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A Ordem
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Ebook623 pages8 hours

A Ordem

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About this ebook

O presidente dos Estados Unidos, um agente do FBI e um soldado da máfia nova-iorquina têm seus destinos unidos após uma sequência de atentados terroristas e ameaças que abalam as estruturas americanas. Richard Voight, poucos meses antes de pleitear sua reeleição, vê o país sofrer com o terror de dois ataques terroristas e depara-se com ameaças de um misterioso inimigo, disposto a qualquer coisa para impedir seu avanço político e diplomático. Glenn Marshall, um sagaz agente da divisão criminal do FBI, em meio às investigações dos ataques terroristas, resolve seguir seu próprio faro em busca de novas pistas. Sua sede por respostas acaba levando-o a uma imensa rede de conspiração e perigo, obrigando-o a decidir por sua própria vida e de seus companheiros. John Moore é um jovem sem rumo que acabou por trilhar um caminho no mundo do crime. Enfrentando fraquezas e lembranças de seus próprios erros, se vê prestes a perder a única coisa importante que conquistou: sua esposa. Numa torrente de perigos, ele precisa superar seus limites para sobreviver e enfrentar a decisão mais difícil de sua vida. Imersos numa envolvente trama de terríveis acontecimentos, os três irão descobrir a dura realidade por detrás dos bastidores das sociedades. Três realidades distintas, numa corrida contra o tempo para descobrir a verdade, e quem sabe, sobreviver...
LanguagePortuguês
Release dateDec 30, 2014
A Ordem

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    Book preview

    A Ordem - Diego Andrade

    A Ordem

    O Limiar de um Pesadelo

    Diego Andrade

    Ficha Técnica

    Título: A Ordem - O Limiar de um Pesadelo

    Autor: Diego Andrade

    Design de Capa: Diego Andrade 

    Revisão: Eliana da Silva e Souza

    Edição do Autor

    ©2017, Diego Andrade

    Todos os direitos reservados de acordo com a legislação em vigor

    Dedico

    À minha família, base de tudo o que sou e serei.

       A Juliana, minha esposa, que sempre me apoiou em meus sonhos loucos.

    Ao Rafael, um amigo que creu desde o início, antes mesmo de mim. Ao Kaio, pela paciência de encarar um calhamaço ante à vida corrida de nossos dias. A Joyce, pela prontidão em me auxiliar com sinceridade. Ao Guilherme Nery, pois um bom professor inspira além dos próprios ensinamentos.

    Muito obrigado.

    A diferença entre ficção e realidade?

    Ficção tem que fazer sentido.

    Tom Clancy

    Sumário

    Parte 1

    Capítulo 1

    Capítulo 2

    Capítulo 3

    Capítulo 4

    Capítulo 5

    Capítulo 6

    Capítulo 7

    Capítulo 8

    Capítulo 9

    Capítulo 10

    Capítulo 11

    Capítulo 12

    Capítulo 13

    Capítulo 14

    Capítulo 15

    Capítulo 16

    Parte 2

    Capítulo 17

    Capítulo 18

    Capítulo 19

    Capítulo 20

    Capítulo 21

    Capítulo 22

    Capítulo 23

    Capítulo 24

    Capítulo 25

    Capítulo 26

    Parte 3

    Capítulo 27

    Capítulo 28

    Capítulo 29

    Capítulo 30

    Capítulo 31

    Capítulo 32

    Capítulo 33

    Capítulo 34

    Capítulo 35

    Capítulo 36

    Parte 4

    Capítulo 37

    Capítulo 38

    Capítulo 39

    Capítulo 40

    Capítulo 41

    Capítulo 42

    Capítulo 43

    Capítulo 44

    Capítulo 45

    Capítulo 46

    Parte 5

    Capítulo 47

    Capítulo 48

    Capítulo 49

    Capítulo 50

    Capítulo 51

    Capítulo 52

    Capítulo 53

    Capítulo 54

    Capítulo 55

    Capítulo 56

    Capítulo 57

    Parte 6

    Capítulo 58

    Capítulo 59

    Capítulo 60

    Capítulo 61

    Capítulo 62

    Capítulo 63

    Capítulo 64

    Capítulo 65

    Apêndice

    Nota do Autor

    Prefácio

    Eu sempre fui acostumado a ler sobre livros de crimes e mistérios dos lendários Hercule Poirot e Sherlock Holmes. E foi em 2005 que, pela primeira vez, eu havia descoberto um livro de um autor contemporâneo e que prometia em suas obras muito mistério e um envolvente thriller policial.

    Humm, o elemento thriller era novidade para mim, pois tanto Agatha Christie quanto Arthur Conan Doyle possuíam uma narrativa mais cadenciada.

    E Dan Brown me apresentou, em sua obra prima Código Da Vinci, uma narrativa dinâmica, interessante e profunda. Gostei tanto que eu não conseguia parar de ler o livro. Fiquei hipnotizado e não conseguia parar de ler.

    Dez anos se passaram. E fui surpreendido pelo Diego, quando ele chegou a mim pra falar que estava escrevendo um livro e queria muito que eu lesse.

    Para quem ainda não conhece, o Diego é praticamente um artista completo. Um rapaz muito talentoso para música, ilustrações manuais e digitais, design e, agora, parecia inclinado para a escrita.

    Topei o desafio e resolvi acompanhar de perto cada processo de construção da A Ordem. E veio a primeira leva. Os 3 primeiros capítulos chegaram à minha mão e fui ler. Confesso que iniciei a leitura de forma despretenciosa.

    Ao chegar na terceira página de leitura, eu estava completamente em transe com o que estava lendo. Afinal, de cara o Diego já nos dá um tapa na cara e insere um super elemento misterioso que nos deixa completamente envolvidos na trama.

    Eu ainda não sabia, mas já sentia: estava diante de uma grande obra da literatura brasileira.

    Não, não estou exagerando só porque sou amigo do Diego. Sou uma pessoa muito crítica e, para algo me agradar, eu tenho que ver uma qualidade genuína.

