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Direito e o agronegócio capixaba
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Direito e o agronegócio capixaba

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A obra reúne textos de profissionais do direito que atuam no agronegócio e aborda temas como: o seguro agrícola, a desburocratização da agroindústria familiar, a regularização fundiária, a imunidade tributária às receitas provenientes de exportação realizada pela modalidade direta, proteção e relações contratuais para agtechs, os impactos do Covid-19 nas normas regulamentadoras, compliance, Lei Geral de Proteção de Dados e a redução das contribuições previdenciárias no agronegócio capixaba. O livro em uma linguagem simples, mesmo no contexto técnico do mundo jurídico, sem excessos do "juridiquês", possibilita a compreensão adequada, além de uma perfeita atualização do normativo jurídico tão relevante para o agronegócio capixaba.
LanguagePortuguês
Release dateAug 18, 2022
ISBN9786553870598
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    Direito e o agronegócio capixaba - Conhecimento Livraria e Distribuidora

    PERSPECTIVAS PARA O SEGURO AGRÍCOLA NO BRASIL: iniciativas governamentais complementares à política de subvenção ao prêmio

    Lorenzo Caser Mill[1]

    1 INTRODUÇÃO

    O aspecto central do contrato de seguro é o risco, ou seja, a possibilidade de ocorrência de um evento prejudicial ao segurado ou aos seus beneficiários. Tal possibilidade, somada à probabilidade da ocorrência desse evento – a qual, uma vez calculada, gera um cenário de previsibilidade –,[2] faz com que se acorde a compensação de uma despesa futura e incerta (o dano), normalmente de valor elevado, por uma despesa antecipada e certa, de valor relativamente menor (o prêmio).[3] Essa compensação é denominada transferência de risco, e foi tomada pelo artigo 757 do Código Civil como uma garantia de interesse legítimo do segurado contra riscos predeterminados.

    O seguro agrícola, uma das modalidades de seguro rural – a Superintendência de Seguros Privados (Susep) ainda prevê outras sete –, é um instrumento de política agrícola que permite ao produtor proteger-se contra perdas na produção, geralmente ligadas a fenômenos climáticos adversos ou a emergências sanitárias. Tal proteção é voltada à renda do produtor, i.e.: permite a ele, mediante pagamento periódico de prêmios, igualar a sua renda no contexto de um evento danoso à renda que seria auferida caso esse evento não ocorresse. Essa renda, claro, simboliza a quantificação, por parte da seguradora, do valor da produção objeto do seguro, valor esse baseado, em regra, na média regional de produtividade agronômica.

    Pode-se dizer, então, que há uma transferência do risco da agricultura – atividade de significativa incerteza – para outros agentes e setores econômicos.[4] Por consequência, o seguro agrícola tende a estimular o aumento da área cultivada e a proporcionar uma garantia do fluxo de renda, facilitando, assim, a oferta de financiamento às atividades no campo.

    Apesar das vantagens teóricas, o instrumento tem baixíssima adesão entre os agricultores brasileiros e é visto como economicamente inviável para a maioria das seguradoras, as quais disponibilizam poucos produtos do tipo no mercado. Trabalhos sobre o tema[5] indicam como causas prováveis desse cenário a prevalência de informações assimétricas, que, por sua vez, geram seleção adversa, risco moral e risco sistêmico:

    Seleção adversa: situação em que, numa transação econômica, um dos agentes possui mais informação do que o outro, e, em razão dessa assimetria, o agente menos informado toma decisões equivocadas. No setor de seguros, ocorre quando as seguradoras avaliam ser inviável diferenciar clientes em categorias de alto risco e de baixo risco, acabando por instituir para todos os contratos um preço médio, o que é insustentável;[6]

    Risco moral: possibilidade de uma das partes da transação econômica não tomar os cuidados necessários para manter o risco no mesmo patamar inicial. No ramo do seguro agrícola, tem como exemplo um agricultor que, após a contratação do seguro contra estiagem, deixa de investir em irrigação para que a produção suporte um período de menor volume de chuvas;

    Risco sistêmico: interrupção do fluxo de serviços financeiros, geralmente causada por evento extraordinário e imprevisível.

    É comum, então, a presença do Estado no mercado securitário, desenvolvendo ações que busquem compensar tais deficiências. No Brasil, as experiências mais significativas ocorreram por meio de programas de seguro agrícola criados por lei e quase que inteiramente subsidiados pelo Tesouro Nacional.

    A Lei n. 10.823/2003 é o diploma legal mais recente a instituir uma política governamental de seguro agrícola, e tem o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSP) como instrumento central do propósito de aumentar a área agrícola segurada no País e o número de produtores atendidos. Este trabalho procurará demonstrar, dessarte, que as medidas políticas dos últimos quinze anos foram relevantes para se alcançar tal propósito, mas não bastantes; e, a partir desse diagnóstico, examinará a regulamentação do Fundo de Catástrofe e o aumento de situações de obrigatoriedade da contratação do seguro agrícola como as duas próximas medidas pertinentes a serem implementadas.

