Pequenas Geografias Guarani e Kaiowá: Relatos
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Pequenas Geografias Guarani e Kaiowá - Antônio Augusto Rossoto Ioris
RELATOS
Para a gente viver mais amigavelmente
Clemente Candia
Aldeinha
Sou Clemente Candia e aqui é o município de Juti. Aqui eu vivo quase 40 anos. Entrei no ano de 1980, há 38 anos.
Nasci nesta região, antigamente Kurupa’y. Eu não nasci na aldeia, na reserva, nasci no mato mesmo. Então, já faz muito tempo que vivemos nas fazendas, me criei por estas regiões. A minha mãe é indígena, mas o meu pai acho que é mestiço; eu não cheguei a conhecer ele porque desde que eu era pequeno ele se separou da minha mãe. Ele não viveu até que eu ficasse adulto, e não cheguei a conhecer ele. Falam que era paraguaio, mas a minha mãe é indígena Guarani. Eu já morei aqui, já faz muito tempo, os meus parentes faz menos tempo...
Então faz 39 anos que estou aqui, vai fazer ano que vem [2019].
Nós passamos meio mal, tem hora que aperta, não tem trabalho.
Nós precisamos muitas coisas de ajuda. Porque tem hora que não estamos bem, para falar a verdade, porque faltam as coisas, por sorte que agora vem a cesta básica para nós, ajuda também. Mas só isso não alcança, falta mais. Não alcança para um mês e falta tudo para nós, ajuda de remédios, de assistência.
A Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena, Ministério da Saúde, Governo Federal — Brasil] vem, mas até agora não se vê nenhum resultado. A Sesai não atende os doentes, isso não. As que atendem pela saúde são as pessoas que vêm aqui. Perguntam coisas, só, até hoje não tem resultado... Sim... Só vêm para reparar, perguntar, mas até hoje nada.
Seis famílias só aqui na retomada. Seis famílias e tem quatro hectares. O tamanho de toda aldeia eu não sei quanto deve ter, mas pode ter mais desde aquele córrego... Eu vivo aqui mesmo. Já faz 39 anos que vivo aqui.
Aqui não temos nada. O fazendeiro, tem hora, quer que a gente sai daqui, eu não falo nada porque não tenho má ideia de brigar com ninguém, se quer me dar um pedaço de terra, tudo bem, eu não gosto de briga. Ainda eu que sou evangélico, e não posso mexer nessas coisas, de brigar ou invadir... Não! Se alguém me dá de coração, eu aceito, do contrário prefiro sair, prefiro sair, porque pode ser que no final ainda perca minha vida, porque se mexer com fazendeiro piora, sai no pior. Eu penso assim. Porque, às vezes, procurar as coisas só fica mal para você. E não tem importância que eu morra, e outro fica no meu lugar, porque aconteceram para várias pessoas, perde a sua vida, mas só ele que perde, porque não dá resultado para ele, às vezes resulta para outros.
Mas se querem me dar, de bom coração, eu aceito. Aqui o senhor quer vender, mas não resolve também... Tem hora que quer vender. Completo, porque é como aparece na escritura. Se vender, ele falou para mim que vai acertar comigo, mas não vai ser grande coisa, alguma coisa como esse eucalipto a gente tem, não pode ficar assim, e agora temos uma igreja aqui e vai ser difícil para sair, porque se eu faço uma covardia vai ser muito sério.
Eles vêm, as pessoas, para a igreja. Eles vêm, índios. E então ficou muito mais difícil para mim, já pensei muito, duas partes, já quero ficar bravo, ou do contrário não, também. Porque, como disse, às vezes se você fica bravo sai mal. Mas tentar para que possa doar esta área, porque tem uma igreja também, e eu fiz uma covardia, e este é de muito dinheiro, o fazendeiro. Se dá para nós não vou me importar com outras terras, porque quando a gente morre já foi, acaba... Para que possa meus parentes morarem junto comigo aqui mesmo, que não tenha nada mais, não dá para fazer nada.
Se a Funai [Fundação Nacional do Índio, Governo Federal — Brasil] ajudar a gente vai ser melhor, depois, agora mesmo, mas tentar. Isso também queria saber se a gente se põe forte, será que não vai dar em coisa ruim? Ou será que vai ter? Eu não quero que seja para briga, quero que seja bem normal que eles possam entender.
Pelo menos eu tenho documentos e não sei se eles todos têm. Escola tem, sim. As crianças todas vão. Estudam em Vila Rica, município de Vicentina. Vão de ônibus.
