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O Homem Fez Deus E O Diabo À Sua Imagem E Semelhança
O Homem Fez Deus E O Diabo À Sua Imagem E Semelhança
O Homem Fez Deus E O Diabo À Sua Imagem E Semelhança
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O Homem Fez Deus E O Diabo À Sua Imagem E Semelhança

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Entenda por que a mesma criatividade que elevou o ser humano a uma brilhante era científica foi primitivamente a mesma que o levou a criar mitos ingênuos sobre a criação, a sua origem e seu destino depois daqui. Com pitadas de neurociência, humor e questões sociais polêmicas, o autor expõe a sua perplexidade diante de uma civilização que apesar de sua fachada tecnológica continua estagnada em padrões sociais ultrapassados e, incompreensivelmente, a nortear seus caminhos, ancorada a velhas crenças primitivas, infantis e anacrônicas. Uma reflexão sobre a dificuldade que o ser humano tem de distinguir suas mais primitivas crenças da realidade. Nesse trabalho é feita uma análise sobre o sobrenaturalismo secular, religioso e cotidiano que o homem alimenta, além de constatar através de pesquisas de cientistas renomados o motivo pelo qual isso ocorre. Em resumo, uma visão abrangente sobre a influência de padrões instituídos na sociedade como “senso comum”. Diversas questões cotidianas da civilização são observadas, descendo ao nível de crendices decorrentes da ignorância e falta de informação de grande parte do homem moderno, incorporadas na nossa cultura como “fatos reais”. Finalmente, você vai entender que “MITO” é um nome elegante que se dá para uma fantasia persistente, popular e velha.
LanguagePortuguês
Release dateOct 11, 2014
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    O Homem Fez Deus E O Diabo À Sua Imagem E Semelhança - Wagner De Carvalho Bertolo

    O ser humano é uma espécie espiritualizada que

    se mata por poder, dinheiro e diferenças religiosas.

    PREFÁCIO

    Inconformado por não saber como tudo surgiu e com a inexorabilidade da natureza e da morte, o ser humano criou os seus contos de fada...

    Europeu, com cabelos loiros, lavados e escovados em algum salão de Roma, Londres ou Paris, olhos azuis e sósia do Robert Powell, ele vestia uma túnica lavada com sabão em pó multiação, mais limpinha que a do Tiradentes – um meio sósia seu com a aparência também construída para se parecer com ele. Segundo os cristãos modernos, esse era Jesus Cristo, considerado no ocidente a maior figura pop da história da humanidade, porém, opostamente aos Beatles, ele jamais deixou qualquer vestígio físico direto de sua existência. Não que ele não possa ter existido, mas seria impossível que tivesse este biótipo encomendado e cultuado pela Igreja Romana. Como podemos verificar nas obras de arte de seus acervos, concretizados através das mãos de pop stars da arte como Rafael, Michelangelo, Da Vinci e outros, sua origem étnica não lhe permitiria tais características. Mas o mais importante é que sua história foi tão construída e retocada quanto à sua aparência, ambas até hoje cultuadas sem questionamento algum por milhões de desinformados que nem se importam com esse detalhe, afinal, a fé e a realidade nunca se entenderam muito bem. Mais exatamente, a construção da imagem de Cristo no decorrer desses 2 milênios, veio ocorrendo em um processo crescente. Para ser mais específico, se alguém parar um minuto para pensar como os mitos em geral são construídos pelo ser humano, o que poderá vir à mente a este respeito será uma quantidade de histórias de pescador agregadas para a construção dessa celebridade como a conhecemos nos tempos atuais. O primeiro evangelho canônico, escrito por Marcos, fora os outros descartados pela igreja, só foi escrito algumas décadas após a morte de Jesus, o que dá bastante espaço durante todo este tempo para distorções devido à criação de lendas populares, diante da carência de uma biografia oficial. Claro, sem levar em conta outras manipulações históricas capciosas no decorrer de todo este período. E quem é Robert Powell? O ator inglês que fez um Jesus plastificado para inglês ver, no filme do Franco Zefirelli, e antagônico a versão menos limpinha de Mel Gibson sobre o mesmo mito. O que nos faz lembrar que todas as ocorrências na história da humanidade têm mais de uma versão; entre elas, uma verdadeira nem sempre tão bonita, já que as verdadeiras geralmente não são as mais bonitas; ou as lindas versões retocadas que boa parte dos humanos prefere, escolhe e cultua, pois representam o que muitos gostariam que fosse. E é justamente essa escolha que faz com que nossa espécie nunca amadureça e evolua interiormente.