    2 HISTÓRICO DOS PRINCIPAIS MARCOS REGULATÓRIOS BRASILEIROS

    Em 1954, a promulgação da Lei Federal n. 2.168/1954 significou a primeira iniciativa burocraticamente organizada de disseminação do seguro agrário no País. Entre outras medidas, o diploma instituiu o seguro agrário destinado à preservação das colheitas e rebanho contra a eventualidade de riscos que lhe são peculiares, autorizou a criação da Companhia Nacional de Seguro Agrícola (CNSA) – sociedade de economia mista destinada a desenvolver progressivamente operações de seguros agropecuários, conforme redação do art. 21 –, e instituiu o Fundo de Estabilidade do Seguro Agrário (FESA), sob administração do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

    Os resultados, porém, não foram satisfatórios. A CNSA não conseguiu equilibrar as contas e operou em déficit por anos, sendo que o insucesso é comumente atribuído a dois fatos principais: falta de adesão ao seguro facultativo, impedindo o alcance de uma escala mínima para exploração econômica do produto oferecido aos agricultores; e vedação legal à companhia de operar também em ramos de seguros mais rentáveis, que contribuíssem para o equilíbrio de sua carteira.[7] Decerto a precariedade da infraestrutura e da tecnologia nacionais à época dificultou o necessário cálculo de risco – cenário que, por sinal, permanece até hoje.

    A CNSA, então, foi dissolvida pelo Decreto-Lei n. 73/1966, que, buscando sanar as deficiências observadas na Lei n. 2.168/1954, (i) criou o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), órgão de cúpula do Sistema Nacional de Seguros Privados – igualmente instituído pelo diploma; (ii) constituiu o Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), utilizado até hoje como fonte de recursos para compensação das seguradoras em situações excepcionais; (iii) determinou a obrigatoriedade da contratação de seguro no financiamento de atividade agropecuária por instituições financeiras ligadas ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR); e (iv) permitiu que o governo federal assumisse riscos catastróficos e excepcionais por intermédio do IRB, desde que interessassem à economia e segurança do País.[8] Ademais, como o art. 24 estabeleceu que poderiam operar diretamente seguros privados apenas as sociedades anônimas ou as cooperativas, governos estaduais que o faziam – v.g., por meio de secretarias – tiveram de organizar empresas seguradoras estatais, tal como ocorreu no Estado de São Paulo com a criação do IPESP – Seguros Gerais S.A, posteriormente denominado Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Cosesp).

    O governo federal retomou suas iniciativas de proteção ao setor rural com a criação, em 1973, do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), regulamentado pela Resolução n. 301/1974 do Banco Central do Brasil. Cabe pontuar que, embora haja recolhimento de prêmios, o Proagro não é um mecanismo de seguro, consistindo numa garantia de exoneração de obrigações financeiras relativas à operação de crédito rural de custeio, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam rebanhos e plantações. Ou seja, não há garantia da produção agrícola, mas tão somente do valor correspondente ao crédito de custeio contratado junto ao agente financeiro, deixando o produtor desamparado em termos de renda e, por outro lado, protegendo integralmente os agentes financeiros.[9]

    O Proagro conviveu com denúncias de fraude e não se mostrava viável financeiramente; nos cinco primeiros anos, a sinistralidade, que é a divisão do total pago em indenizações pelo total arrecadado em prêmios, foi sempre superior a 1 (hum).[10] A partir de 1995, em uma decisão acertada, os prêmios e as coberturas do programa passaram a ser calculados com base em zoneamento agrícola, permitindo a regionalização das datas de plantio e a consequente diferenciação, por cultura, do valor do prêmio. Por outro lado, deixou de cobrir eventos ligados à seca – apontada como principal risco da agricultura brasileira –, o que reduziu o valor dos prêmios, mas, claro, levou à diminuição do apelo do programa, com menos agricultores dispostos a pagar o prêmio.[11]

    Com efeito, há muito se indicava que, de maneira geral, os produtores entendiam que o seguro agrícola era um custo a mais de produção.[12] A demanda se restringia às regiões de climas mais instáveis ou às culturas com riscos mais elevados, o que afetava a carteira das seguradoras: v.g., dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento demonstram prejuízo da ordem de R$ 239 milhões para as seguradoras, no âmbito do seguro agrícola, de julho de 1995 a dezembro de 2005. A concentração de risco encarecia o prêmio, o que, por sua vez, aumentava o desinteresse dos produtores pela contratação do seguro, gerando um círculo vicioso.[13]

    Na falta da massificação do seguro agrícola, o governo não tem alternativa senão compensar as quedas de receita decorrentes de fenômenos climáticos com a prorrogação das dívidas do crédito rural, e o volume de dívidas rurais acumuladas impõe ao Tesouro Nacional um ônus maior do que aquele que se gastaria com o pagamento parcial do custo anual de contratação do seguro.[14] Dessa forma, buscando um mecanismo para ampliar o número de segurados e baratear o custo do prêmio, o Estado brasileiro, com a aprovação da Lei n. 10.823/2003, elegeu como ferramenta central de sua nova política de seguro agrícola a subvenção econômica ao prêmio pago pelos produtores, esperando ver desenvolver-se um modelo de gestão de riscos de responsabilidade quase inteiramente privada.

