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Nightmare Project
Nightmare Project
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Ebook475 pages6 hours

Nightmare Project

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About this ebook

Alex Novac é um informante da policia federal. Afastado do cargo de inspetor, passou a atuar como detetive particular porém, logo passou a trabalhar para o crime organizado como delator.

Em meio ao sofrimento de insônias e terríveis enxaquecas causadas por perdas e amigos vitimados por assassinos e fugas em drogas e álcool; Alex se envolve num programa de controle dos sonhos, e descobre um mundo paralelo que reside no subconsciente das pessoas, que revive e imita a nossa realidade.

Nesse novo mundo Alex se sente renovado, encontrando um refugio para ele mesmo e passa a desvendar os mais difíceis casos da policia. Casos envolvendo os assassinos mais procurados e os crimes sem solução arquivados pelo Ministério Público. Mas esse mundo dos sonhos está repleto de entidades que refletem e se manifestam no mundo real através de crimes e acontecimentos considerados estranhos e de ordem sobrenatural. As entidades mais poderosas percebem o poder que Alex impõe no mundo dos sonhos e enxergam uma oportunidade para atravessar e percorrer o caminho inverso. Alex Novac pode ser o único que pode abrir essa ponte ou fechá-la para sempre.

LanguagePortuguês
Release dateJun 8, 2022
ISBN9781005592967
Nightmare Project
Author

Luke Negreiros

Autor independente, pós-graduado em literatura e artes aplicadas, foi professor universitário de redação e vencedor do III Concurso Cultural de Microcontos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - Campus Araraquara. Nascido e criado no interior de São Paulo por quase toda sua vida, cresceu sob forte influência da ficção científica e quando adulto, seguiu cultivando o desejo genuíno em escrever suas próprias histórias.

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    Nightmare Project - Luke Negreiros

    Copyright © 2021 por Luke Negreiros. Todos os direitos reservados. Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, empresas, locais ou eventos são puramente ficcionais e puramente coincidentes. Reprodução total ou em partes, dessa publicação, sem a autorização expressa e por escrito, é restrito e proibitivo.

    e-mail do autor:

    < lunegreiros@gmail.com >

    Sopa de Abóbora e Super Bacon

    Quem nunca, em tempos de friozinho pensa numa sopa quentinha e deliciosa? Já eu, fico pensando em comidinhas que possam agradar amigos, convidados e principalmente os meus queridinhos aqui de casa! Uhu! Com esse friozinho, o apetite aumenta e uma receita confort food é a melhor pedida… mas nem tudo são flores e, com a correria do dia-a-dia, sempre falta aquele tempinho para cozinhar. Para evitar o jacar(*) com besteirol, eu preparei uma sopa de abóbora com bacon que é a melhor pedida nesses dias de inverninho fora de época. O segredo é sempre ter uma abóbora guardada na geladeira. O que eu compro está embalada em saquinhos individuais pedindo para sair e servir os pratos. Com pacotinhos de 250gr. ou 500gr. fica fácil armazenar e deixar como um ás na manga. Verdade seja dita: Ela vai bem com qualquer coisa, mas o bacon sequinho e crocante dá aquele gostinho que só ele mesmo (rs)!

    Faça com carinho e me diga o que achou. Bjs bjs!

    Sopa de Abóbora e Bacon

    (2 porções bem servidas)

    500 g de abóbora cabotiá bem picadinha;

    200 ml de água (1 copo);

    1 dente de alho (pode ser pequeno);

    1 colher de sopa de azeite;

    4 colheres de sopa de bacon bem picadinho também.

    Fácil né! Pois, cozinhe as abóboras até desmanchar. Eu prefiro o vapor para manter os nutrientes e como vêm picadinhos, fica fácil controlar a maciez. O bacon parece que se prepara sozinho, com uma panela quente e um filete de azeite extra-virgem, eles já fazem o serviço. Reserve depois de frito e deixe secar. Use a mesma panela e frite o alho, mas sem dourar. Por fim, coloque as abóboras bem macias e misture bem. Acrescente água e vá misturando com aquele cuidado e sorriso que só você sabe fazer! Passe um mixer e faça a pasta com os pelotinhos. Volte para o fogo baixo e deixe encorpar um pouco. Aquele sal controlado, afinal não esqueça que ele vai receber o bacon e está pronto! Sirva com pão francês em fatias e receba elogios. Bjs bjs!

    ____________

    (*)ato de enfiar o pé na jaca no que diz respeito a comida.

    Imagine da seguinte forma: não é um sonho, porque é real. Eu sei disso porque estive lá. Acredite em mim; é real. Tão igual ao que você come no café da manhã, vai de carro para o trabalho ou mesmo beija seus filhos ao final do dia. Tão real quanto eu ou você; só que diferente.

