Empresário, Empresa E Estabelecimento
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Empresário, Empresa E Estabelecimento - Felipe Falcone Perruci
1. Empresário, Empresa e Estabelecimento
Elementos para Compreender a Teoria da Empresa
2. Felipe Falcone Perruci
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)
P546
1.ed. Perruci, Felipe Falcone
Empresário, empresa e estabelecimento: elementos para compreensão da teoria da empresa / Felipe Falcone Perruci. 1.ed. – Belo Horizonte: MG, 2015.
263 p.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-69448-21-1
1. Direito empresarial. 2. Direito comercial. 3. Legislação – Brasil. I. Título.
CDD 346.07
CDU 34.338.93 (81)
Índice para catálogo sistemático:
1. Direito comercial: direito de empresa 346.07
2. Direito empresarial: Brasil 34.338.93(81)
A Tati, minha companheira de todas as horas, por seu amor, admiração e incentivo que foram decisivos para a conclusão deste trabalho e para o planejamento de outras várias conquistas; meu amor eterno.
2.0...1. O Direito Comercial e a Empresa
A atual disciplina do Direito de Empresa surge no ordenamento jurídico brasileiro a partir da publicação do Código Civil de 2002.
O principal objetivo do legislador era atualizar a disciplina jurídica dos temas afetos anteriormente ao Direito Comercial tradicional, à luz da moderna Teoria da Empresa.
O presente capítulo visa apresentar a evolução histórica e desenvolvimento dos institutos, a fim de lançar luz aos principais pilares do Direito Empresarial brasileiro, aliando profundas lições dos grandes doutrinadores clássicos às modernas posições de juristas contemporâneos.
2.0...2. A fase subjetiva
Embora a prática comercial tenha se iniciado ainda em épocas remotas, pode-se afirmar com segurança que o Direito Comercial, somente se cristalizou e teve seu início de desenvolvimento como disciplina privada da atividade econômica, durante a Idade Média, no seio das corporações de vários gêneros.¹
Após a queda do Império Romano e com o fim das invasões bárbaras, o mundo ocidental passou a se reorganizar política, administrativa, social e economicamente, tendo como reflexo imediato a criação dos feudos e a inevitável dominação de seus senhores. Em resposta a essa repressão e dominação, os indivíduos que mantinham laços de dependência com a estrutura de poder dos feudos passaram a se organizar em associações dos mais variados gêneros, como confrarias religiosas, associações de comerciantes, corporações de artes e ofícios, comunas, dentre outras.
Num primeiro momento, tais organizações refletiam apenas a necessidade de autoafirmação de seus integrantes, enquanto sujeitos de relativa importância dentro da estrutura econômica da época. É certo que, ao menos de início, tais associações não dispunham de poder suficientemente forte e esclarecido para regular as relações entre seus integrantes, tampouco de editar normas à altura da conjuntura política e, com a autoridade para fazerem-se respeitadas por todos e para se impor coercitivamente.²
O grau de organização das corporações foi, aos poucos, tomando maior vulto, cuidando, cada uma, de defender seus interesses. Novas corporações eram fundadas e percebeu-se em amplo movimento de união entre tais organizações, originando, e seguida, às cúrias, que gozavam de enorme prestígio e grande autoridade.
O grande fluxo de riquezas no seio das corporações fez com que elas adquirissem cada vez mais força econômica e política, passando, num segundo momento, a assumir, de fato, o governo das cidades medievais. Editaram-se normas e estatutos que deveriam ser observados por todos os integrantes das corporações. Formou-se uma estrutura de poder fincada na figura do cônsul, eleito pela comunidade, que jurava observar as normas costumeiras e aplicá-las no seio de suas organizações. Pouco a pouco, foi sendo feita a compilação dos usos, costumes e das normas que emanavam dos próprios comerciantes.³
O ponto máximo da estrutura de poder que se organizou entre os integrantes das corporações de vários gêneros pôde ser observado com a criação de um sistema judicial formado pelos próprios mercadores, em especial pelos cônsules e que, em um primeiro momento, dirimiam conflitos apenas entre seus associados. Aos poucos sua competência foi sendo ampliada para abarcar conflitos que envolviam pessoas que não integravam os quadros de tais organizações. Isto se deu, fundamentalmente, em decorrência da rigidez de formas e solenidades do sistema comum, de base romanística-eclesiástica que resultava em morosidade e pequena praticidade.
Esses excertos justificam o subjetivismo do primeiro período de desenvolvimento do Direito Comercial, na qual a criação das normas davam-se a partir do gênio dos integrantes de determinadas classes profissionais, para sua aplicação no seio de suas organizações.