Eu procuro pegar uma boa orientação de quem entende bem, nesse caso neste problema para que aconteça nada grave, nem com a Funai, porque hoje eu não quero sair mais, para falar a verdade. Aqui já é um lugar, sim. Tem a igreja e eu não posso fazer e abandonar tudo isso. Às vezes falo que vou sair, vou limpar o eucalipto e se quer dar alguma coisa para mim, dá, ou do contrário, para ficar brigando, não... Agora, se vai dar para mim de boa e se vai dar com o título da terra um pedaço... Sim. Assim vou aceitar.
Então é isso que agora posso dizer. Estou pensando diferente: vou perguntar para ele, o fazendeiro, e ver se ele doa para nós pelo menos este pedaço...
Quase nada, muito pouco agora trabalhamos para ele. Tinha trabalho, mas agora já não. Ele não mexe muito em trabalho, só eucalipto mandou cortar, mas é outro quem faz para ele. Pastagem tem pouca, porque esta fazenda é pequena, só 60 alqueires, então uma parte ele manda alugar e outra parte é mais eucalipto que pasto. Então, estão trabalhando para ele, outras pessoas, que trouxe de fora. Primeiro tinha trabalhado para ele, e outros, e depois não deu certo e parou. Eu também corto pasto para ele, mas é bem pouco, e não é direto, só de vez em quando. Só, é assim o negócio. Mas eu vou pedir uma força daqui para frente, porque vou tentar pedir para ele.
Por esta parte, para a gente viver mais amigavelmente. Porque aqui não tem nada para conseguir vantagem, para poder plantar não tem como, a área é muito pequena, só para moradia. Aqui eu trabalho só nas fazendas para poder me sustentar, porque tem um paradeiro, para dizer que vou fazer alguma coisa aqui, neste pequeno pedaço, não vai conseguir. Como diz um brasileiro, uma passagem, para morar e para trabalhar fora a área é muito pequena, só para fazer moradia. Não tem nem como trabalhar na roça, pouca terra, e se vai trabalhar na roça só brigando para tomar uma área dos outros, mas eu não quero assim. Tenho medo. Fico com medo, e se vai ser com briga, vou sair em silêncio e vou embora porque não quero viver na briga. Porque, às vezes, procurando uma coisa vem coisa feia, porque os fazendeiros não têm dó, porque depois de morto já não tem valor, então eu assim não quero.
Assim ficamos, como diz o cantor.
A gente passa muito sacrifício
Rosilda Vera
Aldeinha
O meu nome é Rosilda, moro aqui na Aldeinha.
Nós precisamos de ajuda, a gente passa muito sacrifício, nós precisamos de agente de saúde, precisamos da Sesai. Uma criança acabou de falecer porque aqui não temos recursos, não tem como, nem para consultar, porque é um sacrifício aqui. Quando tem ônibus a gente leva para consultar na Vila Rica, do contrário a gente não leva, não tem como. Eu preciso aqui de agente de saúde, até para pesagem. A gente passa mal, porque tenho meu filho que estuda e eu recebo bolsa família. Sabe, precisamos aqui, porque tem dia que o ônibus não vem, quando quer vem, e tem vezes que não vem e eu não posso perder a minha pesagem. Às vezes o meu filho fica doente, e não é só o meu filho, tem da minha nora, tem outros, e precisa de consulta, e se não tem carro, como é que a gente pode ir?
Nós passamos muito sacrifício aqui, por isso precisamos... E tem outra coisa: quando não tem trabalho passamos mal, porque não é todas as vezes que vem a cesta básica aqui, cada dois meses ou às vezes se atrasa e não tem trabalho aqui, agora mesmo estamos todos parados, só sacrifício que passamos. E nós precisamos, a gente precisa dessas coisas.
Nós, pelo menos de bom coração, o fazendeiro, porque a gente não pode entrar com a força, se puder dar para nós um pedacinho de terra só. Está chegando o dia que a gente precisa, e as pessoas que moram aqui, a gente precisa fazer isso, porque precisamos de terra para plantar mandioca, milho, abóbora, porque é importante para nós.
Já faz tempo que a gente passa sacrifício aqui, não tem recurso, não tem nada. Chegou a hora que a gente faz algum esforço, porque do contrário a gente passa muito sacrifício mesmo, porque vai ter hora, se não tem alguma coisa para comer, aonde que a gente vai, para quem vamos pedir ajuda?
