A Emergência de Novas Subjetividades em Ecovilas: A Saga da Vida Comunitária e da Preservação Ambiental
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O livro lança novos olhares sobre a construção da subjetividade em ecovilas, promovendo o diálogo entre as estratégias de governo criadas por cada comunidade e o exercício realizado por seus moradores na busca (ou não) de se desenvolverem enquanto sujeitos mais conscientes das suas individualidades, das suas relações interpessoais e das suas interferências na natureza.
Ao longo das páginas, entramos em contato com as alegrias, tristezas, transformações e conflitos que esse modelo de vida, que vem crescendo ao redor do mundo e visa enfrentar os desafios atuais do isolamento social e da degradação ambiental, pode gerar. Por seu conteúdo e sua linguagem direta e dinâmica, esta leitura traz um potencial reflexivo e prático para as pessoas que desejam promover ou já promovem novos modelos de vida mais sustentáveis e serve de fonte para todos os interessados na construção de contextos que promovam melhor interação social, autoconhecimento e preservação do meio ambiente concomitantemente.
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A Emergência de Novas Subjetividades em Ecovilas - Luiz Guilherme Mafle Ferreira Duarte
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO MULTIDISCIPLINARIDADES EM SAÚDE E HUMANIDADES
Dedico este livro à minha família,
fonte de inspiração para lutar por um mundo melhor, e
àqueles que se esforçam todos os dias para realizar esta saga.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu filho, Jonas, e à minha esposa, Marina, que, além de me inspirarem, apoiaram-me a alçar longos voos e suportaram as distâncias impostas com muito amor!
Aos meus pais, grandes exemplos de vida, por investirem tudo o que puderam para que eu alcançasse esta realização!
Agradeço de todo o coração ao meu orientador, por quem tenho grande admiração, Dr. João Leite Ferreira Neto, que, já em 2013, acreditou no meu potencial e me acompanhou em todo esse percurso de amadurecimento, possibilitando-me realizar sonhos que nunca imaginei.
À minha orientadora no doutorado sanduíche, Marlyne Sahakian, que, sempre acreditando no meu potencial, acolheu-me calorosamente na Universidade de Genebra e me lançou altos desafios que me motivaram no esforço diário.
A todos os amigos das ecovilas que me acolheram com todo carinho e abertura de espírito, mostrando-me novos mundos e experiências que não poderia ter experimentado sem essa acolhida.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Código de Financiamento ٠٠١.
PREFÁCIO
As ecovilas são experimentos conduzidos por grupos comunitários que buscam criar modelos de organização social e cultural, novas formas de se estar no mundo, de se relacionar com a natureza, com o Outro e consigo mesmo. Tais iniciativas comunitárias são frequentemente desprezadas como fenômenos marginais, sem impacto significativo na sociedade mais ampla. Tal discurso economicista só enxerga as mudanças que se operam nas escalas mais amplas, na infraestrutura, nas tecnologias e na economia. Neste livro, Luiz Guilherme Mafle Ferreira Duarte convida-nos a explorar as ecovilas como lugares em que se produzem novas subjetividades. A novidade deste estudo é demonstrar os limites das estratégias de governo que se limitam à criação de infraestruturas e normas mais ecológicas, sem levar em consideração a transformação das subjetividades operada quando se promove práticas de si
orientadas para a construção de modos de vida comunitários e pró-ambientais. O estímulo às práticas de si
, enquanto reflexão individual e coletiva sobre as próprias condutas, é, a meu ver, a principal característica que torna as ecovilas em laboratórios de experimentação cultural, gestando novos estilos de vida e novas subjetividades — tão importantes para a transição societária quanto as macropolíticas de modernização ecológicas. Nesse sentido, são de extrema importância estudos acadêmicos que, como este, investiguem os resultados desses experimentos socioculturais e dos quais se possa tirar lições úteis para a sociedade mais ampla.
O grande diferencial deste estudo é a realização de pesquisa de campo em três ecovilas distintas, o que possibilita a comparação do impacto de diferentes modelos de governança e estrutura na produção das subjetividades. Em uma das ecovilas, o foco do grupo é o desenvolvimento pessoal de cada habitante. As ferramentas e práticas coletivas visam fomentar o autoconhecimento e o autoaperfeiçoamento. Nesse contexto, os sujeitos são convidados a refletir e revisar seus comportamentos para a construção de uma vida mais ética e ecológica. Na segunda ecovila, o foco são a vida comunitária e a construção de novas formas de relação com a natureza. Diversas ferramentas terapêuticas foram utilizadas para que os membros tomassem consciência e pudessem modificar padrões de comportamento vistos como essenciais para a construção de uma cultura mais ecológica e comunitária.
Cabe ressaltar que tais processos de transformação interna estimulados pelas ecovilas não são tarefas simples. Eles requerem um grande investimento de energia e disponibilidade por parte dos sujeitos. Requerem também um grupo de pessoas dispostas a apoiar o processo individual de cada um por meio de ferramentas coletivas, pois nas relações sociais operam-se o espelhamento e a possibilidade de se autoconhecer na relação com o Outro. Tais práticas de si são, no entanto, fundamentais para que os processos de subjetivação orientem-se na direção da colaboração, do senso de comunidade e de práticas pró-ambientais — elementos tão necessários para a construção de uma cultura ecológica.