    O que mais confunde é que por onde ando não é um lugar de fato; é um caminho. Pense num barco pequeno sobre um rio em chamas, mas não aquelas vermelhas com labaredas amarelas. Essas são negras e baixas. E por baixo delas há esse rio; repleto de cadáveres expelindo metano.

    Eu falo em sonho na falta de uma palavra mais apropriada. É um caminho que todos podem acessar, mas nem todos o percorrem por completo. Uma vez ou outra, algumas pessoas vão até o final. Descem pela correnteza e encontram uma passagem marcada por galhos de uma floresta escura e ainda assim, coberta por sombras. Onde a copa seca de galhos igualmente negros se curvam formando um arco.

    É muito escuro, a ponto de o barco sumir tão logo ele atravessa. É lá que as pessoas se perdem e quando saem, caso consigam, levam consigo uma parte da floresta. É logo ali; e como já disse, na falta de uma palavra mais apropriada, passei a chamá-lo de pesadelo.

    Anônimo

    1

    — Eu ainda sonho com aquele cais! — Disse a mulher de camisola encostada na cabeceira da cama exibindo suas olheiras enegrecidas. — Era verão e você me levou para um passeio. Aquele foi o final de tarde que você me pediu em casamento, lembra? Você estava tão nervoso e… Nossa, aquela marina era linda. Você esperou o sol se pôr para o céu ficar vermelho. Naquela época eu podia sonhar com o farol verde me guiando, o impossível da luz verde… piscando para mim.

    A mulher se ajeitou na cama e continuou:

    — Ali você me prometeu o mundo! Me disse que tudo seria meu; brincávamos que eu seria a sua rainha, me daria terras e a promessa de súditos para eu governar; e que me daria príncipes e princesas. Você me daria o mundo! Lembra?

    Apesar dos olhos marejados, a mulher não desviou o olhar.

    — Pois você me deu. Tudo e mais um pouco, meu amor. Muito além do que eu havia sonhado. Eu não poderia ser mais feliz... foi uma época maravilhosa! Não tenha dúvida!

    — …

    — Mas eu não posso mais. Não quero mais nada disso. — As maçãs do seu rosto se comprimiram em ódio. — Eu condeno tudo o que você me deu até agora. Eu dispenso essa sua obrigação em me agradar por toda a vida; eu liberto você de tudo!

    Sua voz ficou mais ríspida, subindo um tom mais grave e rouca à medida que terminava sua sentença.

    A mulher se inclinou mais à frente, na direção do seu companheiro de cama:

    — Não importa o que faça... agora ou depois; comece a amontoar corpos na minha porta se precisar, queime essa terra que me prometeu, mas traga o meu bebê de volta!

    * * *

    A madrugada vacilava no horizonte. Em pouco tempo seria tomada pela luz tênue da manhã. O frio pairava no alto, gelando o rosto e condensando gotículas em uma névoa fantasmagórica. Era assim todas as manhãs no pé da serra, mas aquela noite havia algo especial. A agitação dos homens, os dentes rangendo indicavam que a noite ainda dispunha de segredos escusos a serem revelados. Mistérios esses que sorriam às costas sob a ironia dos homens.

    Os faróis cortavam o nevoeiro denso, cruzando seus feixes, cegando quem estivesse à frente. Os motores das caminhonetes não amenizavam o rugido da combustão e as batidas dos pistões metálicos. Eram cavalos mecânicos galopando por sobre a terra desnivelada da fazenda. Os solavancos batiam na carroceria e o barro saltava por cima da lataria.

    O comboio era formado por três cavalos mecânicos; dois mais atrás seguindo o primeiro, o mais barulhento. Uma curva lamacenta jogou a carroceria para um dos lados, obrigando o motorista a reagir com uma manobra de equilíbrio. Os veículos saíram do terreno irregular ao cortarem a propriedade por um atalho invisível e retomaram o caminho estreito da única estrada que levava à entrada do casarão principal. A região pantanosa era traiçoeira para animais e veículos não preparados, de modo que o atalho percorrido pelos condutores demonstrava que conheciam a área.

    Os hectares foram contornados com urgência, tal como notícias trágicas que chegam em velocidade recordes.

    Fred estava sentado na lateral da cama, recobrando os esforços de um corpo rígido pelo tempo e abatido no coração.

    À medida que os motores urravam com a aproximação, Fred se preparava para mais uma investida de dúvidas e suspeitas. Fred sabia o que lhe esperava lá fora, mas preferiria mentir para ele mesmo a fim de atenuar as consequências de seus atos. Ele negava o destino ao mesmo tempo que aguardava o pior: A última notícia! A que nunca chega.

