Construindo o "Direito à Cidade"? Das ruas à luta institucional: uma experiência na Secretaria do Patrimônio da União do Rio de Janeiro (2009-2013)
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Construindo o "Direito à Cidade"? Das ruas à luta institucional - Francine Ferman Bezerra Cavalcanti
INTRODUÇÃO A POLÍTICA URBANA BRASILEIRA A PARTIR DO ESTATUTO DA CIDADE: UM LONGO CAMINHO ENTRE OS AVANÇOS LEGAIS E A PRÁTICA POLÍTICA
A política urbana brasileira foi marcada nas últimas décadas por avanços institucionais estruturados em torno da função social da cidade e da propriedade², do reconhecimento dos direitos de posse de milhões de moradores/as de favelas e periferias das cidades e da incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios sobre esta política. Com a Constituição Federal de 1988 e, posteriormente consolidadas com a aprovação da Lei Federal 10.257/2001 -Estatuto da Cidade - as diretrizes acima apontadas passaram a compor a chamada agenda da reforma urbana
, cujos principais atores foram os movimentos populares, as organizações não governamentais, as associações de classe e instituições acadêmicas e de pesquisa organizadas em torno da defesa da gestão democrática
e da promoção do "direito à cidade. Esta
agenda" passou a contar, assim, com novos parâmetros de ordenamento e desenvolvimento das cidades, que por sua vez, garantiram aos cidadãos brasileiros, do ponto de vista técnico e normativo, instrumentos para conquista de benefícios coletivos e comuns, bem como de negociação com o poder público.
Entretanto, mais de dez anos se passaram da aprovação do Estatuto, e o discurso sobre cidade, neste instrumento jurídico-urbanístico ali consolidado, se tornou repetitivo e pouco explicativo em relação às práticas políticas em atuação hoje. Por outro lado, nesta mesma década, o Brasil viveu e vive ainda mais intensamente, hoje, uma avalanche de tendências ‘globais’ e ‘globalizantes’ de produção socioespacial de cidades, em prol do ‘desenvolvimento urbano’, assentado em valores liberais e individualistas ao extremo.
‘Globais’ e ‘globalizantes’, porque parto aqui do princípio dialético Lefebvriano de que o espaço social condiciona ao mesmo tempo em que é condicionado pelas relações sociais. A perspectiva de Lefebre, (1981), neste sentido, ajuda a compreender as tendências de gestão e planejamento de cidades criadas para atender ao mercado financeiro mundial, (a cidade mercadoria de Vainer, 2000), como um processo de instituição de valores sociais que determinam a produção de novas formas políticas, econômicas e culturais de relações sociais no espaço urbano.
Preocupo-me, então, com essas novas formas de produção socioespacial porque enxergo potencialidades a serem exploradas para se entender o paradigma do direito à cidade.
Isso porque se eu me detiver a uma análise puramente do ponto de vista normativo, da lei, do ‘nomos’, (Castoriadis, 1992, 2002, 2004), caio na armadilha da ‘racionalidade instrumental’, (Habermas, J. [1987b]), já que os alicerces da filosofia política do ‘Estado Democrático de Direito’³ é assentado no liberalismo e individualismo. Por isso também é que recorro à Filosofia, já que Habermas, (1987b), me ajudou a perceber que a leitura instrumental do ‘Direito’ está assentada numa racionalidade, cuja ação social é uma ação estratégica, orientada para a busca da eficiência, usualmente contendo uma dimensão de dominação e manipulação. (Habermas, J. [1987b]). O autor me ajudou também a compreender que a política, enquanto um ‘processo’ o qual se institui a sociedade, pode ser entendida para além da ‘racionalidade instrumental’, já que esta, de modo algum, é a única modalidade de racionalidade.
A ‘racionalidade comunicativa’, (Habermas, J. [1987b]), que não é uma forma menos importante de racionalidade, pode ser fundamento de uma discussão racional a propósito dos próprios fins, já que é orientada para a busca do entendimento comunicacional, demandando liberdade e equidade de participação⁴. Busco, então, esse aporte filosófico para compreender a contradição da política urbana brasileira comprometida com o direito à cidade, já que "(...) é a falta da compreensão da política, na sua dimensão ontológica⁵, que origina nossa atual incapacidade de se pensar politicamente". (Mouffe, 2007, pág. 16).
