A Inveja das Aves
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About this ebook
Revela uma complexa ligação de pensamentos e visões, por vezes antagónicas, projectadas pela introspecção e pelo isolamento, longe da Arena das Falas.
Será a solidão apenas uma avenida de escombros e uma negra ave que flutua na vida de um indivíduo, uma sombra que entorpece e o torna anónimo? Poderá esta ser, também, um porto seguro, um refúgio perante a acelerada e vertiginosa vida em sociedade? E o silêncio que dela brota – é a fonte de paz que todo o ser humano procura ou da loucura que dentro de si mesmo encontra? Pode um ser ser dois?
Nesta obra encontramos o retrato dos pensamentos num mundo ausente, onde pairam questões ancestrais sobre o sentido da sociedade, da nacionalidade, da pertença, do tempo. Uma metamorfose que nos convida à hipnose histórica e social do poema-manifesto “EXODOS”.
Que o dom do silêncio convoque o fogo em vós.
Iv. Christian Marr's
Nasceu no ano de 1993, em Roterdão, nos Países Baixos, com o nome de Ivano Christian Marreiros. Desde cedo se deixou deslumbrar pela História, Música e Literatura. Os laços familiares com a cultura portuguesa e os primeiros anos de vida levaram-no a adoptar duas línguas-mãe: o português e o neerlandês. Mudou-se para Portugal com os seus pais em 2000 e, na sua infância e adolescência, começou a delinear o seu futuro. Iniciou os estudos musicais aos nove anos de idade, no piano. Mais tarde, enveredou pela prática e estudo da guitarra, do baixo e de outros instrumentos, com professores particulares, entre os quais se destacam o baixista Ricardo Dikk e o multi-instrumentista Ruben Monteiro. Paralelamente, passou a dedicar-se também à escrita de poesia em português e inglês durante o ensino secundário e universitário. O seu percurso em Línguas e Humanidades resultou numa licenciatura em História, pela Universidade Nova de Lisboa, em 2014. No mesmo ano, e após participação noutras bandas, integrou o projecto musical Albaluna, no qual desempenha até aos dias de hoje o papel de baixista e letrista.
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Book preview
A Inveja das Aves - Iv. Christian Marr's
Christian Marr’s é detentor de uma enorme capacidade de composição poética harmoniosa, subtil e encadeada, demonstrando, também, um enorme conhecimento de variadas métricas e construções seguindo cânones de diferentes tradições e escolas na sua poesia. Reconhece-se, também, uma sensibilidade atenta não só aos sentimentos pessoais como à forma como a sociedade se relaciona no vasto mundo em que habita. Há na sua poesia uma permanente preocupação com o seu mundo, mas também com a sua relação social.
Em A Inveja das Aves, mais do que um exercício de catábase e catarse pessoal, o autor revela um grande domínio da construção poética, numa selecção rica e cuidada de palavras e estruturas frásicas, fazendo com que o leitor se deleite no decorrer da leitura e se questione também. Nesta obra o autor transporta o leitor para o seu universo com uma elegância permanente.
E porque na poesia há uma necessidade de registar sentimentos, momentos infinitos e finitos, Christian Marr’s eterniza a sua obra desta forma: elegante, um retrato de si mesmo.
Ruben Monteiro
A consciência é ao mesmo tempo fonte de liberdade e uma prisão a que o Humano está sujeito. Por sermos cientes e sencientes estamos condenados a um aqui-e-agora de pés assentes no chão. Talvez por isso desde tempos imemoriais invejamos as aves. Porque estas voam como não voamos, porque nos parece livre esse voo e, sobretudo, porque nelas imaginamos a perspetiva omnividente de uma divindade.
Neste primeiro livro de Christian Marr’s há um voo, por vezes sinuoso, que sobe às alturas em evocações de deuses e heróis, mas desce às profundezas da nostalgia e do questionamento de se ser. Esta é uma voz poética que é ao mesmo tempo nova – afinal trata-se da primeira obra de um jovem escritor – e antiga, porque nos leva a revisitar estilos e formas ancestrais de transformar a palavra em poema.