    ___________________________________________________

    MITO

    Nome bonito que se dá para uma mentira persistente, popular e velha.

    ___________________________________________________

    Por que há milhares de anos as mais diversas civilizações espalhadas pelo planeta vêm transmitindo aos seus descendentes uma cultura insuflada de histórias com crenças sobrenaturais incorporando-as à própria História como fatos reais, mesmo tendo evoluído intelectual e cientificamente para distinguir suas fantasias da realidade? Talvez quem possa responder isso, à luz da ciência, é o Dr. Bruce M. Hood, Diretor do Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Bristol. Premiado por estudos sobre desenvolvimento infantil e neurociência cognitiva, atuou como pesquisador em Cambridge, além de lecionar em Harvard, e a quem dedicarei, por questões imprescindíveis ao tema, uma parte na introdução ao assunto central do livro. Autor de Supersense: Why We Believe in the Unbelievable (Supersentido: Por que Acreditamos no Inacreditável), Hood esclarece que o nosso cérebro não se interessa primariamente pelo espetáculo sofisticado de elementos que nos rodeiam no mundo em que vivemos, mas sim em tentar ordenar e dar significado a tudo isso. Quando, aparentemente, não encontra uma definição para ocorrências naturais, ele desvia para o sobrenatural. A este atalho, ou mais exatamente a forma como o cérebro reage e opera, é denominada pelo neurocientista como supersentido, expressão que deu nome ao seu livro. Para ele, este design mental é a causa pelas quais certas ideias são óbvias, enquanto outras são obscuras. Esse define o modo organizado no qual nosso cérebro está configurado para entender e interpretar o mundo. Como todas as outras partes do corpo humano, o cérebro evoluiu ao longo de milhões de anos. Nossas mãos foram projetadas para manipular objetos. Nossas pernas, para locomoção bípede. O nosso fígado, para fazer todo tipo de trabalho. Da mesma forma, nosso cérebro se desenvolveu de certas maneiras durante o processo de evolução. A maioria dos cientistas concorda que o cérebro tem muitos mecanismos intrínsecos especializados que nos equipam para processar o mundo da experiência. Tais mecanismos não são aprendidos nem ensinados a nós por outras pessoas. Eles formam o pacote de ferramentas mentais com o qual cada um de nós está equipado, como parte do nosso design mental. Esse design, entretanto, não precisa de um projetista. Você não precisa de um deus para explicar de onde esse design veio. É simplesmente o processo pelo qual a adaptação gradual de sistemas biológicos produziu um órgão complexo para resolver problemas ao longo da evolução. A seleção natural é o nosso projetista, afirma Hood. Dessa forma, ele refuta a tese do filósofo Daniel Dennett e do naturalista Richard Dawkins de que as crenças religiosas gerem, exclusivamente, o resultado de doutrinação no período da infância. Para ele a cultura e a igreja têm, obviamente, seu papel nas crenças sobrenaturais, mas não são a centelha que desencadeia essa tendência em um indivíduo, mas sim apenas uma linha de pensamento para dar sentido as próprias crenças. A religião é a face mais familiar das crenças sobrenaturais: a maioria das religiões tem divindades e outros seres sobrenaturais que não estão restritos às leis naturais. Até mesmo muitas pessoas que não acreditam em Deus estão dispostas a aceitar a noção de que há fenômenos, padrões, energias e forças agindo no mundo que não podem ser explicados por leis naturais. Deus pode precisar de crenças sobrenaturais, mas as crenças sobrenaturais não precisam de Deus. Analogamente a Hood, encaro as religiões como uma espécie de roupagem (com grifes a escolher) para dar identidade a crenças particulares e, ao mesmo tempo, justificar na fase adulta a continuidade dessas fantasias inerentes a nós e culturalmente reforçadas na infância. A escolha, ou até mesmo a imposição por parte de um clã, sobre qual religião se deve seguir, comumente, ocorre na primeira fase da vida, sob influências culturais da região onde se vive, educação e nível social. Voltando a Hood, a questão é que para ele o ser humano já nasce com o cérebro desenhado para extrair sentido em tudo que há no mundo, e quando não consegue, essa arquitetura, muitas vezes, leva-o a crer em coisas que extrapolam as definições naturais, devido a sua necessidade de preencher as lacunas de informação. Devido a isso, para ele, temos tanta dificuldade em lidar com a possibilidade de que as coisas aconteçam aleatoriamente ou por acaso. Segundo sua teoria, se esse design mental é inerente ao modo natural do ser humano entender o mundo, ele continuará sempre presente nas futuras gerações nascidas com esta estrutura mental e afirma que dessa forma, seja improvável que esforços para eliminar a crença no sobrenatural tenham sucesso. Quanto a isso, creio que há um óbvio círculo vicioso entre a limitação do cérebro humano de transcender esse bug cognitivo por força do momento evolutivo da espécie e o secular bombardeio de uma cultura místico-religiosa sofrido pela sociedade, adiando o fim dessa estagnação evolutiva para ir além da forma instintiva em que nossa mente usa o sobrenatural como opção "default", tapando assim as lacunas causadas pela ausência de respostas lógicas sobre muitas das charadas da existência.