Assim, se por um lado o aparelho do Estado⁶ brasileiro reconheceu direitos individuais e coletivos no âmbito da vida urbana, através de instrumentos jurídico-urbanísticos como foi o processo decorrente da aprovação do Estatuto da Cidade, de outro, a realidade das cidades brasileiras, historicamente nos prova que a ‘prática’ de se fazer valer a lei, que a princípio, garantiria o direito à cidade, passa acima de tudo, por uma ‘prática’ de luta, na qual a sociedade civil se vê obrigada a organizar-se e pressionar por garantias de seus direitos.
Entender, assim, os pressupostos da contradição em torno do paradigma do direito à cidade se torna fundamental para evitar práticas ditas ‘democráticas’, como a assinalada por Rolnik, (1997), que desde então, já apontava preocupação com o que denominou de ideologia da outorga.
Falar em ideologia da outorga significa dizer que o ato fundador da cidadania é uma relação de doação do aparelho de Estado ao povo, e neste sentido, "o poder de dar cria naquele que recebe a consciência de uma obrigação de retribuir, como uma responsabilidade política de natureza ética. (Rolnik, 1997, pág. 93)". Ainda segundo a autora, tal prática é tendenciosamente utilizada para o desmantelamento de qualquer tentativa de organização social, como se o direto à cidade, a todos seus cidadãos, não fosse um dever. Isso porque ao criar no cidadão a consciência de uma obrigação de retribuir
, destitui-se a obrigação que, originalmente, é do aparelho de Estado em garantir justiça e qualidade de vida a todos na cidade.
Além disso, considerando que a organização de uma sociedade se estabelece para decidir sobre os fins de uma prática política, o ato de doação do aparelho de Estado ao povo acaba ‘escondendo’ que a sociedade é sim, um ator importante da produção espacial urbana.
É por isso que, como bem afirma Souza, (2006), não se deve atribuir somente às leis e às técnicas a capacidade de se instaurar maior justiça social ou de criar condições para uma melhor qualidade de vida nas cidades. No final das contas, a questão é essencialmente política, ou seja, justiça e qualidade de vida dependem, em primeiro lugar, de quem está decidindo sobre os fins do planejamento e da gestão das cidades. "Depositar muitas expectativas em planos, leis e técnicas em si, deixando em segundo plano a análise da dinâmica da sociedade, é incorrer em um contraditório ‘tecnocratismo de esquerda’ ⁷" (Souza, 2006, pág. 33)
O autor ainda nos mostra que viabilizar a implementação e mesmo a elaboração de instrumentos e planos com conteúdo emancipatório e alcance redistributivo, muito especialmente na sociedade brasileira, na qual há leis que ‘pegam’ e outras que não ‘pegam’, depende da pressão popular e da capacidade da sociedade civil monitorar e fiscalizar o cumprimento delas. Perceba o leitor, assim, como o planejamento e a gestão urbanos têm a ver com a democracia. Mas de que democracia está se falando?
É preciso aqui, que se entenda o que consiste em ‘democracia’, mais uma vez, para além da visão normativa. O que justifica mais um flerte com a Filosofia, desta vez, com Cornélius Castoriadis, filósofo greco-francês, contemporâneo da corrente de pensamento conhecida como ‘libertária’ (entre 1960 e 2000), na medida em que adotava a ‘autonomia’ como horizonte político.
Aprofundo no decorrer da pesquisa no que consiste o projeto autonomista castoriadiano, e o pensamento libertário, mas o que é importante que o leitor entenda neste momento, é que se trata de uma perspectiva política, (‘política’ entendida aqui, repito, enquanto o modo o qual se institui a sociedade, através de suas relações sociais e instâncias de poder existentes), estadocrítica
, (Souza, 2010).
Em linhas gerais, para Souza, (2010), a perspectiva estadocrítica
.
(...) ao mesmo tempo em que se incorporam uma crítica e uma prudência essenciais em relação ao aparelho de Estado, aceita-se que é impossível, simplesmente, ignorá-lo, ou mesmo desconhecer que iniciativas estatais ou patrocinadas pelo Estado podem, às vezes, (via de regra quando fruto de pressão de baixo para cima), ter efeitos potencialmente positivos para a luta emancipatória.
(Souza, 2010, pág. 27)
Não se trata assim de um olhar que visa a ‘tomada do Estado’ ou como o autor denomina de estadocentrismo
, nem tampouco o olhar anarquista clássico, mais estadofóbico
. Esse falso dilema é para o autor visceral, pois impede que se dialetize a relação entre ganhos modestos e grandes avanços, ou ainda, articular melhor estrutura e conjuntura, estratégia e tática, curto prazo e longo prazo.
(Souza, 2012, pág. 16).
Neste sentido é que busco ‘costurar’ referências teóricas, políticas e filosóficas para tentar compreender a complexa relação entre os avanços legais e as práticas políticas institucionais. O que me move nessa busca? A inconformação a um discurso vigente entre os gestores urbanos, que me persegue desde que passei no concurso público federal para atuar no cargo de geógrafa da Secretaria do Patrimônio da União, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em 2006. O discurso de que a distância entre a teoria e a prática é um abismo, e que uma coisa é um intelectual da academia e suas reflexões, outra é a ‘vida real’, a forma como a política é operada
.
A experiência como servidora, desde então, inconformada com o modus operandi da administração pública, sempre me fez questionar a forma como é operada a política institucional da SPU, fato que nunca foi bem recebido entre meus superiores. Fui percebendo, aos poucos, o quanto esse discurso do ‘abismo’ entre a teoria e a prática política justificava uma postura profissional de não reconhecimento da relevância da contribuição do pensamento científico para a política pública, somada a uma postura de se fazer ‘calar’ a minha voz, com tentativas sucessivas de subestimar meus questionamentos. Isso, sem contar as vezes que me foi negado o acesso a informações importantes para meu desempenho como técnica, e posteriormente, como mestranda.
Hoje, percebo que meus questionamentos vão de encontro à lógica instrumental do pensamento estratégico da prática política institucional. Então, a presente pesquisa, tem para mim, uma importância política muito forte, uma vez que assumo o desafio de tentar compreender ‘esse abismo’ entre a teoria e a prática política institucional.
Reconheço também ao leitor, que os desejos de liberdade, de utopia, de esperança, de amor transbordam minha sede de conhecimento. Sou assumidamente militante pelo direito à cidade, a luz da questão da moradia, desde meus tempos de graduação em geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro⁸. Neste sentido, aprendi que a reflexão e a prática política são obviamente momentos diferenciados, mas estritamente interdependentes, como dois lados da mesma moeda. Em outras palavras, quero expor ao leitor, que o estudo que se pretende aqui é alimentado e retroalimentado pela minha práxis, ou seja, pela minha experiência vivida enquanto profissional, enquanto servidora pública da instituição do governo federal (Secretaria do Patrimônio da União), enquanto ativista, enquanto pesquisadora, enquanto cidadã.
Partindo então, do entendimento de Poulantzas, (1985), sobre o aparelho de Estado: uma condensação de relações de forças entre classes e frações de classes, e mais amplamente entre grupos sociais
, (Poulantzas, 1985, pág. 147), começo a traçar a diretriz que se norteia a presente pesquisa. Somo aqui as reflexões de Souza, (2006a), sobre os conteúdos políticos concretos das práticas institucionais do Estado, derivados largamente das correlações de forças existentes nas sociedades. Neste sentido, Souza, (2006a), me ajuda a enxergar que estruturalmente, o aparelho de Estado serve à assimetria de poder e à ‘heteronomia’, entendida na perspectiva castoriadiana, como uma situação em que o ‘nomos’, (normas, regras, convenções sociais e leis que regem uma coletividade) é definida basicamente por alguns indivíduos, classes ou grupos dirigentes e não pelo conjunto dos que estarão sujeitos a ele. É uma relação em que se estabelece uma clara distinção estrutural entre dirigentes e dirigidos. Refletir sobre processos democráticos nestes marcos, está fadado a correlações de forças entre classes, frações de classes, e mais amplamente entre grupos sociais, submetidas aos riscos de cooptação, dominação, subordinação.
Todavia, o mesmo autor chama a atenção que a estrutura do aparelho de Estado pode apresentar fissuras, oscilações maiores ou menores, a depender de certas conjunturas políticas. E por isso, ensina que a prática política institucional deve ser analisada combinando elementos mais estruturantes com outros, mais conjunturais de análise.
Neste sentido, problematizo a aparente contradição em torno do paradigma do direito à cidade, a partir das correlações de forças que geraram a política federal de destinação dos imóveis da União, considerados vazios e subutilizados, à habitação de interesse social. Partindo do período pós-Estatuto da Cidade, em que se ampliam canais normativos estruturados em torno da função social da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos de posse da população de maior déficit habitacional do país⁹, e da incorporação direta dos cidadãos aos processos decisórios das políticas públicas, analiso a prática institucional da política de habitação de interesse social da SPU como consequência direta de um longo processo de demanda política e social por moradia.
É assim que se criam o Grupo de Trabalho Nacional de HIS, (habitação de interesse social), da SPU, lotado no órgão central, em Brasília e os Grupos Estaduais, gerados, a princípio, para dar uma dimensão mais local, com maior foco à disputa de interesses entre o movimento social de luta por moradia, mais conhecido como movimento sem-teto¹⁰, e o projeto de ‘desenvolvimento urbano’¹¹, (Souza, 2006a), ‘global’ e globalizante de produção socioespacial da cidade mercadoria, (Vainer, 2000). Ao menos é o que se compromete a Secretaria do Patrimônio da União ao aprovar a Lei Federal n.º 11.481/2007 – Lei de Regularização Fundiária em Terras da União: contribuição jurídica e normativa para a obrigação do cumprimento da função social da propriedade pública, associadas às responsabilidades do Estado brasileiro para com a sociedade, no intuito de reduzir as desigualdades sociopolítico-espacialmente produzidas.
A dinâmica do GTE da SPU no Rio de Janeiro é, neste sentido, o recorte de conjuntura que pretendo estudar, uma vez que pude vivenciá-la a partir de minha atuação profissional, responsável pela identificação dos imóveis vazios e subutilizados na zona portuária carioca, entre o período de sua criação, em 2009, até minha mudança para Bahia, início de 2010. É importante frisar também, que a cidade do Rio de Janeiro, foi por muitos anos, o meu ‘lugar’, o espaço onde eu nasci, foi vivido por mim e dotado de significado; um espaço no qual eu haveria de encontrar o meu papel, a minha posição, o meu lugar no mundo. E quando passei no concurso do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para atuar na Secretaria do Patrimônio da União, tudo começou a fazer mais sentido em minha vida...
Meu papel enquanto colaboradora de um ‘devir’ realmente público, ou seja, direcionado a quem reivindica, questiona, luta por seus direitos, no caso aqui, o direito à cidade a partir da questão da moradia, me aproximou do movimento sem-teto carioca, fortaleceu nossas relações de amizade e apoio mútuo, e mais profundamente, fez de mim também, um ator, sujeito¹² , (Souza Jr, 2008) do processo que pretendo estudar.
Trouxe em mim um exercício democrático diferente das práticas vigentes, alimentou a utopia de processos mais justos e transparentes de políticas públicas que visem o respeito à autonomia individual e coletiva dos cidadãos. Por isso também que opto por estudar a política de habitação de interesse social da SPU a partir da atuação do movimento sem-teto carioca no GTE-RJ. É porque compartilho do pensamento de Santos, (1981), de que os movimentos sociais são um caminho de mudança social que a partir do caráter urbano e local, reconhecem que essa mudança deve ser referida a um quadro político maior, mais complexo
. (Santos, 1981, pág. 214).
Neste sentido é que explorarei a relação entre o ‘caráter urbano e local’ do movimento sem-teto carioca na zona portuária, mais especificamente, no cotidiano de suas práticas espaciais (ações diretas) e a correlação de forças dos representantes destes movimentos na luta institucional por imóveis públicos para habitação de interesse social no GTE da SPU.
Parto do princípio teórico-político e filosófico sobre cidades, construído pelo geógrafo carioca Marcelo Lopes de Souza, por contribuir na valorização da análise sobre a dimensão da ‘ação direta’, uma vez ser nela, e a partir dela, que se estabelecem, se fortalecem, se constroem relações entre a ação social e sua espacialidade, elementos fundantes para entender a diferença entre a democracia nos marcos do ‘Estado Democrático de Direito’ e a que almejam o pensamento e a práxis libertária. (Souza, 2006a, 2010). A especificidade da ‘ação direta’ carioca traz para a presente pesquisa, exemplos de construção democrática para além do que norteiam os princípios liberais de construção de direitos, motivo pelo qual traçarei um recorte especial para as práticas políticas de uma fração do movimento sem-teto carioca, que prescinde de vínculos institucionais partidários e de entidades, o que não significa de modo algum, um isolamento político. Considerando o foco na fração do movimento sem-teto desassociado das estruturas verticalizadas e fortemente hierarquizadas de prática política, tentarei analisar também a relação entre esta fração com outros movimentos sociais de luta por moradia, reconhecidos nacionalmente.
Neste sentido, proponho, como objetivo geral, compreender a relação entre a ‘ação direta’, (Souza, [2006a]), e a ‘luta institucional’, (Souza, [2006a]), do movimento sem-teto carioca, tomando como referência o papel e a dinâmica conjuntural do GTE-RJ da Secretaria do Patrimônio da União, entre 2009 e 2013. O olhar o qual proponho compreender essa pretensa dualidade, é o olhar das entidades deste movimento social, que atuam no Rio de Janeiro e participaram do GTE da SPU neste período: União por Moradia Popular - UMP, Central de Movimentos Populares - CMP e Movimento Nacional de Luta por Moradia – MNLM. Este, empiricamente, é meu estudo de caso. Além disso, tomando por base a contribuição teórica, política e filosófica, assentada no projeto autonomista castoriadiano, procuro compreender a dualidade ‘ação direta’ e ‘luta institucional’, de uma fração deste movimento social, cujo exercício democrático não é reconhecido pelo ‘Estado Democrático de Direito’.
Para atender a estes propósitos, adoto como objetivos específicos:
1º) Identificar a conjuntura política carioca de gestão democrática do patrimônio da União, do ponto de vista da ‘ação-direta’ (práticas espaciais) do movimento sem-teto, partícipe no GTE-RJ, com recorte especial para sua fração libertária. (contextualização histórica e política desta fração).
2º) Identificar esta mesma conjuntura política, do ponto de vista da ‘luta institucional’ do movimento sem-teto, no âmbito da participação das entidades UMP, CMP e MNLM, no GTE-RJ da SPU, com o também recorte especial para sua fração libertária.
3º) Problematizar a política federal da Secretaria do Patrimônio da União de destinação de seus imóveis vazios e subutilizados para habitação de interesse social, a partir das correlações de forças geradas entre o movimento sem-teto e o aparelho de Estado, no papel da SPU e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, neste contexto.
4º) Averiguar a possibilidade de se descobrir o caráter político-pedagógico da autonomia¹³, (Souza, [2006a]), na construção do ‘direito à cidade’.
No que se refere ao conteúdo dos capítulos, aprofundo com o leitor, no primeiro, meu referencial teórico, político e filosófico. Problematizo a concepção moderna de ‘política’ e ‘democracia’, moldada a partir de um princípio que fundamenta o ‘Estado Democrático de Direito’: o princípio da representação. Para isso, teço diálogos conceituais entre Arendt, (2012 [1950]), Castoriadis, (1982, 1983, 1985, [1987-1992], 2002 e 2004), Souza, (2006a), e Hardt & Negri, (2005). Pincelo também, reflexões sobre poder em Foucault, (1984 [1979], 1986 [1975], 2008 [1978]), Arendt, (1983) e (2012[1950]), e Castoriadis, (1982, 1983, 1985, [1987-1992], 2002 e 2004), para conduzir o leitor ao entendimento do que seria ‘heteronomia’ e sua situação radicalmente oposta: o projeto autonomista do pensamento libertário castoriadiano.
Ainda no primeiro capítulo, apresento um debate sobre o paradigma do direito à cidade, trazendo reflexões do pensamento libertário, (Bookchin, [1995, 1998], Bookchin, Boino, & Enckell, [2003], e Souza, [1998, 2006a, 2010b, 2012]), para explicar as limitações da leitura instrumental e privatista deste direito, apontadas pela jurista brasileira Mattos, (2006).
Finalizo o primeiro capítulo com uma preocupação particular de explicar ao leitor o que se entende por movimento sem-teto no Brasil e seu papel na construção de caminhos pela garantia do direito à cidade, a luz da questão da moradia. Aprofundo, neste sentido, a reflexão sobre as práticas políticas deste ‘sujeito’, (Souza Jr, 2008) da política urbana brasileira, tanto do ponto de vista da ‘luta institucional’, quanto da ‘ação direta’, (Souza, 2010a, 2011b e 2012), a partir da aproximação de meu estudo de caso. Recorto e analiso assim, a percepção de cada participante do GTE da SPU no Rio de Janeiro, ligado ao segmento social do movimento sem-teto, sobre o entendimento destes dois conceitos apresentados pelo geógrafo carioca, e vividos por eles ao participar da política federal de habitação de interesse social.
O segundo capítulo é essencialmente metodológico. A partir de categorias de análise elaboradas por Swartz, (1968), apud Santos, (1981), mas também suplementadas por Bourdieu, (2004), Bourdieu & Wacquant, (1992), e Olivier de Sardan, (1995), analiso a correlação de forças tensionadas na ‘luta institucional’ e na ‘ação direta’ do movimento sem-teto carioca atuante no GTE da SPU, a partir das noções de ‘campo’ e ‘arena’. Outros elementos de análise, utilizados por Santos, (1981), são também apresentados neste capítulo, como ‘evento mobilizador’, ‘instituição’, ‘catalisador’, e ‘luta’, na medida em que eu os identifico como ‘ideias-instrumentos’, Santos, (1981), úteis para a análise empírica de meu estudo de caso. Aponto ainda meus instrumentos metodológicos de coleta de dados, com base nas ideias de Kidder, (1987a, 1987b), Grandi, (2010) apud Almeida, (2011), entrevistas direcionadas ao movimento sem-teto carioca partícipe do GTE da SPU, mas também a alguns gestores urbanos, lotados tanto na Secretaria do Patrimônio da União no Rio de Janeiro e em Brasília, como na Prefeitura Municipal carioca. Por fim, apresento minhas fontes secundárias enriquecidas com preocupações ligadas à análise de discurso, (Fairclough, 2001), uma vez que as palavras têm poder na produção de cidades.
O terceiro capítulo inicia, mais substancialmente, a análise empírica do estudo de caso. Identifico, neste momento, a conjuntura política de gestão ‘democrática’ do patrimônio da União, do ponto de vista da ação-direta
(práticas espaciais) do movimento sem-teto carioca, representados no GTE - RJ da SPU, na zona portuária da cidade, com um recorte especial para a fração deste movimento, identificado com as práticas libertárias. De um panorama socioespacial da zona portuária carioca ao estudo aprofundado de como operam a política urbana brasileira na região, a intenção deste capítulo é apresentar a ‘luta do movimento sem-teto pelo direito à cidade encontrada nas ruas’.
O quarto capítulo complementa a análise empírica da pesquisa, apresentando a conjuntura política de gestão ‘democrática’ do patrimônio da União à luz da participação dos representantes do movimento sem-teto no GTE-RJ da SPU, mais propriamente, a partir da ‘luta institucional’ destes sujeitos. Aqui, problematizo a política federal da Secretaria do Patrimônio da União de destinação de seus imóveis vazios e subutilizados para habitação de interesse social, a partir das correlações de forças geradas entre o movimento sem-teto carioca e o aparelho de Estado, no papel da SPU e Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Apresento também suas potencialidades e limitações, tanto a partir de uma análise estrutural, quanto de conjuntura, como ensina o geógrafo Souza, (2006a). Mais uma vez, teço um recorte para a participação da fração libertária do movimento sem-teto, na tentativa de atender ao meu último objetivo específico, vale dizer, averiguar a possibilidade de se descobrir o caráter político-pedagógico da autonomia castoriadiana na construção do ‘direito à cidade’.
Por fim, as considerações finais pretendem trazer um balanço geral das potencialidades, limites e contradições da práxis e pensamentos libertários, na perspectiva metodológica de Santos, (1981). Afinal de contas, as idéias-instrumento servem para o uso? Onde estão seus limites? Até onde é recomendável sua aplicação?
(Santos, 1981, pág. 189). É o que tentarei descobrir.
2 A nova ordem jurídico-urbanística da Constituição de 1988 é estruturante para o princípio da função social da propriedade e da cidade, pois é a partir dela que se garante e legitima o exercício da propriedade, desde que intrinsecamente condicionado ao atendimento de sua função social. Mattos (2006) nos mostra que para atender à função social, a propriedade deve andar junto com interesses coletivos, sem, no entanto, se sobrepor a eles. Sua exigência afeta a propriedade em sua estrutura, condicionando o próprio direito e não apenas o seu exercício, constituindo-se assim num princípio de transformação da propriedade capitalista, a partir de um olhar pluralista deste conceito. A função social da propriedade carrega, assim, não somente uma natureza jurídica – de princípio jurídico-constitucional, mas também política, ideológica e social, como de resto todas as demais normas de qualquer sistema jurídico. Neste sentido, a propriedade passa a ser funcionalizada a outros princípios constitucionais fundamentais e fundantes da República brasileira, tais como a dignidade da pessoa humana, a erradicação da pobreza, a distribuição de renda, a redução da desigualdade, a solidariedade, entre outros.
(Mattos , 2006, pág. 118).
3 No Brasil, a democracia no ‘Estado Democrático de Direito’ é chamada de democracia