    Fred era a última fortaleza que impedia sua esposa de mergulhar no abismo da loucura e nunca mais sair. Ele era esse contraste de uma segurança inabalada por fora, porém corroía por dentro. Contudo, isso não o impedia de mentir uma vez mais, nas palavras e na atitude.

    Os três veículos passaram por um caminho estreito de terra, barro e gramíneas desgastadas no centro e nas laterais. Um acesso mais apertado que a trilha habitual, mas que logo se abriu num espaço amplo à frente.

    Fred se apoiou nos braços envelhecidos, ainda fortes e resilientes. Pela primeira vez naquela madrugada, sua voz rouca entonou pelo quarto escuro de madeira, revestidos por cortinas de seda em janelas largas.

    — Eu... tenho que ir agora.

    Sua esposa reforçou:

    — Você já fez o que tinha que fazer aqui.

    — Eu vou dar um jeito...

    — Não se atreva a me dizer o que eles fizeram ou deixaram de fazer… vá lá fora e traga ela de volta.

    Fred se calou diante da ordem de sua mulher e dele próprio. Estava ali para se alimentar de tal força, sugando um pouco de sua determinação. O que não significava que não possuísse ânimo ou firmeza qualquer, porém sua cota se esvaziava toda vez que acordava daquela forma; em dias normais um homem em sua posição transbordava segurança e convicção. A sua cobiça era banhar-se de toda força possível afinal, estava lidando com algo que não entendia. Era uma situação ímpar que, de acordo com seus últimos pesadelos, drenava sua força vital. Sugava cada gota de suor e lágrima, forçando-o à uma revisão de tudo o que ele acreditava ser ou existir como força superior e que, por capricho talvez, tenha moldado tudo à sua volta.

    Seu devaneio foi interrompido pela rispidez de sua esposa com suas ameaças; palavras que ficaria reverberando em sua mente pelos próximos dias e mais além. Por fim, ela disse:

    — Algumas almas não foram feitas para serem salvas!

    Fred complacente, esticou o braço para tocar sua mão. Ela recuou.

    — Todo mundo tem um papel nesse mundo. Vá e faça o que você tem que fazer. Não menos!

    As caminhonetes por fim chegaram até a abertura no campo cercada por estábulos, cocheiras nas laterais da propriedade, um casebre mais à frente e o grande casarão no centro do terreno. As edificações foram construídas sobre um elevado de terra não muito íngreme, o suficiente para colocá-lo no centro da atenção de qualquer um que surgisse pela estrada principal. Os cavalos mecânicos ultrapassaram a última linha dos cercados e diante dos portões abertos, mostravam todo o vigor das grades frontais angulosas. Na caçamba e nas latarias, homens brotavam. Agarrados nos apoios e no santo-antônio forrados por uma fileira de faróis acesos. Os feixes de luzes se cruzavam à frente, iluminando toda a extensão do casarão. Os homens portavam armas em riste, apontados para cima. Eles possuíam escopetas de caça em sua maioria, com canos longos e alguns chegaram a uivar para o alto. Cada um lidando com a excitação da caça a seu modo.

    Fred chegou à sala principal, toda revestida de madeira com decoração rupestre em tapetes com motivos geométricos e máscaras penduradas nas paredes. Por sobre a lareira havia um par de ganchos e uma espingarda boito calibre .20 com dois gatilhos. Abriu a culatra com destreza e municiou com dois cartuchos.

    Fred fez um leve movimento para cima, sentindo a robustez da arma e a empunhadura. Inspirou uma lufada de ar, destravou o mecanismo automático e se postou em direção à porta principal.

    As caminhonetes chegaram no mesmo instante em que a porta da frente do casarão se abriu. Os faróis inundaram a fachada criando um halo luminoso por volta do corpanzil de Fred. A lama das rodas havia revirado o gramado e os homens saltaram enérgicos para aterrissarem ao lado dos veículos. O bando estava reunido e a adrenalina pulsava nas veias que dilatavam nas têmporas daquela tropa.

    Fred se posicionou na varanda central por alguns segundos, vislumbrando o bando que se formou ali. Era o destino com suas engrenagens postas em movimento, colocando-o em rota de colisão com seu mais profundo medo; Era a promessa de um embate violento se aproximando, o encontro com a criatura que lhe tirava o sono. O juramento que ele próprio havia feito se aproximava a passos largos, ciente de seu cumprimento, comprometido com o destino; fosse para o bem ou para o mal.