    E eu vi essa qualidade na forma envolvente em como a história e contada, nos ótimos personagens, na trama profunda e repleta de mistérios e surpresas.

    Fui recebendo cada vez mais pedaços da história e eu ficava maluco da minha cabeça toda vez que terminava a leitura. Era angustiante não ter o complemento daquela trama em mãos. Era muita expectativa com John, o presidente e com o Glenn!!

    Ao receber a parte final do livro, li em velocidade recorde. A história estava boa demais para esperar. Eu precisava saber o que estava acontecendo e o que eram aquelas sucessões de mistérios envolvendo a Casa Branca.

    E magistralmente, Diego encerra a obra com uma história de segurar o fôlego! Grandes revelações, grandes dilemas encarados por personagens e um enorme gostinho de quero mais!

    Ok, eu sei que você está louco pra pular esse prefácio e começar a leitura deste livro. E eu prometo ser breve neste meu recado.

    Mas ainda não terminei. Pois que ainda tenho coisas importantes a lhe apresentar.

    Uma, por exemplo, é a forma como você deve ler esta obra. Apenas uma sugestão, mas convém considerar.

    Por se tratar de uma história dinâmica e leitura fluídica, você não vai querer parar de ler. Então esteja preparado para ler por algumas horas a fio. Acomode-se em um lugar confortável e silencioso.

    O livro é tenso em alguns momentos, então prepare-se para fortes emoções em diversos momentos da trama.

    Certamente você vai querer fazer inferências do que está acontecendo. Eu fiz várias! Se isso acontecer, não se policie. Vai em frente, pois essa é uma das mais ricas experiências que você vai ter com a leitura de A Ordem.

    Eu tenho certeza que, após conhecer as aventuras de Glenn, John e cia, você vai pedir biz. E eu, assim como você, vou endossar este couro e ficar na torcida para ver novas tramas dentro desse universo fantástico criado pelo Diego.

    Bom, agora eu me despeço de você e te entrego o que eu já considero uma das minhas melhores leituras do ano.

    Seja bem vindo a este fantástico universo da conspiração inteligente!

    Grande abraço e te vejo por aí.

    Rafael Cruz

    O mundo é uma tragédia teatral,

    só sabe a real verdade

    quem está nos seus bastidores.

    Nada desperta mais adrenalina que a possibilidade da morte. A sua certeza acaba por ser um pouco lúgubre, pois carrega consigo certa melancolia, a sensação de perda que transforma a adrenalina espalhada no sangue em algo próximo ao pavor. Mas quando morrer é ainda uma possibilidade, há um frescor, uma ansiedade extraordinária em ter sucesso na sua escapatória, em vencer aquela possibilidade e sair ileso.

    Até os suicidas no fundo sentem uma certa ansiedade desse tipo, uma utopia de que à beira do ato fatal alguma resposta inesperada, talvez até metafísica, surgirá ao seu encontro e trará livramento daquele desespero.

    Há ainda outra situação. Quando a pessoa não deseja morrer, mas encara uma missão suicida. É quando o sucesso a ser alcançado transcende a sobrevivência. É inexplicável. E era assim que ele se sentia naquele momento.

    O corredor acarpetado era macio, confortável no caminhar, não tanto para correr, mas o ajudou a mover-se silenciosamente em direção à comitiva. Os homens não perceberiam nada, não fosse um infeliz que gritou do outro lado do corredor, ao vê-lo correndo em direção ao presidente com uma arma na mão. Isso realmente era algo incomum e pôs o treinamento daqueles agentes à prova, quando, todos eles, puxaram suas armas no instante em que abriam os olhos.

    O presidente virou-se para ver do que se tratava, mas seus guardiões não perderam tempo em começar a puxá-lo em direção ao elevador que se abria. Mesmo assim, àquela distância, um tiro seu seria certeiro. Tão certeiro quanto os de cada agente de segurança que responderiam em sua direção. Tão certeiro quanto seria morrer ali.

    E naquele momento bateu forte a adrenalina. Seus olhos pulsavam pesadamente e um vigor surpreendente tomava cada parte de seu corpo. O caminho era de mão única. Não havia mais possibilidade de desistir. Aquele corredor era um abismo. Mas sua queda já estava em curso antes mesmo de chegar ali.

    Ele reduziu a velocidade e mirou. 

    Parte 1

    Terror

    Antes de sentar-se, John ligou a TV. Refestelou-se no sofá com os braços abertos por cima do recosto, descansando os pés sobre a mesinha de centro, mesmo sabendo que sua esposa iria reclamar quando visse, como sempre fazia. O controle remoto já estava em sua mão, de onde não deveria sair.

    O canal sintonizado exibia um documentário sobre os muçulmanos e a vida no Iraque. Bullshit! reclamou, mudando para o próximo.

    No novo canal, a primeira cena que apareceu era de pessoas usando roupas de banho e discutindo numa cozinha. Maldito Big Brother que não acaba! e pulou para outro canal.

    Neste seguinte, um programa duvidoso mostrava crianças pobres africanas, todas contando suas histórias de como os pais morreram e a dificuldade que passavam para sobreviver, até que o bom milionário dos Estados Unidos apareceu para ajudá-las. Finalmente alguma coisa boa... pensou, e continuou assistindo. Na cena seguinte aparecia o bom homem, sentado num sofá simples, numa sala parede de vidro que mostrava ao fundo um cenário oceânico, sendo entrevistado pelo apresentador. ...E então eu entendi porque havia ganho o minha fortuna. Hoje sou um homem verdadeiramente satisfeito pelo que fiz a essas dez crianças. O entrevistador, muito comovido, perguntou-lhe: é verdade que você pretende se candidatar na próxima..." Zap! Próximo canal...

    Um outro documentário mostrava os países mais afetados pelo terrorismo. Não pode ser...! exclamou, indignado pela repetição de assuntos. Duzentos e trinta e seis canais no pacote exibiam em torno de quatro ou cinco temas diferentes, no fim das contas. Próximo canal.