E nem podemos ligar para ninguém, porque aqui não pega telefone, a gente passa muito sacrifício. Isso que a gente precisa, mais agente de saúde, porque as crianças, você já sabe, antes de ontem, o meu filho estava doente, vomitando, e na hora não tem nada, e não tem trabalho... Como vamos arrumar?
Só temos algo, o meu companheiro tem uma moto, mais sem gasolina, porque não tem dinheiro, ninguém tem dinheiro, todos estão parados. Então, como se diz, o meu filho ficou doente, mas graças a Deus já está bem novamente. Fiz remédio caseiro e melhorou, vomitou, e a outra vez foi a vez da minha filha, vomitou e ficou fraquinha. Eu disse: meu Deus, não tem ônibus
, pegou férias... E hoje em dia pega mais cedo, as férias, não tem como para a gente levar.
Então, a gente precisa de agente de saúde aqui. Precisamos também quando as crianças ficam doentes, para ir consultar para tomar remédios, porque vai saber o que acontece.
Vou contar bem para vocês... Foi assim que o filho da minha prima morreu aqui, foi por isso, pegou pneumonia, a criança tinha um mês, e matou ela, a pneumonia. Até ela ir procurar carro, e quando ele veio, já era, já não tinha mais chance. Pneumonia matou a criancinha de um mês só, matou, pneumonia. Chegaram à noite em Juti e só Deus ajudou aos pais, pegaram carona, e quando levaram o carro, quebrou, não tem como levar na curva, quebrou o carro, e ainda bem, e graças a Deus um homem da fazenda deu carona para ele, até Juti. E quando chegaram já estava morto, não teve como salvar, e não faz muito tempo, deve fazer uns oito meses, foi aqui, a criança pequena que morreu... Se a mãe dela estivesse aqui, ela poderia contar como é que ela morreu...
Muito sacrifício aqui nós passamos, todos estamos aqui, ele também, só que na hora não tinha como, porque se a gente ligasse, as pessoas de Vila Rica eles não vêm, não querem vir até aqui. Uma vez, quando ele estava doente, foi lá para ligar, e não querem vir levar, ainda bem que ele arrumou alguém para levar e deixou em Vila Rica naquela época...
A criança morreu, e nós precisamos de agente de saúde aqui, para fazer a pesagem, para as crianças, porque quando a gente fica doente, a gente aguenta, mas quando a criança fica doente, eles não podem esperar, porque aqui tem muitas crianças pequenas, tem a minha cunhada de quatro anos, da minha nora, tem cinco aninhos, e a minha filha pequena, que está por aqui, e tem mais, agora não estão, foi com o esposo na fazenda, ele tem dois filhos pequenos... E a filha da mulher que perdeu seu filho.
Então a gente precisa disso, já precisamos de fazer algum recurso, porque nós precisamos de tudo isso. Agente de saúde que a gente precisa e alguma outra coisa também, cesta básica, porque as crianças não sabem esperar, não sabem, se acabou ou não, as crianças, quando chega a hora elas querem comer. Aqui não tinha vindo mais a cesta básica, acabou, e o pessoal veio e pedimos para eles arroz e ele arrumou para nós, e não tem ninguém que ajuda.
E outra coisa: a gente passa com sacrifício aqui, não tem como. E, então, até ali, vou falar para vocês, é sobre isso.
O nosso teko vai germinando
Floriza de Souza
Aldeia Jaguapiru
Meu nome nativo é Kuña Poty Rendy’i; em português, Floriza de Souza.
Tenho 58 anos. Desde criança fui criada com minha avó e com meu avô. Trago comigo as falas que deram para mim para deixar para as crianças, para ter uma harmonia nas falas, uma sabedoria que nós damos, igual que um professor ou professora que se formou. Dali você traz e da educação isso acontece, ou vem da Casa de Reza, uma sala de aula bem grande, dali que sai a educação como Kaiowá e Guarani. E sempre tem igual que esta, uma sala, eles juntam as crianças para dar aula, para ensinar na nossa língua em guarani, para que fale na língua guarani e não em português.
Antigamente disseram para que não fosse usada a língua dos não indígenas, nós temos que fazer que seja mais forte a nossa língua, para repassar a nossos netos a nossas netas, até para outras crianças que antes vieram, para que sejam educadas. E disseram que os indígenas já não vão falar mais na sua língua, vão ter que juntar com a outra língua. E elas falam, as mães, em português, isso já foi o começo. Então, é importante ter assim uma sala de aula para ensinar, às vezes os pais já não sabem como falar na sua própria língua, já só falam em português e por ali já suas famílias falam assim.