    Fred estava preparado. Desceu da varanda com o semblante de uma liderança inabalada. Voltou-se para os homens com palavras de ordem:

    — Me levem até ele! Agora!

    2

    O comboio se embrenhou pela mata rasteira com seus cavalos mecânicos perfazendo o caminho de volta. Fred estava sentado no passageiro da caminhonete da frente. Ele e sua espingarda. Os demais homens se acomodaram nas caçambas e acenavam para os outros a trilha lamacenta do bosque.

    — Vai, vai!

    Aquela área era habitualmente percorrida por tratores e caminhões, o que dificultava o acesso à região. A planície estava irregular, mas era a lama do charque pantanoso que retardava a investida do bando. Mesmo os pneus encharcados, a lataria borrada, as botas marrons e toda a dificuldade da caça não abalava o grupo.

    O primeiro motorista colocou o braço para fora da janela e gesticulou com o restante do grupo logo atrás. Um dos capangas que estava no santo-antônio do veículo de trás, assinalou para a frente, em direção a uma abertura na planície. Eles estavam se aproximando. Havia uma irradiação luminosa no meio do pasto indicando o local; um outro gritou uma palavra de ordem cortando o ar, acenando um movimento circular por sobre a cabeça. Era o sinal para se manterem unidos e seguirem a caminhonete líder. O destino estava próximo. Os carros responderam com roncos de motores e conta-giros em disparada.

    A região foi açoitada por chuvas torrenciais nos últimos dias, com uma trégua no dia anterior. O clima serrano úmido predominava e trazia em sua companhia as precipitações constantes daqueles meses de inverno. O vento cortava o rosto e pequenas lâminas de gelo fendiam a aparência já maltratados pelo tempo e pelo estilo de vida.

    A certa distância do ponto luminoso, um homem empunhava uma espingarda para o alto. Ele aguardava o comboio quando ergueu a palma da mão para ser visto e para se proteger dos faróis altos.

    Ele segurava com os pés a porteira larga enquanto os veículos atravessavam em meio a sinais com a cabeça. Fred não tirava os olhos das curvas sinuosas até o topo. As batidas na lateral da porta, davam os sinais de toque mais rápido como um muxoxo tocando cavalos no pasto. A esquerda do comboio, por cima dos montes pontiagudos da serra que se estendiam pelo horizonte, cabeças de gado já despertos presenciavam toda a movimentação.

    Os veículos continuaram a subida e alguns solavancos até se aproximarem de mais um agrupamento de homens. A região era comumente mais plana e propício para o pasto bovino. Uma área incomum para a região de pé de serra.

    A luz branca dos refletores de halogêneo refletia nas poças de água que se acumulavam ao longo do aclive suave até que por fim, estacionaram no pasto.

    As passadas estavam pesadas e o frio provocava dor nas articulações. Nada que atrapalhasse a determinação de caçadores experientes. Os homens desceram das caçambas em sincronia espartana e se dirigiram para uma abertura na planície molhada, onde outros dois homens estavam agachados, olhando para o centro circular que se formava no terreno.

    Um deles logo se ergueu e caminhou em direção à Fred. Ele arrumou o chapéu de vaqueiro tirando gotículas de cerração que acumulavam nas abas. Era Ilídio, um dos mais velhos e confiáveis homens de Fred. Ele não portava arma naquele momento e gesticulou alguma coisa para que o seu bando se posicionasse. Andaram até certo ponto e pararam, somente Fred continuou sua caminhada até Ilídio.

    — Fiquem por aqui. — Ilídio disse para os outros. Voltando sua atenção para Fred, ele completou. — O perímetro está formado. Nada sairá daqui sem que a gente saiba.

    — Como da última vez? Isso não basta!

    Ilídio abaixou a cabeça.

    O céu irradiava uma luminescência azulada ao fundo, por trás dos morros que se erguiam até se transformarem em serra. A neblina era mais presente ali, naquela altitude.

    Fred olhou para os lados. Tentou imaginar a circunstância em que aquilo havia sido encontrado. Era uma tentativa de se reconectar com a natureza, a única testemunha e talvez, perceber algo que seus homens ainda não se deram conta. Algo que lhe explicasse os acontecimentos dos últimos dias; dos achados, dos corpos, das carcaças.

    — Por aqui. — Disse Ilídio. — Siga os meus passos. Exatamente! Pise somente onde os meus pés pisaram… isso é importante.