    Um apresentador mostrava diversos produtos revolucionários inúteis em um programa de vendas. Isto é fantástico! dizia a mulher ao lado do apresentador visivelmente atrapalhado para manusear a bugiganga. O dedo dele já nem saía do botão de canais. 

    Após tantas trocas, ouviu sua esposa falar lá do quarto:

    —Vocês homens não conseguem assistir a nada quietos, não é?

    Irritado, ele desligou a TV em silêncio. Um pensamento lhe visitou: eu acho é que nós estamos sofrendo uma lenta lavagem cerebral...

    Levantou-se e foi para os fundos, um bom treino marcial seria mais interessante.

    Capítulo 1

    Garantias

    —Boa noite. É com imenso pesar que venho hoje oferecer minhas condolências às famílias vítimas destes crimes hediondos que abalaram nossa nação nos últimos dias. Quando falo de minha dor, não falo como presidente deste país, mas como um cidadão americano, como pai, como filho, como irmão. Quero deixar claro que essas famílias terão toda a assistência necessária neste período difícil. Nesta noite, Marta e eu faremos o que todas as famílias americanas certamente farão, nos abraçaremos e diremos eu te amo. Mas graças a esta tragédia, há aqueles que não poderão dizer isto. Há aqueles que não poderão ouvir isto. Sei que palavras não vão aliviar sua dor, mas quero dizer-lhes: vocês não estão sozinhos. Os responsáveis por estes atentados tentaram intimidar, abalar e aterrorizar os valores que fazem dos norte-americanos aquilo que são. É claro que escolheram o povo errado para atacar. Não aqui. Não contra nós. E como povo forte que somos, estou certo que Nova York perseverará face à esta tragédia. É um monstro que precisamos e vamos derrotar. Admito que fomos atingidos mais uma vez por um de seus tentáculos. É possível lembrar do onze de setembro sem nos emocionarmos? Não há como. Mas aquele foi um exemplo de nossa capacidade de nos reerguermos e reconstruirmos, e dessa vez não será diferente. Como presidente, estou encarando isto de forma pessoal. Quero lhes garantir que as investigações estão em andamento e os suspeitos serão encontrados. Nada será esquecido, ninguém será abandonado, nenhum culpado sairá impune. Nos próximos dias vocês verão grandes mudanças acontecerem. Cada passo que daremos será um passo avante ao fim desta guerra. Eu, Richard Voight, vou lutar com todas as forças para garantir a paz e a liberdade do povo americano. Cortar este mal pela raiz, a partir de hoje, será meu principal objetivo. A todos, muito obrigado.

    Pronunciamento do presidente Richard Voight, noite de domingo, 19.

    Capítulo 2

    Sangue

    Sexta-feira, 17

    A manhã de sexta-feira tinha um ar diferente das demais. A lembrança de que aquele era o último dia de trabalho da semana trazia um frescor revigorante. As pessoas circulavam mais animadas, almoçavam reunidas em lugares mais inspiradores, conversavam sobre expectativas e faziam planos, ansiosas pela despedida de fim de expediente.

    Nova York ficava agitada. 

    As rádios de música e noticiário aliviavam a tensão de quem estava preso no trânsito nova-iorquino, a parte mais aflitiva do dia de trabalho de qualquer cidadão comum. Os radialistas comunicavam alegres as notícias matutinas, previsões de tempo e lembravam que o descanso estava próximo. E com tantas perspectivas, o trânsito caótico da cidade nas sextas-feiras era menos cruciante. Mas naquela sexta, porém, as coisas seriam diferentes.

    Uma van parou próximo à entrada de um prédio comercial de alto padrão. Um homem uniformizado desceu rapidamente e caminhou até à recepção.

    —Bom dia, senhor. – Disse ele ao porteiro, que respondeu o mesmo. – Preciso entregar este material no quinto andar, o senhor pode me informar a entrada de entregas?

    —Sim, sim, é por ali. – Respondeu o porteiro, apontando o caminho a seguir para a entrada de entregas.

    —Obrigado.

    O entregador voltou ao veículo e tirou do ponto morto para acelerar, iria utilizar a entrada correta. Antes de acelerar, tudo foi pelos ares.

    A van subiu dois metros com a explosão e caiu aos pedaços. Toda a fachada em vidro do prédio foi destruída ao longo de cinco andares e estilhaços foram encontrados dezenas de metros dali. O tremor foi sentido por muitos em todo o quarteirão e o som trovejante se estendeu por quilômetros. 

    O sangue se misturava ao material da entrega, revelando os corpos mortos e feridos. As pessoas que estavam próximas tentavam auxiliar, mas não tinham condições de prestar o socorro necessário a todos. Em poucos minutos havia toda uma equipe de resgate e policiais em torno daquele lugar.

    Após as medidas mais urgentes, foi feita a contagem de nove mortos e dezessete feridos.

    O choro e a revolta marcaram as notícias daquela sexta-feira.

    Sábado

    Já ecoava pelo mundo aquela notícia triste. Inúmeros canais televisivos faziam coberturas sobre o caso em seus plantões de notícias. O FBI ainda mantinha-se calado sobre a possibilidade de aquilo ter sido um ataque terrorista. Estranhamente, nenhuma célula ou família havia se pronunciado para assumir a autoria do caso. Cogitava-se a possibilidade de algum material explosivo ou inflamável presente no carregamento da van, unido à infelicidade de alguma falha no sistema elétrico terem sido os causadores. Peritos do governo estudavam a cena e os destroços à procura de qualquer pista que pudesse direcionar as investigações e dar alguma informação que atenuasse a pressão pública.

    Os telejornais noticiavam que o presidente Richard Voight não se posicionaria até que tudo fosse confirmado.

    Domingo

    Mesmo com o clima tenso após o estranho acontecimento da sexta-feira, a maratona foi mantida para o domingo. O governo não queria deixar esmorecer o ânimo do povo e o evento era importante.

    Embora ressabiadas, as pessoas compareceram em peso para assistir à grande corrida. Certa alegria tomava, como sempre, o clima do evento, as pessoas conseguiam esquecer-se um pouco dos problemas ao participarem da torcida.