    No entanto, para o pesquisador, a nossa espécie pode precisar do supersentido, não só para sustentar as fantasias que extrapolam a vida real, como por exemplo, uma garantia de segurança do que nos acontecerá após esta vida, mas porque esse nos proporciona apreciar valores sagrados ainda em vida. Mas por favor, não confundir valores sagrados com religiosos. Como Hood mesmo exemplifica, as religiões, por exemplo, são cheias de valores sagrados a serem reverenciados. Desde locais, objetos, símbolos e palavras até indivíduos e entidades sobrenaturais que personificam umas o bem e outras o mal – como anjos, demônios e outros. Porém, o cientista observa que nem os não religiosos estão livres de valores sagrados, já que o ser humano é um animal social e para participar da sociedade compartilha de muitas convenções que ela apresenta como valores comuns para manter um grupo de indivíduos. Até mesmo coisas como um livro, um álbum musical, uma pintura, uma escultura, uma edificação, uma sinfonia escrita e muitas outras obras feitas pelo próprio Homem podem ser veneradas como sagradas. Segundo ele, a sociedade precisa desses valores sagrados, coisas que considere especiais e intocáveis, pois representam um conjunto comum de crenças que unem um grupo de indivíduos e se aplica a todos eles. Sem valores sagrados a sociedade se deterioraria em um vale-tudo, no qual os indivíduos só estariam interessados no próprio bem-estar ou mais ainda, devemos reconhecer e seguir o consenso coletivo de que alguns bens e valores não materiais não poderiam ser comprados, possuídos ou controlados por outro membro do grupo. Valores sagrados confirmam a disposição de sermos parte de um grupo e de compartilharmos valores e crenças comuns, mesmo quando esses não estão embasados em evidências sólidas.

    Outro aspecto da questão que me remete diretamente aos crédulos e adeptos do sobrenatural é a frase de Hood, que ao citar que o supersentido existente dentro de cada um de nós nos faz acreditar que devemos ignorar evidências científicas e manter a mente aberta, ele completa que o problema, ao fazer isto, é que tudo que está nela se esvai, incluindo a nossa razão. Daí para frente é um salto para a frase do filósofo Francis Bacon, após o próximo parágrafo.

    Apesar de ter a mente aberta para ideias que mesmo até o momento ainda não tenham embasamento científico, ou nunca venham a ter por serem meros equívocos da minha parte, como poderá ser visto no decorrer da leitura, tento ao máximo me desvencilhar das armadilhas de programação de milhões de anos de evolução existentes no meu cérebro, que possam me pregar uma peça durante o percurso. E apesar do uso extensivo do livro do cientista Bruce M. Hood como referência no início deste trabalho, a fim de orientar muitas ideias aqui existentes, diferentemente dele, não tenho a intenção de apresentar respostas científicas a respeito de muitas incógnitas do comportamento humano, mas sim como um leigo observando na prática as implicações sociais que o design de nossa mente desencadeia, tentar de forma crítica acordar este mar de acomodados, debruçados em mitos milenares confortáveis, mantenedores de um infantil e medroso escapismo que atrasa a evolução humana, além de como são usados pelo poder político e religioso para controle da coletividade.

    ___________________________________________________

    VERDADE

    "Preferimos acreditar naquilo que gostaríamos que fosse verdade."

    Francis Bacon

    ___________________________________________________

    ETERNAS CRIANÇAS

    Apesar da transcrição de muitas partes do livro de Hood, batizei este capítulo com o nome acima por motivos óbvios, como poderá ser visto a seguir.