    E assim Fred fez, olhando para a relva coberta por uma bruma esbranquiçada. Qualquer movimento fora da trilha feita pelos homens de Fred, estragaria qualquer tentativa de ler pegadas de animais selvagens em um possível frenesi. Era importante a obediência dos procedimentos para rastrear a ameaça. O chão forrado de gotículas infinitas e brancas, criavam uma espécie de folha de papel carbono. Só que branca. Qualquer movimento registraria pegadas de quem quer que fosse… ou o quê fosse o predador da noite.

    Um terceiro homem se posicionava próximo de uma abertura na relva, agachado como se olhasse para rastros de animais. Era o único que empunhava arma. Ele também se levantou e acenou com a cabeça. Seu semblante era mais sério. Atemorizado com a situação. De fato, a medida que se aproximava do cerco, a atmosfera aparentava mais densa, pesada e dificultando a respiração. Um estática de energia o incomodou, fazendo-o coçar seu ouvido.

    — Está aqui? — Perguntou Fred.

    — Não! — Respondeu o segundo capanga. — Mas encontramos uma coisa.

    Olhando para baixo, com o temor que a situação exigia.

    Ele continuou:

    — Temos mais um…

    — Ataque! — Completou Fred.

    — …

    — Temos um carregamento chegando, reservamos um pessoal para garantir que a troca ocorra como planejado…

    Ilídio prestava atenção nas palavras de Fred.

    — …E convenientemente, foi justo nessa época que tudo começou!

    Fred deu mais dois passos em direção a abertura que os homens circundavam. Os capangas mais próximos formavam um círculo diante do insólito, do estranho e do repugnante. Seu rosto se contraiu em repulsa. Ele tirou um lenço que tinha no bolso e colocou no nariz, cobrindo a boca por extensão.

    Olhava para o monte de pele e gordura remexido no chão. Uma imagem visceral se mostrou com ossos descarnados.

    — Deixem o rádio ligado… Os outros já seguiram pelo rancho até o riacho, por ali… como o combinado. — Ilídio apontou para um dos lados.

    Ele dava as ordens naquele momento e os homens obedeciam de prontidão. Na ausência das exigências de Fred, Ilídio tomava conta da situação e garantia a ordem. Alguns homens se afastaram para garantir o cumprimento das determinações. O plano tinha que seguir adiante.

    Um capanga se aproximou de Fred e orientou para que ele pisasse nas marcas pelo chão:

    — Por aqui…

    Fred ficou bem próximo, andando pela linha marcada por pegadas anteriores.

    Recobrou as palavras, murmurando:

    — Como eles conseguem fazer isso?

    — Só ande por aqui. Nessa linha.

    Ilídio se aproximou por trás, seguindo as mesmas orientações de antes:

    — São marcas; as mesmas de ontem! A abertura do tórax… a retirada de órgãos, acredito! Vamos saber mais depois que o doutor examinar…

    — Já foi chamado?

    — Ele nem teve tempo de sair!

    — Ótimo. Melhor assim. Mantenha ele aqui. Quero ele por perto. — Disse Fred mais enfático que antes.

    Ilídio continuou:

    — Esse tem marcas no pescoço e alguns arranhões nas patas. Deve ter sido derrubado por aqui mesmo.

    A mutilação era incrivelmente semelhante ao acontecido da noite anterior. A criatura estava revirada no que parecia estar deitado para cima — Nenhuma criatura morre e fica assim… com as patas, ou onde estariam as patas, erguidas para o céu. — Não havia sinais de luta; sequer o sangue esguichou para muito longe daquele cerco. A gordura parecia derretida e transbordava pelas bordas e muita carne estava enegrecida pelo frio. Cauterizada e depois coberta de gelo. A cabeça estava desnuda e faltavam-lhe os globos oculares. A língua parecia dilacerada para os lados e a mandíbula aberta.

    Fred:

    Derrubado; aqui? Estamos… o quê? A trezentos metros da propriedade do Gomes?

    — Sim.

    — E onde ele está? — Perguntou Fred.

    Ilídio deu um pigarro.

    — Ele ainda não voltou.

    — Tudo bem. Vamos cuidar de tudo.

    Fred olhou para um amontoado de ossos quebrados e revirados por dentro do corpo aberto, perto do pescoço um corte do peito até a mandíbula.

    — O que é isso?

    Ilídio se aproximou, equilibrando-se nas pernas enfraquecidas, apertou as sobrancelhas e apontou a lanterna. Uma cavidade que se formou abaixo da pele grossa saltou aos olhos. Havia uma curva branca, como uma bola de beisebol, porém feito de um material orgânico. Branco como cal. Ele revirou com a ponta de uma caneta até surgiram dentes caninos e molares em uma fileira bizarra. Era uma mandíbula dentro do crânio. — Isso não faz o menor sentido. — Falavam em confissões. — Uma mordida não pode quebrar a mandíbula e ficar assim! — Os dois se afastaram, desistindo de qualquer razão; deixando que as explicações fossem dadas pelo veterinário encarregado.