    Uma verdadeira multidão cercava as ruas que compunham o circuito. Fotógrafos profissionais tentavam competir com as lentes dos smartphones pelos melhores ângulos dos competidores. Balões de todas as cores e demais adereços enfeitavam cada canto da competição. Era mais uma festa do que um evento esportivo.

    Foi dada a largada. Os corredores profissionais saíram na frente, seguidos pelos amadores que tentavam alcançá-los e, bem depois, pelos outros que apenas queriam participar e acenar para as câmeras. Rapidamente foram se espalhando pelas ruas, trilhando o longo caminho que levava à chegada.

    Meia hora após o início da corrida os prediletos do mundo já haviam progredido boa parte do percurso e agora visitavam novos grupos de fotógrafos e admiradores nas ruas seguintes. Os principais corredores faziam um filão, numa competição acirrada pela vitória. Viraram uma esquina cuidadosamente para não perder o ritmo e tomaram fôlego para continuar. Eram aclamados pelos fãs que acenavam alegres por detrás das faixas, o que lhes dava maior motivação e perseverança, mas não houve salvação, o impacto da explosão também os alcançou.

    Uma bomba explodiu na calçada no momento em que os líderes da competição estavam passando. Os gritos que antes eram de festa e ânimo aos maratonistas foram trocados por choro e desespero. 

    Atônitos, os que estavam em condições se levantavam para ajudar os outros ou puxar as grades de contenção que delimitavam os espectadores. Alguns fotógrafos e cinegrafistas menos humanos insistiam em registrar a tragédia enquanto se prestava socorro aos feridos. Aquele trecho da rua se tornou vermelho. 

    Ambulâncias chegaram sem demora para o socorro, além das muitas que já estavam a postos no local. Mais uma vez o mundo via a tragédia americana do terror.

    Horas depois, terminada a contagem dos atendimentos, foi noticiado pelos jornais o total de cinco óbitos e cerca de duzentos e oitenta feridos. Pessoas de todas as idades tornaram-se vítimas do terror.

    As autoridades se viam enlouquecidas e concediam declarações conflituosas, deixando clara a confusão instaurada pelos dois casos. Instaurou-se o inferno.

    Capítulo 3

    Glenn Marshall

    —Preciso de mais café, Anna! Essa alma precisa de vida!

    Dizia Glenn à sua secretária, enquanto remexia a papelada em sua mesa.

    O jovem agente loiro, beirando os trinta anos e com barba por fazer, com seu jeito hiperativo, acabava por não passar muita confiança aos olhos julgadores de um desconhecido pouco cuidadoso. A mesa sempre imersa em montes de documentos e com manchas de café entornado não era a impressão mais adequada que um dos agentes mais perspicazes da divisão de investigação criminal do FBI deveria causar. Mas a realidade era que, mesmo com toda sua indiferença à organização, ainda assim ele conseguia ir longe em cada caso que assumia desde que foi admitido pelo Bureau. 

    Anna era secretária. A mulata esbelta e simpática estava ali pelo menos quinze anos antes do jovem chegar ao Bureau. Tendo passado sua carreira ao lado de um dos melhores agentes do FBI, Morgan Sheppard, após vê-lo falecer, foi designada a auxiliar o recém-chegado Glenn Marshall e ensinar a ele o que aprendera com seu antigo companheiro. No início, considerou uma ofensa ser submetida a trabalhar para um agente sem nenhuma experiência, não simpatizava com o jovem enérgico e nutria saudades de seu grande amigo. Mas após alguns anos de trabalho, já o havia adotado como se fosse um filho.

    Glenn conquistou-a por sua autenticidade, uma característica que para um agente investigativo, na verdade era muito mais um defeito. Ela mesma percebia o mal que aquele detalhe poderia causar à carreira do jovem, o que a motivava a sempre lhe dizer desconfie mais dos detalhes, confie menos nas pessoas. Esse era um dos jargões prediletos do falecido agente Sheppard, que repetia para ela vez ou outra no passado.

    Anna sustentava, porém, uma imensa curiosidade sobre alguns fatos da vida do rapaz. Embora fosse alguém sincero, Glenn insistia em manter-se silencioso sobre algumas coisas ao próprio respeito. Ela sempre lhe perguntava sobre sua família, por que vivia sozinho, por que não o via viver nada além de trabalho. Ele deixava suas perguntas no ar, mas às vezes ela percebia transparecer certa tristeza em seu olhar, quando se tratava de assuntos familiares. Muitas vezes fugia do assunto pedindo-lhe café, seu principal consumo desde que entrara para o Bureau. Desta vez, porém, era diferente, o café era algo essencial para mantê-lo minimamente acordado, após tanto tempo sem descanso:

    —Não acha que é hora de parar, homem? Você virou a noite aqui, Glenn, precisa dormir um pouco. Descansar a mente, sabe? Vai trabalhar melhor depois...

    —Não até eu conseguir organizar isso tudo... – disse ele, atento ao seu ofício.

    —Ou até ficar igual a um panda... – ela respondeu, zombando de suas fortes olheiras.

    Anna parou ao seu lado, bem próximo dele, apoiando-se em seu ombro e disse-lhe, com carinho:

    —Menino, você trabalha para viver, não vive para trabalhar.

    —Eu sei, Anna, eu sei...

    —Olhe só, – e pôs a xícara sobre sua mesa. – até quando você vai ficar imerso nesse monte de trabalho e deixar a sua vida congelada assim? Você precisa voltar a viver, menino, se desprender daquelas coisas lá atrás, procurar um pouco de diversão... Namore, querido! Se eu fosse uns vinte anos mais jovem, não desperdiçava você! – e saiu rindo, de volta à sua mesa.

    —Acho melhor arrumar essa mesa, parceiro, – disse Bob, um de seus companheiros, chegando-se a ele. – o Inspetor Geral está vindo para cá.

    —Merda... já não basta o excesso de trabalho, agora teremos vigilância redobrada...