Entre a perspetiva altaneira de quem observa o percurso de uma humanidade inteira em Exodos
e o recolhimento trágico-romântico de Negra ave flutuante
mergulhamos em voo picado nos abismos da mente e nas grandes questões de sempre: quem somos? o que aqui fazemos? como é que a morte define a vida?
Questões tão antigas como a inveja das aves…
Pedro Fortunato
Nota Introdutória
A solidão não tem de ser uma maldição.
Dita-o o contexto, a subjectividade de cada indivíduo e a sua circunstância. Muitas vezes incompreendida, ela é quase sempre tomada como um abandono, um desenquadramento, uma exclusão forçada ou abraçada, cosida com fios de timidez e depressão. E não digo que não o possa ser, mas falta-nos esquecer o nosso moralismo social e virar a medalha. Estar só e em silêncio pode levar-nos a locais e ideias nunca antes vistos ou imaginados. Pode proporcionar-nos uma reflexão mais sensata. Pode inspirar-nos. Nem sempre estar só é sinónimo de estar sozinho, e podemos optar pela companhia dos nossos mais íntimos pensamentos. E este é muitas vezes o meu caso.
Não venho aqui fazer a apologia da solidão, erguendo o dedo nervoso contra a vida em sociedade e a obrigatoriedade da interacção. Longe de mim. Prezo demasiado uma conversa sobre história ou música, um afincado debate ideológico ou um espectáculo intenso. Prova-o também o meu fascínio por metrópoles, algumas delas estonteantemente agitadas. Isto é sim sobre o equilíbrio. O também gostar da paz bucólica dos campos, de admirar a velha luz das estrelas num vácuo sonoro. De encontrar o dom do silêncio com outra pessoa. Sim, aquela rara obra de arte equilibrista na qual encontramos o ponto perfeito que distingue um silêncio constrangedor de um poder estar em silêncio pois toda a atmosfera em torno o permite e promove. Nesse, uma palavra soa como um terramoto.
Regressando ao que escrevia anteriormente, estou muitas vezes acompanhado apenas pela incessante miríade de pensamentos que me atravessa. Ocorre, também, estar rodeado de pessoas e sentir-me só; outras vezes, posso estar sozinho, e sentir-me acompanhado e entretido. Até porque muitos pensamentos me surpreendem e por vezes penso de onde veio isto agora?
. Calma, chamemos-lhe apenas overthinking.
Apesar de serem também influenciados por conversas e reflexões conjuntas, estes poemas e estas ideias são, na verdade, um resultado de todos estes processos e estados solitários. Desenvolvem-se e multiplicam-se nessa solidão. Mas lá está, não é universal ou dogmático. É assim, para mim. Eu sou eu e a minha circunstância
, diria Ortega y Gasset. Aplica-se a mim e à minha condição, e talvez represente também alguém que venha a ler estas palavras. Foi por este motivo que escolhi a imagem que ilustra a capa deste livro, da autoria do fabuloso fotógrafo norueguês Svein Nordrum. Isto é o que eu sinto, dentro da minha cabeça. Estar só num espaço interminável, com todas as direcções e forças disponíveis. Com tanto para explorar e integrar na pequena pessoa que afinal sou no meio de tudo isto. Posso encontrar-me no meio de uma multidão, em palco, num café, em casa, em viagem. Porém, aquele momento em que o mundo se torna ausente e tudo converge num pensamento irrompe e usurpa o trono da consciência. Foca-se numa observação. E as vozes à minha volta parecem passar a sussurrar para que eu consiga pensar melhor.
Sempre tive a sensação de que em inglês se consegue distinguir melhor o que em português propomos como só
e sozinho
que, podendo não significar exactamente o mesmo, são bem mais difíceis de distanciar. Apesar de na língua anglo- -saxónica os termos também não estarem completamente isentos de uma conotação semelhante, to be alone não é o mesmo que to be lonely. Alone indica principalmente estar fisicamente