O estudo realizado na terceira ecovila traz uma grande riqueza de dados, já que o autor teve a chance de acompanhar o grupo durante mudanças importantes no modelo de governança comunitária e pôde, assim, investigar os impactos de tais mudanças nos sujeitos. Tal análise demonstra que estratégias que visam construir modelos e habitações sustentáveis, mas que não investem nas práticas de autodesenvolvimento de seus membros, não conseguem promover transformações profundas nas subjetividades. O modo de vida ecológico
, nesse caso, restringe-se à obediência a regras de conduta impostas de fora, sem alterar fundamentalmente a relação dos indivíduos com os outros e com a natureza. Esse é um insight muito importante, que reforça o limite das estratégias de desenvolvimento sustentável que focam apenas na transformação das infraestruturas e regramentos, sem promover práticas de reflexão individuais e coletivas e sem empoderar os indivíduos a assumirem um papel ativo nas decisões da comunidade. Tais estratégias, por não fomentarem o senso comunitário, estimulam a reprodução de habitus individualistas que são, muitas vezes, os próprios causadores dos problemas ambientais que enfrentamos.
A partir do estudo dessas três ecovilas, o autor amplia o universo de aplicação dos conceitos foucaultianos de governo e práticas de si
para se pensar a relação dos sujeitos com o meio ambiente e a criação de subjetividades orientadas para ações coletivas e práticas pró-ambientais. Essa é a grande contribuição deste livro. O autor demonstra que passar da vigilância mútua para o estímulo à autovigilância, da normatividade para o estímulo à autorreflexão e transformação interna, da regulação à autorregulação por meio das práticas de si
são estratégias imprescindíveis, se queremos realmente construir modos de existência que sejam ambiental e coletivamente orientados.
Práticas de si
podem ser estimuladas pelas relações sociais e contextos institucionais das ecovilas e se configuram como práticas de liberdade, em que os sujeitos podem desconstruir antigos padrões de conduta e normatividade para construir o seu próprio caminho ético. São práticas que exigem a coragem de rever sua própria conduta, de transformar suas práticas e de construir um novo ethos. A criação, pelas ecovilas, de ferramentas e processos de governança que estimulam práticas de si é, portanto, tão importante para a transição societária quanto os investimentos em tecnologias verdes
. Afinal, a dimensão cultural das subjetividades, das crenças, dos valores e sensibilidades compartilhadas é o estímulo e o limite para qualquer esforço mais amplo de transformação social.
Rebeca Roysen
Pesquisadora da Universidade de Basel/Suíça.
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília e membro do GEN Research Group.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Sumário
1
INTRODUÇÃO 17
2
O QUE JÁ SABEMOS SOBRE MODOS DE GOVERNO E PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO EM ECOVILA? 21
2.1 Análise integrativa 24
2.2 Resultados e discussão 25
2.2.1 Relações dos sujeitos com o coletivo 25
2.2.2 Relações dos sujeitos consigo mesmos 32
2.2.3 Relações dos sujeitos com o meio ambiente 36
2.3 Conclusão 38
3
PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO, um desvio teórico
necessário 41
4
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA 45
5
O CUIDADO DE SI COMO ESTRATÉGIA DE GOVERNO EM
ECOVILAS 49
5.1 Metodologia 50
5.2 Resultados 50
5.2.1 Estudo de caso 1: ecovila no Norte da Suíça 50
5.2.1.1 Estrutura, governo e demografia 50
5.2.1.2 Processos de subjetivação na ecovila 53
5.2.2 Estudo de caso 2: ecovila brasileira 60
5.2.2.1 Estrutura, governo e demografia 60
5.2.2.2 Processos de subjetivação na ecovila 63
5.3 Discussão final 69
6
EMPODERAMENTO EM UMA ECOVILA: desvelando o papel das relações de poder nas práticas sociais 71
6.1 Empoderamento, práticas sociais e relações de poder 72
6.2 A pesquisa 74
6.3 Contexto empírico da ecovila 75
6.4 Resultados e discussão 76
6.4.1 Procedimentos e o contrato social 76
6.4.2 Entendimentos - coletividade e individualidade 79
6.4.3 Engajamentos e relações de poder 83
6.5 Conclusão 87
7
PRÁTICAS DE SI E COMPORTAMENTO PRÓ-AMBIENTAL EM ECOVILAS 89
7.1 Análise dos dados 92
7.1.1 Estrutura e práticas de si 92
7.1.2 Processos de subjetivação e comportamentos pró-ambientais 100
7.3 Discussão 109
7.4 Conclusão 110
8
CONSIDERAÇÕES FINAIS 113
REFERÊNCIAS 117
1
INTRODUÇÃO
Como toda obra baseada em uma etnografia, a subjetividade do próprio pesquisador merece atenção, pois a partir dela o olhar é guiado e a realidade ganha novos contornos. O meu trabalho como psicólogo clínico sempre me trouxe o interesse pela subjetividade humana, como cada sujeito se constrói enquanto tal e como trabalhar isso pode trazer grandes transformações na vida de cada um. Já como psicólogo social, fui aprendendo que a vida em comunidade e o sentimento de pertencimento a um grupo são fatores que interferem bastante no bem-estar das pessoas. E de pano de fundo, o interesse pelo meio ambiente esteve constantemente me impulsionando a questionar sobre o que fazemos com o mundo em que vivemos.
Sendo assim, o interesse por este estudo surge da minha intenção em desenvolver um material que unisse esses fatores e nos auxiliasse a enfrentar as crises econômicas e ambientais que o mundo pós-industrial