    Havia anos que o Bureau de Nova York não ficava tão agitado. E não era à toa. Na manhã anterior acontecera o ataque na maratona, enquanto eles ainda tentavam confirmar se o caso da van era realmente terrorismo. 

    Glenn estava à beira de um colapso nervoso, não dormia direito desde que iniciara a investigação sobre a van e isso já tardava três dias. Ninguém conseguia informações contundentes sobre o caso, e só passaram a crer que era terrorismo quando o ataque da maratona aconteceu. Essa falta de informações o deixava desesperado.

    Com a vinda iminente do diretor, correu para organizar sua mesa, deixá-la apresentável, mas não houve tempo, alguém passou no corredor e avisou: Reunião no auditório!

    Todo o pessoal se dirigia para lá. Aparentemente o diretor, Peter Morrison, já havia chegado. Glenn e Bob seguiram o fluxo e se dirigiram para a tal reunião. Ao chegar na enorme sala de apresentações, o burburinho cessou, havia um clima de reverência ao severo homem que ocupava a liderança do FBI. Lá na frente estava o Sr. Morrison, cinquenta anos, um homem alto e forte, com sua cabeça raspada e vestindo um terno fino, cerzido no mesmo nível do cargo que ocupava.

    Alguns ainda procuravam lugar para sentar-se quando ele iniciou:

    —Senhores, não vamos perder tempo com apresentações, estou aqui para acompanhar de perto as investigações que faremos em diante. Não há mais dúvidas de que estamos diante de uma operação terrorista e nosso objetivo primário é descobrir os responsáveis pela detonação do explosivo, bem como a qual família terrorista eles pertenciam. O país adotará uma nova política interna para estrangeiros. Nenhum muçulmano entrará em nossas fronteiras por tempo indefinido. Temos ordens para deportar todo indivíduo que tenha qualquer tipo de ligação com os responsáveis pelo atentado, seja ela qual for...

    Enquanto Peter Morrison falava, Bob resmungou ao pé do ouvido de Glenn:

    —Esses caras de D.C... Estão tão acostumados a ficar preenchendo relatórios que não sabem seguir uma pista sequer...

    Glenn limitava-se a coçar o queixo disfarçadamente. Peter continuou:

    —No momento não temos nenhuma informação que possa nos levar aos suspeitos. A não ser que algum grupo assuma a autoria dos atos, nosso único ponto de partida serão as gravações das câmeras de segurança e dos presentes no local. Quero todo o Bureau voltado para isto a partir de agora, nenhuma investigação paralela está autorizada até segunda ordem.

    A reunião continuou tediosa por mais alguns minutos, até que Peter liberou a todos para suas tarefas.

    Retornando à sua sala, Glenn sentou-se em sua mesa e voltou ao trabalho, pretendia sanar todas as dúvidas antes que tornasse a fechar os olhos para descansar. 

    Milhares de fotos produzidas pelas pessoas presentes no evento e da cobertura jornalística local da maratona, assim como horas de gravações de câmeras pessoais e de segurança formavam o maior quebra-cabeças que ele já havia visto em sua carreira. Interligar tantas peças era algo terrível, e até agora muito frustrante. Como encontrar um desconhecido em meio a tantos outros tão incógnitos quanto ele? Aquelas pessoas tão ímpares, únicas... Como definir aquele que seria o correto? Aos olhos distantes de um observador todas eram, mesmo com suas singularidades, iguais, pois para ele, todos eram apenas desconhecidos. 

    Buscar alguém, encontrar o outro. Era essa a tarefa que estava ocupando sua mente nas últimas vinte e quatro horas. Apenas olhar fotos e vídeos à procura de um estranho não iria adiantar, ele precisava ser perspicaz, mais sagaz do que fora até então. E Glenn era assim, o tipo de pessoa que sempre pensa em como otimizar seu trabalho, das maneiras mais loucas possíveis. Sua necessidade de aproveitar o tempo, por exemplo, era tão grande que a primeira coisa que fazia quando entrava em sua sala era ligar o computador. Só depois acendia as luzes, colocava as coisas que trazia sobre a mesa e pegava o café, simplesmente para não precisar aguardar os segundos de boot da máquina sentado à sua frente, sem fazer nada. Para tarefas que precisava executar todos os dias, já havia criado sua própria sequência-de-ação-otimizada-para-economizar-tempo. Tudo precisava fluir da melhor maneira.

    Estava aflito, pois por muitas horas trabalhara naquele problema e não conseguia chegar a uma solução. Foi quando sentou-se à frente da mesa repleta de material e fechou os olhos, cuidando para não cochilar. Como reduzir as possibilidades? Que tipo de pessoa carregaria uma bomba? Como ela se comportaria se o fizesse? Como seria a bomba? Pronto! Era isso! Rapidamente abriu os olhos e desfez a cara amarrada. 

    O explosivo seria o primeiro passo para resolver o enigma. Ele precisava saber como era a bomba e como ela poderia ser transportada.

    —Bob! Onde está o relatório do pessoal antibombas?

    —Err, está aqui. – entregou-lhe.

    Glenn começou a analisar o relatório do grupo antibombas. Havia recebido, horas antes, uma prévia do mesmo relatório, então resolveu compará-las. O resultado o intrigou bastante. No primeiro documento, a leitura do pós-explosão revelou uma fraca presença de vapores produzidos por um agente químico que é inserido em explosivos como Semtex e C4 propositalmente pelos fabricantes. Esses vapores foram introduzidos depois de 1991, para facilitar sua identificação, pois o composto havia sido associado ao uso terrorista, perdendo participação no mercado. No segundo documento, porém, a mesma equipe concluiu que o explosivo fora montado com pólvora e pregos, semelhante a um encontrado anos antes numa esquina da Times Square. 

    A disparidade deixou o agente atônito. Como uma equipe especialista muda sua hipótese tão drasticamente assim? Perguntou-se.

    A papelada dizia que o material estava contido numa pequena panela de pressão ou algo similar. Dessa forma, Glenn concluiu, o terrorista teria de usar uma mochila ou bolsa com tamanho suficiente para levá-la.