Daí em pouco tempo vão deixando a sua própria língua nativa, a origem, e já não podem rezar. Cantar já é difícil para eles poder falar, e agora como eu ainda estou aqui e sou uma professora, avó, sempre temos os dias de sábado, a aula. Com as crianças, os jovens, as mulheres, até mesmo as mães que vem querendo aprender, vem da cidade. Vem da rua para saber. Nós ensinamos e sempre está aberto para poder receber.
Então é por aí que vai, e vai o nosso teko, vai germinando, voltando a germinar. E vai ficar nos livros que sempre vai ter a origem da língua que foi levantado. Está sempre forte.
Eu nasci no tekoha Yguarusu, ali tem o meu rituário, nasci ali, na Casa de Reza guachi, ele era o meu avô, ali no quarto, eles fecharam assim, puseram muitos rituários, a minha mãe, no meu reko, modo de ser.
Daqui fica longe. Lá longe, na direção a Itaporã. Itaporã ali, e esse fica do outro lado, esse teve o nome de Potrero, Potrero Ky’a, disseram antigamente. Assim era o nome e o lugar é de Yguarusu Kuchuiguygua mesmo. Então, no Kuchuiguygua tem um rio bem bonito, e ali é o lugar onde os animais bebem, bebem os pássaros, o porco do mato, tatu, diferentes animais que chegam para beber água. Esse tem nome de Kuchuiguygua.
Nós saímos quando chegaram os karai, os brancos, quando já estiveram, disseram a meu pai, e aos outros mais velhos, que já tem este lugar, é melhor que vocês fossem mais para lá, disseram. Vão mais para lá e vai ter muita ajuda ali, quando veio o Getúlio Vargas. Ali tem bastante terra, está sobrando, disseram. Então a minha avó Ruchi, ela, Jari, avó, Rosita, ela não queria vir. Ela fugiu com o Ary Perekue, o seu marido, ficou fugindo. Eles não vieram ainda; e os mais novos, como antigamente, os Guarani e Kaiowá sentiam medo dos não indígenas. Então, puseram no seu mynaku, cesto, suas roupas, suas tigelas, para poder beber água, hy’akua, porunga. Eles estavam com medo. Vieram pra cá. E dois fugiram, os que fugiram são avó Ruchi e Jari Rosita.
Sim, foram para o mato, e por isso que seu nome é Vó do Mato. Ele sempre está fugindo e ele não veio cedo aqui.
Demorou para ele vir aqui. Nós já viemos, viemos e meu pai levantou uma pequena casa, e falou que nós já deixamos a nossa casa grande, vamos voltar lá, dizia. Porque lá tem, plantava milho saboró, batata-doce, abóbora, moranga, feijão de corda, mbakuku e muitas coisas plantavam. Tinha tudo. E quando nós chegamos ali, quando meu pai chegou aqui não tinha nada para comer. E depois o primeiro que mandou, a Funai, mandou fubá, macarrão, assim como a tigela de leite, e assim que mentiam para meu pai, minha mãe e minhas tias. Vai trazer que lá está entregando, dizia...
Eles ofereceram num carro grande roupas ou lençol, e cortaram como um metro cada pedaço e deram para as crianças para suas saias, camisa, bermudas. A nossa roupa não é assim, nós usávamos saiote só do rituário, e então como a minha tia pegou a roupa e trouxe, e ela não faz, e entregou para minha tia mais velha, Elia, a minha tia mais velha se chamava Elia. E quando estávamos para voltar, os não indígenas nos fizeram correr dela, já não queriam que entrássemos ali. Assim deste tamanho era o senhor Xiru Hêhê, era o primeiro senhor, estava na rede na casa grande, quando a gente queria voltar já não deixava entrar. Disseram para voltar aqui.
Não é de vocês, disseram. Este já é nosso, disseram. Temos que trazer todos nossos animais, disseram. O que iriam trazer são as vacas, carneiro, cabrito, e já soltaram nas roças da minha avó. E quando voltamos o meu pai fez uma casa ali, não era grande, e era de lona. Depois veio um temporal, vento forte, chuva, e a minha mãe nos vestiu com lona para a gente não molhar, eu e meu irmão num canto, eles trouxeram quando vieram para plantar milho branco, e não era grande, só um pouquinho trouxeram, e guardaram assim, acima do fogo para que não comer o cupim.