    Um segundo homem ergueu-se ao lado de Fred e Ilídio. Deu uma bufada de consternação e por fim falou:

    — Ontem foi uma potra de poucos anos… e agora um bovino de 800 quilos! Isso não foi obra de coiote e não existem lobos ou pumas… isso…

    — O sangue. Cadê o sangue? — Retomou Fred, ainda sem desviar o olhar da carcaça.

    O único sangue que esparramava perto da carcaça, provinha dos músculos do bicho, pois não havia poças de nenhuma espécie no entorno. Um corpo daquele porte possui cerca de doze litros de sangue, líquido que não aparece encharcando o terreno. Tampouco permanecia na vasta rede de veias e artérias. Havia um dreno realizado perfeitamente em campo aberto; Fred e seus homens se ergueram e ficaram encarando a inflação do corpo mutilado.

    Em uma vista de cima, a corpulência e toda a estrutura física do animal havia sido dilacerada de modo radial, como uma explosão de dentro. Porém os restos não haviam sido expelidos com vigor, havia uma inteligência ali, um método cirúrgico em cada incisão. Não era obra de um predador simples, as marcas que circundavam os restos mortais eram pegadas humanas feitas pelos próprios fazendeiros.

    Fred, sem se mover, olhou brevemente ao seu redor. Era algo que ele havia reparado e resolveu compartilhar para não ter que lidar com isso em seus mais profundos pesadelos.

    Ele olhou para o alto e murmurou:

    — Vocês encontraram algum rastro do ataque? … Pois, se não há marcas ao redor… de onde eles vieram?

    3

    Alex Novac se enrolava em seu sobretudo. Protegido da garoa que caía do lado de fora, abriu a porta de modo vigoroso e entrou sem tirar os olhos do chão. Ele chacoalhou a gola para os lados como um cachorro tirando o excesso de água dos pelos.

    — Droga! — Resmungou sozinho. — Essa noite não foi das melhores.

    Seu escritório ficava no centro velho da cidade, próximo do seu apartamento igualmente velho. O ar carregado de mofo e cigarro de dias pairava no ar. Inerte. Nada que pudesse entregar uma visita inesperada.

    Ela estava debaixo da sombra, no canto do único cômodo da saleta improvisada com divisórias tão finas quanto cartolinas. Uma mera formalidade arquitetônica que indicava qualquer impossibilidade de reforma sem alvará.

    — Não repare… Ah! Que se dane, também! Eu não costumo receber visitas, senhora… — Alex pendurou a capa e olhou para o relógio com um curioso desprezo. Ele voltou sua atenção para a silhueta que se levantou da cadeira rangida de madeira velha.

    — Senhorita! — Corrigindo ao observar o corpo esguio da mulher que cresceu à sua frente.

    — Senhora, mesmo! — Ela corrigiu de volta.

    Ela fumava, contribuindo para a atmosfera cinzenta que se misturava com a poluição da cidade. Ela estendeu a mão num cumprimento desleixado e formal.

    — Eu não recebo muitas visitas… — Reparando que já havia dito isso, Alex recobrou da surpresa inicial. — Geralmente elas me ligam. Entende?!

    — Não se preocupe, senhor Alex!

    — Então… Me diz o que é tão urgente assim? — E murmurou — …que a fizesse entrar sem a minha presença.

    Alex olhou para o corredor condenando o zelador antes de fechar a porta em definitivo.

    Aquela mulher era de uma constituição simples. Não era jovem, carregava alguns anos bem vividos no canto dos olhos. Tão logo se aproximou, inclinou-se para apagar o cigarro no cinzeiro. Alex foi atraído pelo movimento e sem muito esforço, passou os olhos de cima a baixo, num movimento que acompanhou a silhueta. Alex se animou com as curvas trabalhadas da cintura e sentiu um leve nervosismo apertando a garganta e o peito. Um leve palpitar na altura do coração. Ela possuía uma musculatura esculpida de trabalho físico, não aquela gordura flácida das madames do centro. Ela era diferente. Uma simplicidade que o cativou, que o fisgou com aqueles olhos verdes marejados que denunciavam a urgência.

    — Serena! Me chame de Serena.

    — Claro! — Retribuiu Alex. — Sente-se, por favor!