    Estava quase certo que não lidava com um homem bomba, até porque, segundo o relatório que lera descrevendo a situação das vítimas, havia pessoas que perderam membros do corpo, mas nenhuma foi despedaçada como aconteceria a um suicida daqueles. No entanto, o sujeito poderia ter apenas deixado o pacote no lugar e saído antes de detoná-lo. 

    Voltou então ao montante de fotos e vídeos. Precisava marcar cada um que carregasse algum tipo de bolsa ou mochila com tamanho considerável consigo. Seu ponto de partida era, logicamente, a zona onde ocorreu a explosão. A pessoa responsável teria estado ali em algum momento, mesmo que fosse somente para deixar o material. 

    —Ei, Bob, preciso da sua ajuda. – Disse ele, concentrado com as fotos.

    Bob levantou de sua mesa e veio até ele.

    —Do que você precisa? – perguntou, não muito animado.

    Glenn pegou uma caneta vermelha e lhe entregou.

    —Quero que me ajude a marcar todas as pessoas que estão com bolsas grandes ou mochilas. Vamos nos concentrar nessa esquina, onde a bomba explodiu.

    Mesmo com certa relutância de Bob, os dois começaram a olhar, foto por foto, marcando todos que coincidissem com o padrão num raio de aproximadamente vinte metros. Horas depois, a quantidade de fotos caiu extraordinariamente, resumindo bastante o trabalho dos dois. Após isso, com as pessoas marcadas, eles iniciaram uma busca cuidadosa nos vídeos. Todo vídeo de câmeras de segurança e filmadoras pessoais que exibisse o local da explosão foi assistido pelos dois nas horas que se seguiram. Seus olhares mantinham-se naqueles que estavam marcados nas fotografias.

    —Olhe essa mulher, – Disse Bob. – ela vem andando desde a esquina com essa bolsa, mas quando aparece aqui, não consigo ver a bolsa.

    —Vamos procurar por ela no vídeo dessa outra câmera... aqui. – respondeu Glenn, ansioso. – Vamos ver...

    —Ali, ela está ali, está com a bolsa.

    —É, realmente ela passou direto.

    Muitos falsos sinais apareceram...

    Dessa mesma forma os dois seguiram, persistentes, observando cada pessoa até esgotarem as possibilidades de que alguém deixasse a bomba ali e saísse. Todos os que passavam continuavam com seus pertences. A hipótese de o terrorista sair do local estava quase sendo abandonada, Glenn não queria pensar assim, mas já estava sendo levado a investigar a possibilidade de o tal ter permanecido com o explosivo e ser um dos cinco mortos com a explosão. 

    —Bob, vamos partir para os que estavam ali mesmo.

    —Você acha que o cara se suicidou?

    —Não sei... é difícil de acreditar. Mas é o que restou para nós agora.

    Concentraram-se naqueles que estavam presentes no local, dentro do raio da explosão. Havia ali pelo menos nove pessoas com mochilas ou bolsas suficientemente grandes para o transporte do explosivo, exatamente três rapazes com mochilas, dois homens com malas executivas grandes e quatro mulheres com suas bolsas, dos que apareciam nas gravações e fotografias. 

    As duas mulheres não pareciam ter a menor chance de serem o suspeito. Uma delas figurava inegavelmente uma dona de casa, carregava uma enorme bolsa que parecia levar coisas do bebê que estava em seus braços, um recém-nascido, talvez com cinco ou seis meses de vida no máximo. Nenhum ser humano, mesmo um suicida louco, teria coragem de fazer isso levando consigo seu próprio filho bebê... A outra mulher também foi riscada, pois, além de ser claramente americana, durante um trecho da gravação ele acenava para a pista e gravava com sua câmera, eles puderam perceber que um dos corredores era seu companheiro, pois passou respondendo a ela também com acenos e gestos carinhosos. Era um dado fraco, mas eles precisavam ganhar tempo nessa fase de eliminação de possibilidades.

    Os homens que carregavam maletas não foram exatamente descartados, mas ambos tinham a aparência exata de empresários americanos. Trajavam ternos caros e possuíam itens ainda mais valiosos, como relógios, anéis dourados e smartphones de última geração, inclusive um deles não parava de falar ao telefone.

    O que chamou a atenção de Glenn e Bob foram os rapazes. Três jovens assistiam ao evento exatamente no local da explosão. Dois deles pareciam ser amigos, pois estavam próximos e se falaram algumas vezes, o outro estava um pouco mais distante. Mas o que mais saltou à vista de Glenn foi um dos amigos, um jovem que aparentava idade próxima aos vinte anos, com casaco, boné, uma imensa mochila nas costas e feições claramente muçulmanas. 

    —Olhe esse aqui, Bob! – exclamou Glenn, apontando para a tela do computador.

    —Uuuu... estereótipos sempre ajudam. – comentou Bob, em tom debochado.

    —Sei que parece isso, mas observe esta cena.

    Ao falar isso, Glenn mostrou a cena segundos antes de acontecer a explosão. 

    As imagens eram registro de um câmera de segurança próxima, que acompanhou de perto todo o acontecimento. Nas cenas, o jovem aparecia atrás de outras pessoas, observando a maratona. Sorria contidamente, olhava à volta e falava às vezes com o amigo. Depois de um tempo, parecia um pouco incomodado com algo, mexeu os ombros e tirou a mochila das costas, mas era complicado entender, pois pela filmagem Glenn só conseguia enxergar acima dos ombros do rapaz, então não pôde ver exatamente o que houve. Porém, pela sua movimentação, o jovem pareceu abri-la e mexer dentro dela, e logo após, ele demonstrou grande nervosismo. Falou com o amigo ao lado, que também olhou para dentro da mochila e teve a mesma reação. Eles se entreolharam e ficaram sérios, olharam bem à volta e falaram novamente algo. Foi quando o jovem pareceu deixar a mochila no chão e virou-se com o amigo para sair do local, mas nesse momento aconteceu a explosão, arremetendo-se também aos dois rapazes.

    —Nossa! – Exclamou Bob, estupefato. – É isso! Você encontrou!