Paralelamente ao desenvolvimento das associações e corporações de vários gêneros, o tráfico comercial se intensificava. Os comerciantes passaram a sentir necessidade de alcançar maiores mercados e paulatinamente organizavam encontros periódicos em locais afastados da dominação feudal, assim denominados de feiras comerciais. Eram dirigidas por uma autoridade central, composta de representantes de todos os interessados.
A dinâmica das feiras comerciais favoreceu, sobremodo, a criação de importantes institutos de direito comercial, como os títulos de crédito, do processo execução e da falência.
Foi, então, no seio destas feiras e, sobretudo, das corporações de mercadores, que surgiram as primeiras normas de direito comercial, como reflexo dos usos e costumes comerciais
Hernani Estrella (1973, p.26) apresenta esclarecedora lição sobre este período da história:
É na Idade Média, porém, obra principalmente das corporações de mercadores, que os usos e costumes mercantis, a legislação estatutária, as decisões dos juízes comerciais (tanto das corporações quanto das comunas) e as práticas contratuais dão vida e corpo ao direito comercial. É com base nesse material que se desenvolve, nos séculos XVI e XVII, a construção científica do direito comercial, exposto sob a forma doutrinária, em monumentais tratados e em exaustivas e perspícuas dissertações, pela plêiade dos patriarcas da ciência jurídica mercantil.⁴
Nesse período, verifica-se, também, um forte movimento de compilação de normas mercantis e de julgamentos dos consulados, sobretudo relativas ao direito marítimo, de alcance internacional. Em toda a Europa imortalizaram-se compilações mercantis, como os Rolles de Oléron, as Leis de Wisby, o Livro do Consulado do Mar, bem como a coletânea de jurisprudência da Rota de Gênova.
Por isto, pode-se afirmar que neste período o Direito Comercial surge como ciência e que se caracteriza como um direito corporativo, profissional, consuetudinário e especial, em relação ao direito civil, ou ao direito comum.
¹ Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971; ESTRELLA, Hernani, Curso de direito comercial Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial, São Paulo: Freitas Bastos, 1943, FERREIRA, Waldemar. Instituições de direito comercial. V. I. São Paulo: Saraiva, 1956, MENDES, Octavio. Curso de direito comercial terrestre. São Paulo: Saraiva & Cia. Editores, 1930, REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V. I. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2004.
² ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 24.
³ BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971, p. 28.
⁴ ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 26.
2.0...3. A fase objetiva: a teoria dos atos de comércio
O contexto social e político da França e de todo o Mundo Ocidental transformou-se profundamente a partir dos ideários de igualdade, liberdade e fraternidade nos quais se baseou a Revolução Francesa.
Este contexto de profundas transformações políticas e sociais não poderia se compatibilizar, ou mesmo tolerar, instituições corporativistas como eram as corporações de ofício. Assim, em 1791, a publicação da Lei Lê Chapelier fez com que ditas organizações fossem definitivamente extintas, consagrando os ideais da Revolução e impondo a reformulação de todo o sistema jurídico comercial de feição classista.
Neste passo interessante transcrever as observações de João Eunápio Borges, sobre os desdobramentos da Revolução Francesa no que toca às organizações profissionais.
Preocupada a Revolução Francesa com a supressão de privilégios do antigo regime, não se contentou com a proclamação da liberdade de trabalho e com a abolição das corporações. Proibiu pura e simplesmente qualquer associação entre profissionais do mesmo ofício, para evitar o renascimento das corporações extintas. O resultado foi negativo e prejudicial aos trabalhadores que, desunidos, apesar da igualdade de todos perante a lei, eram impotentes para se defender contra os beneficiários dos novos privilégios – os da riqueza. Somente em 1884 foi abolida a proibição pela lei que criou os sindicatos profissionais.¹
Posteriormente à abolição das corporações de vários gêneros, em meados de 1806, o Estado Francês entrou em profunda crise econômica, a partir da falência de inúmeros comerciantes, o que chegou a colocar em risco a existência e manutenção do Banco de França. Em razão disto, o Imperador apressou as alterações legislativas necessárias para alinhar o país com os ideais que impulsionaram a Revolução.²
Em 1807 foi concluído e aprovado o Code de Commerce, rompendo definitivamente com a tradição subjetiva de uma classe, para substituí-la pelo objetivismo dos atos de comércio. A nova disciplina da atividade econômica dos atos de comércio difundiu-se rapidamente, sendo seguida por muitos países Europeus e Latino-Americanos.