    Ela vestia roupas também simples, em contraste com a costura bem-feita e limpa. Não era um simples no sentido pobre do termo, era uma simplicidade que demonstrava uma necessidade em não ser notada. Segurava uma bolsa grande por debaixo do ombro. Usava um chapéu batido dos lados que escondia uma cabeleira amarela amarrada no topo. Seu jeito não combinava com desleixo, pelo contrário. Alex concluiu que ela se impôs daquela forma para não ser vista nas ruas. Uma olhadela para baixo e seu rosto sumia nas abas do chapéu. Alex conhecia o tipo de mulher que queria o anonimato; daquelas que atuam nas sombras quando todas as alternativas se esgotam. Os poucos acessórios, brincos e anéis, eram triviais, de uma elegância sem extravagância. Perfeito para o seu corpo, vestido costurado na medida de cada curva e metais nas extremidades mais expostas do corpanzil natural. Uma mulher assim, não era qualquer mulher.

    Alex piscou mais firme tentando interromper a leitura que fazia; seu corpo, postura, trejeitos e sua beleza mansa e afastada. Era costume seu determinar o perfil do interlocutor, vícios adquiridos na academia de polícia que lhe renderam sua alcunha de cachorro-brabo-não-larga-o-osso.

    — Pois bem. Me diga, Serena. O que te trouxe até mim?

    Alex baforou um desinteresse pelo assunto. Sua experiência lhe dizia que as estórias mudam de personagens com uma leve alteração na trama, mas os objetivos são sempre os mesmos. Provas de infidelidade irrefutáveis em sua maioria, guerra de posse, guarda de filhos, pensões…

    Ela parou por um segundo ou dois, recobrou sua sensatez escondendo a emoção e olhou para Alex. Sua beleza voltou a incomodá-lo; crua, natural. Ela não era produzida por camadas de cosméticos, nem acessórios tribais. Não havia uma falsidade de imagem. Alex passou a temer que ela se desmanchasse em lágrimas. Ele não era conselheiro matrimonial, sequer psicólogo, portanto… — Se atenha aos fatos e objetivos claros. Sem muito rodeio. — Tamanho era o seu esforço para se conter na objetividade. Contudo, havia algo de diferente naquela mulher. Não era hesitação por uma vergonha alheia às camadas da alta sociedade. Era um terror genuíno que saltava em seus olhos. Não havia nela a necessidade de seduzir homens, sua convicção era o comando para que eles a obedecessem. Com semblante sério e a voz mais rouca de quando entrou, falou firme e chorosa. Uma firmeza que fez Alex congelar de atenção.

    — Você conhece bem a estória que vou lhe contar.

    — …

    — Certa vez, uma garotinha… — ela suspirou — Quem a visse, logo se encantava por ela, assim como ela também gostava de todos.

    Alex se recostou na poltrona e sua indiferença pela estória foi se esvaindo. Ela continuou:

    — Certa vez ela foi presenteada com um capuz e nunca mais o tirou.

    Houve um breve silêncio onde Alex meneou a cabeça em concordância. Segurou um sorriso por aquilo que ela estava fazendo. Sua curiosidade residia no motivo daquilo tudo. Antes que ela continuasse, apertou as têmporas com os dedos em pequenos movimentos circulares.

    — Certo dia, essa garotinha carregou uma sacola de suprimentos e foi caminhar pela floresta que circulava a propriedade de seus pais. Em toda a sua ingenuidade, ela sondava cada planta no caminho, cada graminha curvada… até os insetos paravam para olhar. Quisera eles alertá-la, mas ela não ouviria de jeito nenhum… E assim, se meteu no meio da floresta.

    Alex não tirava os olhos daquela mulher e a sala, no seu entorno, parecia ficar mais escuro. Aqueles olhos verdes penetravam como balas e o som abafado cedia ao feitiço de uma boa estória de terror.

    — Foi lá que ela se encontrou com o lobo! Sim, um lobo perverso, mas que aos olhos da inocência o transformara em um mero habitante da floresta. Ele era, de fato, mais um morador daquela natureza intocada como tantos outros texugos, coelhos e joaninhas.

    Alex sorriu contido.

    — Coagida pela malandragem do bicho, a garotinha pouco a pouco foi contando toda a sua vida. Seus afazeres, a vida de seus pais, as rotinas e suas obrigações. Os olhos de cobiça brilhavam por sobre a garotinha. O animal salivava pela delicadeza de um aperitivo delicioso. A carne amaciada pelo temor, o tempero que a inocência provoca em suas presas. E assim ele a conduziu pela floresta, perguntando pelo caminho de três carvalhos e uma casa de nogueiras. Ela disse que conhecia o local e lá foram. Os raios do sol dançavam por entre as árvores, rodeados por uma grande quantidade de lindas flores. Ela recolhia, uma a uma. Adentrando-se mais e mais na floresta.