    —Calma, – Disse Glenn, preocupado. – ainda não estamos certos...

    —Como não? Está tudo aí!

    Os outros agentes que ouviram as exclamações vieram até eles para saber do que se tratava. 

    —Temos que descobrir quem são eles primeiro. – especulava Glenn, meticuloso como sempre.

    —Tudo bem, Glenn, mas a prova é essa, o resto é somente complemento. – disse Bob, com a concordância de outros que ali estavam.

    Logo uma grande equipe do Bureau se uniu aos dois na investigação das identidades dos rapazes. Após algum tempo de pesquisas e ligações para contatos em outros órgãos do governo, descobriram sobre os jovens. O rapaz que portava a mochila era Behruz Kabiri, iraniano, cuja família estava no país havia cinco anos e seu amigo era Amir Nazari, de mesma nacionalidade, porém havia chegado ao país dois anos depois. 

    A notícia do achado logo chegou a Peter Morrison, que em poucos minutos já estava na sala de Glenn, conferindo os dados e requerendo o relatório.

    —Bom trabalho, agente Marshall, – disse Peter Morrison. – o mesmo para você, agente Ayers. Passarei essa notícia ao presidente neste momento.

    —Sim, senhor. – Respondeu Glenn, satisfeito. – Estamos investigando seus endereços e vamos descobrir o que está por trás deles.

    Peter Morrison mantinha um olhar sério. Apertou sua mão parabenizando-o pelo trabalho, enquanto os outros à volta olhavam reverentes. Seguiu à porta da sala, mas antes de sair, virou-se e disse-lhe:

    —Faça isso, agente Marshall, mas antes tire pelo menos doze horas de descanso. Seu semblante está horrível.

    Após a saída de Peter Morrison, Anna, que chegava ali na hora com ainda mais café, ria dele e lhe disse:

    —Não há mais desculpa! Agora é uma ordem superior. Vá dormir agora, homem!

    Com sensação de dever cumprido, Glenn deixou o prédio e foi para sua casa, finalmente iria descansar. Os outros agentes continuavam as pesquisas sobre endereços, famílias, atuação no país e orientações religiosas dos rapazes.

    Glenn não fazia ideia do que iria encontrar pela frente.

    Capítulo 4

    Incógnito convite

    Era uma bela manhã, daquelas que se espera um céu nublado e clima frio, mas surpreendem com um singelo raiar do sol entre as nuvens e o afago de uma brisa aconchegante. Apesar de não serem tão belas quanto as manhãs ensolaradas, o inesperado as torna satisfatórias, uma beleza que se trata de sobrepor a expectativa.

    O café da manhã daquela lanchonete era comum, mas o velho Michael Reese já havia assumido o hábito diário de degustá-lo como um fiel religioso. Fora quando sofria suas ressacas, toda manhã visitava aquele lugar e fazia o mesmo pedido. Certamente era melhor do que aquilo que ela prepararia em sua casa, dizia John Moore, para embirrar o seu mentor:

    —Pior que esse, só o café que você faz mesmo... – Comentou o jovem, sem ver a garçonete ao seu lado, olhando-o com reprovação.

    —Você só diz isso porque tem sua mulher pra fazer o seu! – Respondeu Reese, mal humorado. – A propósito, não vai pedir nada? – Perguntou, maroto, apontando para a garçonete que estava parada ouvindo a conversa.

    John virou-se e só então percebeu a presença da mulher. Certamente ouvira seu comentário infame. Constrangido, fez o seu pedido:

    —Err, bom dia, dona... Bacon e ovos, por favor. Coca-Cola também.

    —Só isso? – Perguntou a mulher, indiferente.

    —Sim, obrigado.

    A garçonete saiu para fazer o pedido.

    —Não se preocupe, garoto, eles não são de estragar a comida. Pelo menos, não de forma que você perceba. – Disse o velho, rindo dele, enquanto consumia o seu prato.

    —Posso correr risco.

    Michael parou de comer e fitou-o, sério, enquanto terminava de mastigar o bacon matinal e limpava o canto da boca com um guardanapo. Disse-lhe então:

    —Filho, a vida possui muitas regras não escritas. Quer um conselho? Comece por esta.

    —Diga-me então. – Respondeu John, decifrando se havia seriedade no que o velho dizia.

    —Leve sempre isto em consideração, é pra vida toda: nunca chateie quem vai servir o seu prato. 

    —Até faz sentido... – O jovem resistia. – Mas eu nunca tive problemas com isso.

    Tornando a comer, Reese lhe respondeu entre as garfadas:

    —Aí que está a grande questão, filho. Na maioria das vezes você nem percebe. Para eles, é um tipo de vingança silenciosa, que eles saboreiam sem precisar revelar. Basta verem você comer o prato que batizaram com algum tipo de coisa nojenta e se darão por satisfeitos.

    —Um tipo de vingança tão medíocre quanto quem a comete. – observou o jovem, falando baixo.

    —Tem toda razão, mas então diga, não é fatal? Quando você se dá conta dessa possibilidade, apenas uma possibilidade, a simples desconfiança de que pode acontecer com você se torna um fardo que vai carregar sempre! E eu vou dizer, permanecer na dúvida é pior do que descobrir...

    John fechou o cenho, incomodado com a situação em que se encontrava:

    —Está querendo me deixar desconfortável! Tô sacando seu jogo.

    —Apenas estou falando a realidade, garoto! – Divertia-se o velho, que já terminava sua refeição matinal.

    —Tudo bem, você virou o jogo. Não critico mais o seu café.

    Limpando novamente os lábios com o guardanapo, na tentativa de demonstrar alguma classe, Michael Reese tomou a palavra:

    —Vamos falar de algo mais importante. Há uma oportunidade surgindo, uma vaga disponível, coisa boa. Quero que você assuma.

    —Do que se trata?

    —Conversei com o Mason e ele resolveu conversar contigo. Está precisando de alguém para assumir o lugar do Daniel.