    Ao rastrear a primeira evidência de crenças sobrenaturais até o início das culturas, o pesquisador observa que, apesar da ciência ter avançado significativamente nos últimos 400 anos, o sobrenaturalismo continua a ser algo muito comum. Um dos principais argumentos que ele defende é que as crianças, naturalmente, raciocinam sobre os aspectos invisíveis do mundo delas, e fazer isso, às vezes, as leva a desenvolver crenças que formarão a base das noções sobrenaturais que terão quando se tornarem adultas. Particularmente, a forma como as crianças raciocinam sobre coisas vivas e sobre o que a mente é e pode fazer mostram, claramente, os princípios das ideias que se tornam a base para as crenças sobrenaturais na fase adulta. Elas emergem muito antes de as crianças serem ensinadas a pensar, ou seja, crenças sobrenaturais são um produto do pensamento. A ciência pode ensinar as crianças sobre as coisas reais que compõem o mundo, como o DNA e os átomos, mas nosso raciocínio essencialmente infantil continua a influenciar o modo como pensamos e nos comportamos quando adultos, afirma o cientista. Entre outras coisas, Hood desejaria que todos tivessem em mente que o desenvolvimento da mente de uma criança até a fase adulta não se resume a aprender fatos sobre o mundo, coisa que a educação escolar ajuda bastante, mas também envolve aprender a ignorar as próprias crenças infantis, o que demanda esforço mental. Ainda referente a isso, ele cita como é irônico que durante a fase pré-escolar se coloque as crianças em um mundo de faz de conta para depois lhes dizer que devem deixar essas ideias imbecis de lado e crescer quando entram no ensino fundamental. Isso me fez lembrar algo curioso a respeito, já que como iniciei meus estudos pulando o período pré-escolar, de certa forma não passei por esse choque da transição entre a fantasia e a realidade. Aliás, sobre esse aspecto, como criança, sempre me considerei um velho, pois detestava histórias para crianças e, principalmente, peças infantis com atores adultos de cara pintada, vestidos de bichinhos de pelúcia e se comportando como idiotas, coisa que me causava extrema vergonha alheia. Lembro-me de uma passagem da minha infância em que meu primo se vestiu de elefantinho para uma peça no colégio a qual fui com ele assistir, mas confesso que durante todo o percurso até sua escola, morri de vergonha de andar ao seu lado, com ele vestido de mascote de extrato de tomate. Enfim, quando ele souber disso vai me matar.

    Voltando ao ponto, Hood também faz considerações sobre a conexão entre o supersentido e a criatividade. Isso porque, talvez, esta última dependa da nossa capacidade de saltar sobre a lógica e criar novas maneiras de olhar para velhos problemas. Nesse caso, a criatividade e o supersentido podem ser mais fortes naqueles que estão menos ancorados à realidade e mais inclinados a perceber padrões e conexões que a maioria de nós deixa passar ou considera não serem importantes. Por esses motivos, para o pesquisador, as crenças sobrenaturais são praticamente inevitáveis e saber de onde elas vêm e por que nós as temos, no mínimo, facilita a entendê-las como aspectos do ser humano.

    Para o cientista, mesmo que as ideias sejam transmitidas através da cultura, duas perguntas fundamentais ainda estariam sem respostas: de onde se originaram as primeiras ideias sobrenaturais? E por que tantas culturas isoladas têm as mesmas concepções equivocadas? Os tipos comuns de crença e de raciocínio compartilhados por diferentes culturas separadas há eras no tempo e muito distantes geograficamente sugerem que há algo intrínseco no modo como os humanos pensam. Por exemplo, quase todas as culturas criaram mitos para explicar as origens do mundo e a diversidade da vida que geralmente envolve deuses. Deuses e agentes espirituais também são considerados responsáveis por eventos imprevisíveis. Sempre que encontrarmos tais crenças e comportamentos universais, deveríamos procurar as razões pelas quais essas explicações sobre origens e eventos são similares. Como o instinto da linguagem encontrado em todas as sociedades desde o início da civilização, será possível que um supersentido seja também parte do desenvolvimento do raciocínio humano? Será que todos nós começamos com uma inclinação nata para o sobrenatural que apenas alguns conseguem superar? Por que é tão difícil para as pessoas se tornarem científicas em seus pensamentos? Hood pondera que as crenças sobrenaturais funcionam tão bem porque são plausíveis. E elas são plausíveis porque se encaixam naquilo que nós queremos acreditar e já imaginamos ser possível. Elas também dão sentido a todos os eventos estranhos e inacreditáveis que pontuam nossa vida. Ideias e crenças podem ser transmitidas, mas apenas aquelas que estão em harmonia com o que acreditamos ser possível se firmam e fazem sentido. Esse é um aspecto importante que amiúde é ignorado. Nós podemos aceitar ou rejeitar ideias, mas raramente consideramos por que fazemos isso. As ideias têm que se encaixar naquilo que já conhecemos. Se não for assim, elas não farão sentido.