    — …

    — Pois não se engane, o lobo comeu a garotinha, sim! Apesar do caçador passar todos os dias, tudo aquilo acontecer debaixo do seu nariz. Um dia, por mero acaso e nada mais, resolveu visitar aquela casa de nogueiras. Ao avistar o lobo, cortou-lhe a barriga e retirou a garotinha.

    Alex apertou o cenho mas resolveu ficar em silêncio por mais alguns instantes.

    — Por fim, eles encheram sua barriga de pedras e o lobo morreu por um trambolhão. De fato, o caçador estava à procura da garotinha e conhecia a reputação daquela floresta e seus perigos. Ele se culpou pois, apesar do treinamento, nunca estamos de fato preparados, não é mesmo?!

    Mais alguns segundos e Alex retomou a conversa.

    — Muito bem! Me parece que você não quer o divórcio?

    — Não se trata disso. — Ela abriu a bolsa e retirou a única coisa que havia lá dentro. Um envelope pardo gordo que parecia guardar um calhamaço de papéis moeda. Ela fez questão de apontar para baixo, onde havia um malote muito maior, grosso e denso com dezenas de folhas. Talvez centenas.

    — Aqui está tudo o que eu recolhi até então!

    Alex sentiu o peso do pacote sobre a mesa e logo refez os movimentos circulares sobre a têmpora.

    — Me desculpe… Selena!

    — Serena!

    — É. Ok! Me deixe… só um momentinho, por favor. — Com as sobrancelhas contraídas, reduzindo o campo de visão e impedindo que a luz ambiente entrasse como agulhas na base dos globos oculares.

    Alex se levantou.

    — Está tudo bem, senhor Alex?

    — Sim, me desculpe… — Ele remexeu nos bolsos — é só… uma noite mal dormida.

    Ele retirou um frasco de medicamentos branco, abriu a tampa e despejou duas cápsulas sobre a palma da mão. Ele procurou algo líquido que pudesse ajudá-lo, mas não encontrou. Engoliu forçadamente com um solavanco de pescoço e voltou a se sentar.

    — É, bem! É isso então. Está tudo aqui?

    — Sim!

    — Você sabe que deixando esse material, não lhe garanto nada! Eu ainda posso recusar o trabalho.

    Ela devolveu com um silêncio.

    — Eu suponho que está à procura de alguém?

    Alex ainda estava desnorteado pela enxaqueca do dia anterior e pela estória que acabara de ouvir. Ainda assimilando que aquilo era completamente diferente de tudo que havia lhe acontecido recentemente.

    Serena se levantou e caminhou em direção a porta. Despediu-se com o menear da cabeça e se virou. Ela mesmo, abriu a porta do escritório e ao passar pelo batente, se deteve por um instante.

    Alex se aproximou por trás:

    — Porque não chama a polícia, em casos de desaparecimento eles possuem meios mais, digamos, oficiais.

    Alex se referia a termos legais para procurar pessoas desaparecidas. Ela se voltou para ele com aquele olhar:

    — Nem tudo se parece como nos contos de fadas. Eu não posso recorrer aos meios convencionais para questões não-convencionais, senhor Alex!

    Questões extremas exigem decisões extremas, Alex conhecia o provérbio.

    — Eu não posso chamar a polícia, senhor Alex! Pois não sei se eles são o caçador ou o lobo dessa estória!

    Alex sentiu o gélido sopro de almas percorrer seu corpo em cada ramificação nervosa do seu sistema nervoso. Seus pelos eriçaram. O que ela queria dizer com aquilo era algo realmente verdadeiro. Alex já viveu essa verdade, mas esse conhecimento era o tipo de coisa que somente as pessoas atoladas na lama até o pescoço é que sabiam. Não havia um lugar comum em que você fizesse tais acusações sem consequências que ameaçassem sua segurança. E, de fato, aquele olhar o fez imaginar que tipo de pessoa era aquela mulher. Que segredos ela escondia e que papel ela desempenhava nessa estória de conto de fadas. Quem usaria o gorro vermelho dali adiante? O fato dela ter procurado Alex era um indicativo forte da ilegalidade que sugeriu, mas isso não validava o que ela disse a pouco.

    — Não podemos confiar em ninguém, senhor Alex.

    Alex olhou para ela procurando indícios de uma autoafirmação ou uma referência a ele próprio.

    — Mas existem momentos em que devemos nos arriscar. — Ela completou. — Caso contrário, não conseguimos o que queremos.

    — Não sei se posso lhe ajudar, senhora Serena!

    — Ache ela para mim! O dossiê que eu lhe dei… —

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