    Mason Fontane era um chefão de Nova York. Um homem perspicaz, qualidade que o levara à liderança de um império submerso no crime rapidamente. Elevou a organização robusta que herdara de seu pai, Elias Fontane, ao topo da pirâmide poucos anos após assumir o seu lugar. De todos os princípios que seu pai lhe ensinou, o único que mantinha era a máxima: Drogas não servem, seja para usar, seja para vender. Todos os outros princípios, hábitos e métodos, com o tempo, foram mudados, atitude que lhe proporcionou maior sucesso nos negócios que seus antecessores da família. A realidade era que mexer com drogas significava estar no topo da lista de todos os inimigos, que se dividiam em rivais criminosos, governantes honestos e governantes interessados em conseguir abocanhar a mamata. Os últimos, inclusive, eram os mais perigosos, pois como o próprio Mason dizia: sua arma é o Estado e suas balas são as leis. No fim, o crime era um jogo que ele sabia jogar, e realizava seus movimentos na hora certa, sempre à frente de seus adversários. 

    —Daniel? – Indagou John, surpreso. – Ele era o braço direito de Fontane. O que houve?

    —Ele não está mais entre nós. – Respondeu o velho, com um ar soturno.

    John Moore recostou-se na cadeira, pensativo. Perguntava-se se iria assumir o posto de alguém que morreu ou de alguém que foi morto. Ainda não conhecia muito sobre a Famiglia, tudo era visto de longe e com bastante curiosidade por ele. Aquela curiosidade ambiciosa, quase infantil, que desperta o desejo de estar ali, de ser aquilo. No ponto mais baixo da cadeia de comandos, fazendo pequenos trabalhos para Michael e recebendo seus ensinamentos, mais práticos que teóricos, John nem ao menos existia para Fontane. Era um ninguém. E como o ninguém que era, ainda não obtivera experiência alguma que lhe desse propriedade para dizer se a máfia era realmente romântica como via nos filmes de Hollywood ou um pequeno cosmo de distopia.

    Seu relacionamento com a máfia era, na verdade, alimentado por consequência da inércia que mantivera em toda sua vida. Sem futuro algum à frente, nenhuma perspectiva de vida que lhe desse condições de cuidar de Cathelin, sua jovem esposa, e menos ainda ensinamentos que fossem capazes de lhe dar perspectivas ou minimamente pesar a consciência a respeito do que iria ter de fazer, a porta de entrada para a Família Fontane era, aos seus olhos, nada mais que uma chamada para um emprego melhor remunerado.

    O velho Reese continuou:

    —Falei sobre você. Comentei que você tem me acompanhado, aprende rápido, sabe se virar, essas coisas. Ele se interessou e quer ver como você se sai num primeiro trabalho.

    —Tô dentro. Vamos agora? – disse John, ameaçando levantar-se e partir.

    —Não precisa ter pressa, vou levá-lo lá, hoje ainda! Esta é a sua chance, filho, e você tem potencial pra entrar com tudo, não a desperdice. – O velho abriu um sorriso e fitou-o com um olhar de prazer, recostando-se em seu assento. – Agora aproveite o seu café da manhã, garoto esperto!

    O prato surgiu na frente de John. Tudo arrumado, as fatias de bacon tostadas e dois ovos fritos. Também o refrigerante. O jovem ficou atônito, observando o prato, envolto em um misto de desconfiança da garçonete e raiva do velho que ria à sua frente.

    Sorrindo, Reese comentou:

    —A dúvida é uma merda, não?

    John apenas olhou para o velho e abriu um pequeno sorriso de canto. Michael Reese sorriu novamente, com um ar de satisfação, soltou um suspiro e lhe disse:

    —Poucos tiveram a chance de crescer tão rápido na Família. Você está tendo esse privilégio, assim como eu tive. A grande maioria levou anos limpando merda, lustrando sapato com cuspe e protegendo superior com o próprio corpo até tornarem-se alguém. Outros morreram antes mesmo disso. Posso até lembrar de como eram difíceis as coisas no início, quando comecei. E você, que não tinha nada em mente quando o conheci, vai subir rápido, disso eu tenho certeza. Quem diria que um garoto de entregas teria uma chance assim...?

    John Moore era novo, um jovem que Reese encontrara durante um trabalho de rua por acaso, anos antes. Trabalhava fazendo entregas para uma empresa do setor contábil, que por sua vez, cuidava dos serviços financeiros das empresas laranjas da organização de Mason Fontane. Além de armas contrabandeadas, Mason Fontane ganhava dinheiro de formas diversas, e sua principal atividade era a lavagem do próprio. Numa articulada cadeia de interesses, sua mão se estendia desde os contrabandistas estrangeiros, passando por policiais corruptos e alguns políticos locais, tendo como ponto final empresas que resolvessem o problema do dinheiro. Os funcionários não precisavam saber o que ocorria nos balanços finais e divisões de lucros, apenas faziam seu trabalho honesto, o que evitava riscos de exposição às autoridades. Somadas a esse esquema, diversas cadeias de pequenas lojas, confeitarias e outros comércios disfarçavam a renda crescente do chefão. A Organização estava consolidada em Nova York.

    Certa vez, enquanto Reese visitava uma dessas empresas, deparou-se com o jovem entregador que estava na portaria, com um malote de documentos nas mãos, pronto para mais uma entrega. Tudo estava tranquilo e nada o faria ter qualquer tipo de diálogo com o jovem, pois sua experiência não só na máfia, mas também de sua vida antes dela o ensinara a ser um homem introspectivo. Não se conheceriam, se não fossem surpreendidos por um anúncio de assalto. 

    O bandido, algum tipo de drogado em desespero, fosse por abstinência ou problema de dívidas com traficantes, apontava sua arma enferrujada para qualquer lado e gritava coisas sem muito sentido, tremendo visivelmente suas mãos suadas e seu dedo no gatilho. Reese, como sempre, estava armado, mas entre o pensamento e o instinto, resolveu manter-se recuado como uma vítima dentre as outras, para evitar problemas. Se tomasse qualquer medida contra o criminoso, estaria exposto a uma série de procedimentos

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