Lá que a gente quer voltar, aqui a gente não se acostumou. A gente não está contente, não podemos ir para pescar, já não vemos mais a armadilha para o tatu e outros animais, já não a vemos, já há muito tempo queremos ir para se acostumar novamente.
Eu era criança quando viemos, provavelmente tinha oito anos. Só eu já lembrei muito bem como é que a gente veio, quando chegamos aqui a minha perna estava toda inchada, porque viemos caminhando. Viemos caminhando, e quando chegamos deram para nós macarrão, e nós não acostumamos de comer porque a nossa comida é bem antiga mesmo, de milho branco, e agora eles chamam de bolo, se faz chipa guasu, da batata-doce que ralou, e depois de seco mistura tudo, de aí, que ovu porã. Essas eram a nossa comida.
Eu vou sempre para ver o lugar onde eu nasci. Está todo mudado, muito diferente. Agora você vê só as plantações dos não indígenas, e ainda tem ali o que meu pai tinha plantado, como amora, ainda tem, mas está toda cultivada com as plantações dos não indígenas. Sempre eu vou, só que agora já não se pode entrar em qualquer momento ali, eles já não deixam.
Já não tem mais mato. Derrubaram tudo... Já não tem mais mato... Só é lavoura... Prantam milho e soja...
Eu morei só aqui depois que viemos. Só quando casei com o que vai o ñanderu, com o Jorge, que eu fui no tekoha dele, morei muito tempo lá em Pindo Roka. Ali vi o meu sogro e sogra prantaram muitas coisas e a suas lavouras são nativas mesmo, e quando tirou dela os trouxeram aqui também. Chegaram eles para que viessem aqui. Não só num lugar e por todas partes aconteceu isso, e ali morava com eles só o meu filho, o gordinho nasceu lá, tenho dois, a irmã dele nasceu lá, agora os outros já nasceram aqui, e como os fazendeiros mandaram eles sair dela vieram aqui meus sogros. Eles não queriam vir, tinha muitas lavouras, animais, não foi fácil para vir aqui. E como eles vieram nós também viemos, meu avô sempre falou para que a gente fique aqui, aqui os meus sobrinhos já cresceram.
Aqui já não é como antigamente: é muito pior, não estamos bem. Mudanças grandes. Em muitas coisas já não tem como o seu corpo ficar tranquilo, já não podemos, nós que somos rezadoras não podemos fazer ñevanga, às vezes para ensinar as crianças já é difícil, o seu corpo já é outro. Antigamente o nosso jeito de viver já foi desenhado para nosso jeito em cada tekoha. Como falou o ñanderu: quando volte no meu tekoha volverei a nascer novamente... E assim mesmo quando voltar à nossa terra voltará a batizar novamente aonde o nosso ñanderu morou, o lugar tradicional já é batizado. E por aí que os fazendeiros dizem como foi bem a nossa lavoura, deu fruta boa, não é assim, esse já foi batizado, abençoado, é por isso que se deu bem na lavoura e essas coisas que a gente quer trazer novamente a nossos netos, a nossos parentes. Então, é por aí que eu encontro que nós não vivemos bem aqui, parece que nosso corpo não gosta. Então é isso.
Aqui vivem só meus parentes.
Meus filhos, meus netos, eu já sou avó, já tenho bisneto, bisneta. Os meus parentes mesmos daqui até lá na entrada, lá tem até o asfalto, todos são de Kuchuiguy e do Pindo Roka, e agora aumentou muito e por isso que a gente já não tem nem para fazer a nossa roça. Precisamos dar um espaço bem pequeno para que eles possam fazer a sua casa. E para plantar não é fácil, então por aí que os mais velhos vão se preocupando. Eles levam sempre as suas tradições como a reza do Ñevanga, eles rezam, ensinam a seus filhos e netos, sempre eles ensinam, isso é o nosso jeito de ser mesmo. Então é assim.
Aqui a cidade fica muito perto de nós e nos aperta. Desse lado tem cidade também, desse lado também tem e nos aperta. E então se a gente vai ter que ir mesmo no dia a dia eu não vou, como se vou dar aula na universidade e se tem convite a gente vai. E para entrar sem convite eu não entro, só se dão para mim o convite é que vou. Então é assim. Se a gente vai daqui é