    Diante das teorias de Hood, que tenta nos mostrar de forma científica esse intrigante cacoete da nossa mente, entendo por que a maioria dos seres humanos adultos que segue alguma forma de doutrina religiosa, não se questione em momento algum quanto aos motivos que a leva a cultivar como valores sagrados a crença em conceitos completamente instintivos e infantis, como norteadores para suas vidas.

    Como citado no final da introdução, após ter praticamente escrito metade deste livro, me vi compelido a acrescentar informações cruciais em seu início, originadas da pesquisa de Bruce M. Hood, por dar sentido (à luz da ciência) a coincidentes colocações feitas por mim muito antes de conhecer o seu trabalho, o que poderá ser verificado em vários momentos. Achei necessário tanto teístas como ateus, leigos em ciências em geral, assim como eu, conhecer um pouco das ideias do cientista, a fim de transmitir conhecimentos que possam ajudar a essas duas linhas de pensamento a abrirem seus horizontes e aprenderem, realmente, a pensar sem o uso de ideias pré-concebidas dentro de suas perspectivas, ou melhor ainda, compreender por que por automatismo fazem uso delas. Mas uma das questões principais, é que após ter lido o seu trabalho para verificar que essa característica particular da mente humana tem muitas outras funções importantes para a nossa sobrevivência e evolução, particularmente, acho que o seu aspecto mais infantil no que se refere ao entendimento do sobrenatural desaparecerá naturalmente com a contínua evolução do ser humano, sem, no entanto, eliminar o outro papel fundamental que ela desempenha, relacionado à criatividade e que impulsiona o nosso avanço na existência.

    SUPERSTICIOSAMENTE

    Abrindo um rápido parêntese e apenas para ilustrar um dos efeitos colaterais mais triviais causados pelo pacote de programação do ser humano, recentemente, durante um voo de volta para o Rio, enquanto eu lia justamente o referido livro Supersentido, a aeronave passou por uma pequena tempestade e naquele momento em que ocorreram fortes relâmpagos, eu me encontrava lendo o seu início, onde o pesquisador fazia citações iniciais sobre as superstições humanas, como bater na madeira, crer em amuletos e ter valores sagrados. De repente, a senhora ao meu lado, apavorada diante do sacolejar do avião, instintivamente, fez o sinal da cruz, como uma espécie de gesto automático de solicitação de autoproteção divina, claro que dentro do seu prisma. Daí, fiquei a pensar que em toda a história da aviação é deduzido, obviamente, que momentos antes de muitos outros aviões terem se espatifado na superfície terrestre, vários dos seus ocupantes devem ter feito o mesmo gesto, mesmo sem qualquer efeito neutralizador diante da seguida tragédia. Diante da ocorrência, não pude deixar de achar a sincronicidade (segundo Jung) irônica e ao mesmo tempo ilustrativa, como uma espécie de dramatização em 3D do livro, ali bem ao meu lado, mas isso é só um detalhe em vista do que ainda iremos ver adiante. Relativo a esta questão, Hood explica que as crenças por trás de práticas supersticiosas podem ser sobrenaturais, mas o interessante é notar que elas funcionam porque reduzem o estresse causado pela incerteza. Rituais produzem uma sensação de controle ou, pelo menos, a crença de que temos controle, mesmo quando não temos. A ilusão de controle é um mecanismo imensamente poderoso para nos imunizar contra danos, em especial se forem imprevisíveis. Nós não apenas achamos difícil pensar racionalmente, mas, além disso, não gostamos de castigos imprevisíveis.

    Como coloca o pesquisador, podemos não ter registros escritos de períodos antigos da humanidade, mas as evidências de práticas sobrenaturais podem ser encontradas nas atividades humanas, mesmo nos registros mais antigos. Alguns dos primeiros enterros ocorridos há pelo menos 45 mil anos, mostram sinais de ritualismo. Ninguém sabe exatamente o que motivou os homens

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