualização do país, a qual escrevia construindo um passado, projetando futuros, arquitetando o caráter do povo e erguendo a nação, foi evidenciada por Ângela de Castro Gomes (2009, p. 25-26):
Tais intelectuais assumem, de modo obsessivo, o desafio de modernizar uma sociedade saída da escravidão e do regime monárquico, considerados, com intensidades que variam conforme a aceitação do republicanismo, responsáveis em grande medida, pelo ‘atraso’ em que o país se encontrava. Polígrafos, como não é novidade afirmar, movendo-se entre as fronteiras fluidas de diversos campos disciplinares, esses intelectuais, em boa parte homens que viveram e acreditaram na monarquia, produzem tanto bens culturais que se servem de suportes duradouros e valorizados (basicamente os livros), como um conjunto de outros produtos, que eram difundidos em suportes ‘efêmeros’, até hoje considerados pelos estudos acadêmicos (discursos, artigos de jornais e revistas, peças de teatro, etc).
Segundo a exposição de Gomes (2009), os intelectuais engajados na missão de construir a nação, durante a Primeira República, formavam uma categoria socioprofissional com contornos pouco rígidos, inseridos entre os campos intelectual e político, o que explica a posição de autores como atores do processo político na sociedade. Portanto, não apenas formulariam os projetos político-culturais conhecidos pela produção de obras, isto é, no terreno das ideias, como poderiam ter uma atuação mais prática através da ocupação de cargos e funções em locais privilegiados, possibilitando, assim, a implementação de tais programas.
Um exemplo é Afonso Celso que, devido aos cargos que ocupou, teve oportunidade de operacionalizar suas ideias acerca de uma educação cívica da nação, como na experiência pioneira da Faculdade de Filosofia e Letras, contribuindo para o projeto de construção da identidade nacional, que não é específico desta época que o Brasil vivia, mas que encontrou ambiente propício à formação de sentimentos cívicos na população.
Com vasta produção, Celso transita entre o mundo de escritor, o mundo político até o mundo religioso, inserido nas principais instituições que configuram o campo, não apenas como membro, mas chegando a ocupar a Presidência, tanto no IHGB, como na ABL. Sua participação na criação da Universidade do Rio de Janeiro, seu patrocínio à Editora Vozes, além de estar à frente da Faculdade de Filosofia e Letras do IHGB e de ter presidido a Ação Social Nacionalista
, de 1919 a 1923, como lembrou Bastos (2002, p. 251), por sua ostensiva campanha patriótica, testemunham seu prestígio como intelectual na Primeira República.
O projeto político da elite pode ser sintetizado, conforme Lúcia Lippi Oliveira (1990, p. 81), pelo intuito de: