Como vencer um debate tendo razão: Por uma ética do debate racional
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Em um mundo repleto de informações, opiniões e discussões acaloradas, está cada vez mais difícil participar de debates minimamente saudáveis, sobretudo nas redes sociais. Repetidamente, nos vemos embrenhados em batalhas verbais, empunhando palavras afiadas e ofensas em que um lado sai vencedor – e o outro, destruído.
Mas a verdade é que, para além do conforto que um simples diálogo pode proporcionar, um debate saudável e racional é capaz de trazer uma vasta troca de ideias, novos conhecimentos e – por que não? – até mudança de opinião.
É por isso que, neste livro, Henry Bugalho resgata a tradição da filosofia ocidental, baseada no pensamento racional e crítico, para mostrar como identificar argumentações falhas, falácias lógicas, informações incorretas e agentes maliciosos. E também oferece um guia prático de como conceber um argumento bem elaborado, com clareza, persuasão e, acima de tudo, ética para que você possa vencer um debate no qual tenha, sim, razão.
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Como vencer um debate tendo razão - Henry Bugalho
A ética do debate
PARTE I
1. Vencer o debate ou não? Eis a questão!
Eu me recordo de um tempo – aliás, não muito distante – quando ainda era possível se sentar à mesa com alguém de quem discordássemos em praticamente tudo e, mesmo assim, ter uma conversa racional e aprendermos um com o outro.
Isso se chama diálogo. Numa época de polarização ideológica e política, como já se sucedeu em outros períodos históricos, a prática acaba sendo substituída por acusações e ofensas, o que fatalmente termina por vetar qualquer tipo de troca intelectual genuína entre duas ou mais pessoas.
Diálogos não são necessariamente debates. Um diálogo não precisa nem sequer ser amistoso, já que, mesmo entre amigos, temas mais espinhosos podem inflamar os ânimos. No entanto, um diálogo pressupõe pelo menos dois interlocutores, cada um expressando suas ideias quando lhe é cedida a palavra. Mesmo quando é movido mais pelas paixões, um diálogo pressupõe igualdade moral entre as pessoas; ambas fazem parte de uma atividade tipicamente humana e social, que envolve a criação de laços e o aprimoramento de relações, embora também possa levar à sua corrosão, uma vez que a comunicação é um profuso manancial de mal-entendidos.
Na filosofia, a forma do diálogo foi utilizada magistralmente por Platão como um recurso pedagógico sobre como ele compreendia, sendo um bom discípulo de Sócrates, a maneira pela qual se dava a busca pela verdade. Dois ou mais personagens se deparavam com indagações monumentais e, guiados por Sócrates, navegavam por um mar de incertezas, constantemente sendo fustigados pelas perguntas ou considerações perturbadoras que o filósofo lhes dirigia.
Já muito cedo na história da filosofia, os pensadores compreenderam que o percurso das ideias – aqui vou me recusar à falsa e fácil noção de progresso – ocorria justamente nesse embate entre posições diferentes, naquilo que chamaremos de debate, ou, para sermos mais precisos, de dialética, a busca consciente, por intermédio da argumentação racional, da verdade sobre determinado tópico.
Pois um debate é justamente isto: ideias e posições em disputa.
Então, imagine dois amigos sentados à mesa de um bar discutindo assuntos altamente controversos e para os quais a maioria de nós não tem uma resposta satisfatoriamente definitiva: aborto, pena de morte, eutanásia, vida após a morte, a existência de Deus (ou deuses), se somos livres ou não, o que é a justiça ou a verdade, ou seja, perguntas que assolaram pensadores desde tempos imemoriais e que continuarão a ser objeto de impasse no futuro. Um dos amigos adota uma posição; o outro, a contrária; e cada um, reunindo os argumentos que lhes parecem os mais coerentes e fatuais possíveis, emitem seus vereditos.
O objetivo de um debate desses é o convencimento do outro, partindo, obviamente, da crença de que eu tenho a razão quando se trata deste assunto em particular, de que eu sei qual é a verdade ou, pelo menos, de que eu tenho elementos convincentes o suficiente para poder afirmar que meu veredito é o mais próximo da verdade à qual podemos chegar neste momento. Mas a outra parte está convencida da mesma coisa.
Vemos, portanto, que o grande desafio de um debate como esse é provar que o outro está errado a partir de duas táticas principais:
1. Demonstrar que as premissas e/ou a conclusão da outra pessoa estão erradas, isto é, são falsas.
2. Provar que a argumentação do interlocutor é falha, ou seja, que a conclusão não se segue das premissas.[5]
No primeiro caso, precisamos nos concentrar nas provas ou evidências apresentadas como base para as premissas ou para a conclusão. Por exemplo, alguém afirma que, com base em certos estudos, temos fortes indícios de que a pena capital reduz crimes hediondos. Cabe ao debatedor questionar a validade de tais estudos (possivelmente apresentando outros que não estabeleçam os mesmos indícios), ou mesmo pôr em dúvida se há algum tipo de relação causal, isto é, se podemos concluir que a redução dos crimes hediondos não pode ser consequência de outras causas que não tenham nenhuma relação com a pena de morte.
Já no segundo caso, a dúvida não se volta para a verdade ou falsidade da afirmação a respeito da redução dos crimes, mas sim para a composição do argumento, se a conclusão (a redução dos crimes) se segue da punição (pena capital).
Mesmo sendo uma disputa de ideias, um debate não é, nem precisa ser, uma briga para estabelecer quem é superior, então a própria noção de vencer um debate
é por si só bastante bizarra, pois teria como objetivo implícito derrotar o outro, independentemente de terem avançado rumo à apreensão da verdade. Portanto, se você estiver se deparando com um debate cuja finalidade explícita é saber quem venceu ou perdeu, saiba que é uma