A teoria dos atos de comércio passou a ser o pilar central do direito comercial, de sorte que qualquer pessoa poderia livremente tornar-se comerciante, desde que os praticassem de forma profissional. Embora tal teoria tenha sido severamente criticada.
O direito comercial passou a ser a disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por qualquer cidadão, não mais sendo restrito à categoria de profissionais organizados em corporações próprias.
Fábio Ulhoa Coelho assevera que
A teoria dos atos de comércio resume-se, rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação, o que acarreta indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas. Embora haja quem considere a imprecisão inerente à teoria dos atos de comércio, vários comercialistas dedicaram-se à tentativa de localizar o seu elemento de identidade no próprio elenco de atos mercantis.³
Embora a teoria dos atos de comércio tenha representado avanço na disciplina da atividade econômica, percebeu-se enorme dificuldade da doutrina em elaborar um conceito unitário para os atos de comércio, bem como de definir quais são as atividades reputadas civis e quais devem ser consideradas comerciais.
Verificada a impossibilidade de se construir um conceito científico para os atos de comércio surgiram dois sistemas legislativos empenhados em determinar quais atos seriam dotados de caráter comercial.
O primeiro deles, o enumerativo, que atribui à Lei a especificação dos atos que reputa comerciais.
A enumeração legal dos atos reputados comerciais tinham como objetivo precípuo, além de delimitar a matéria do comércio, definir a competências dos Tribunais do Comércio.
No entanto, muito se discutiu sobre tal enumeração legal, notadamente se possuía ela caráter taxativo ou meramente exemplificativo. Surgiu então, o segundo sistema: o descritivo ou exemplificativo, segundo o qual a lei apenas traça de forma generalizada, critérios para estabelecer a definição. Tornou-se então possível promover uma extensão analógica a outras espécies de atividades não referidas na legislação, reconhecendo-lhes seu eventual caráter comercial. Tal sistema predominou nas legislações que adotaram a teoria dos atos de comércio, inclusive a brasileira.
Da compreensão de que o Direito Comercial é estatuto que disciplina a matéria comercial e os atos de comércio a que estavam sujeitos todos os cidadãos, foram os mesmos classificados em objetivos – intrinsecamente comerciais e definidos em lei – e subjetivos – provenientes do exercício das atividades comerciais, por comerciantes, não comportando enumeração legal.
Com bases nesses sistemas e classificações debruçou-se novamente a doutrina na tentativa de melhor explicar as bases do novo Direito Comercial. Na Itália, em que vigoravam os atos de comércio nos idos de 1882, Alfredo Rocco preferiu analisar os elementos comuns aos vinte e sete atos reputados de comércio, a fim de delimitar a matéria do comércio. Identificou a interposição como o elemento comum a todos os atos de comércio, dividindo-os em: a) interposição na troca de dinheiro contra dinheiro a crédito; b) interposição na troca do trabalho; c) interposição na troca de risco.⁴
Como possível evolução dos estudos de Rocco, em França, um professor da Faculdade de Paris, Gaston Lagarde, elaborou a teoria da intermediação, dando destaque aos elementos especulação e circulação. Aliando esses elementos com a profissionalidade, intuito lucrativo e habitualidade, poder-se-ia caracterizar o comerciante.
No Brasil, entretanto, a teoria dos atos de comércio somente foi recepcionada com a publicação do Código Comercial em 1850, que cuidou de definir a competência do Tribunal do Comércio, então existente. No entanto, o Código carecia de regulamentação em diversos pontos, merecendo destaque a disciplina dos atos de comércio.
Ainda em 1850 foi promulgado o Regulamento nº 737 que trazia o elenco dos atos de mercancia, além de normatizar questões de ordem processual e deliberar sobre a extinção dos Tribunais do Comércio.
A exemplo do que se verificou na França, no Brasil prevaleceu a corrente que propugnava que o elenco legal dos atos de comércio era meramente exemplificativo.
Desta forma, além dos atos mencionados no artigo 19 do Regulamento nº 737 foram submetidas, posteriormente, outras atividades e pessoas ao regime comercial. Assim o fez, por exemplo, mediante edição das Leis nº 6.404/76 e 4.068/62.
¹ BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971, p. 32.
² BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971, p. 32
³ COELHO, Fábio Ulhoa, Op. cit., p.120
⁴ ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial, Campinas: LZN, 2003, p.202/244.
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Diante do novo cenário econômico mundial, traduzido pelo desenvolvimento da economia capitalista, pós Revolução Industrial, surge a figura da empresa e do empresário, sujeito que exerce, diretamente, a maior influência na