    3 A LEI N. 10.823/2003 E OS RESULTADOS POR ELA OBTIDOS NOS ÚLTIMOS QUINZE ANOS

    A Lei n. 10.823/2003 traz em sua introdução que dispõe sobre a subvenção econômica ao prêmio do Seguro Rural e dá outras providências. Sendo assim, decerto a medida central estabelecida pelo diploma foi a subvenção econômica ao prêmio do seguro rural, organizada com a instituição, pelo Decreto n. 5.121/2004, do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSP). A partir daquele momento, o auxílio pecuniário ao produtor rural para que ele quite prêmios propostos por empresas seguradoras privadas passou a ser tido como um dos principais instrumentos da política agropecuária do governo federal.

    Deve-se destacar, ainda, a criação do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural (CGI), a quem compete, no contexto do seguro agrícola, a aprovação dos percentuais sobre o prêmio e dos valores máximos da subvenção econômica, das regiões a serem amparadas pelo benefício e das condições técnicas a serem cumpridas pelos beneficiários; a elaboração de metodologias e a divulgação de dados estatísticos que auxiliem o desenvolvimento do seguro rural como instrumento de política agrícola; e a celebração de contratos, convênios ou parcerias com instituições públicas ou privadas, objetivando a transferência de recursos e realização de levantamentos, estudos e projetos. Para isso, a CGI poderá contar com Comissões Consultivas (CC), das quais participarão representantes do setor privado.

    Tais incumbências têm potencial de resultado interessante porque, para além de visar à massificação do seguro agrícola, podem aprimorar um elemento vital do mercado securitário: a previsibilidade. A produção e o armazenamento de dados estatísticos e o desenvolvimento de tecnologias para antecipar eventos climáticos e variações na produtividade das lavouras são imprescindíveis para a mitigação do risco das seguradoras, as quais, assim, tendem a tornar o valor do prêmio mais acessível. Essa, inclusive, deve ser uma vertente cada vez mais forte de atuação do poder público: destinação do orçamento à criação e ao aprimoramento de infraestrutura tecnológica, o que possibilitará o barateamento de serviços ofertados pela iniciativa privada, em vez de subsídio direto a esses serviços ofertados.

    Ademais, cabe ao CGI a proposta do Plano Trienal do Seguro Rural, que estabelece diretrizes e condições para a concessão da subvenção econômica, observadas as disponibilidades orçamentárias e as diretrizes constantes do Plano Plurianual da União. Trata-se, pois, do momento de compatibilização entre intenção governamental e viabilidade político-orçamentária, sendo essa última bastante dependente dos parlamentares que votarão a lei representante do Plano Plurianual, de iniciativa do Poder Executivo.

    Muito bem. Trabalhos que têm avaliado o impacto das inovações trazidas pela Lei n. 10.823/2003 nos últimos quinze anos interpretam que o sucesso é parcial. Houve inegável avanço na área produtiva segurada e no número de produtores atendidos do País: em 2005, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSP) atendeu 849 produtores, quantidade bem inferior aos 56.306 de 2009; no mesmo ritmo, a área segurada passou de 68.148 hectares em 2005 para 6.669.296 hectares em 2009.[15] Ademais, em 2007, a Lei Complementar n. 126 acabou com o monopólio do resseguro que, desde 1937, era eficientemente exercido pelo Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), criado para fortalecer as seguradoras em operação e evitar a remessa de divisas para fora do País. Naturalmente, entendeu-se que, após setenta anos, o IRB havia cumprido tais funções e que, portanto, a abertura do mercado a resseguradoras estrangeiras seria benéfica – e, de fato, tem sido.[16]-[17]

    Outra alternativa de gestão de risco comumente utilizada por produtores são as sociedades mútuas operadas pelas cooperativas e associações agrícolas. Devido à ausência da cobertura do seguro em algumas regiões, os produtores organizaram seguros mútuos como forma de proteção contra algum tipo de evento fora do seu controle que cause danos econômicos. Esse tipo de mecanismo tem gerado resultados positivos, mas cobre áreas relativamente pequenas.[18]

    Prosseguindo nos avanços, em 2020, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou que 105 mil produtores foram atendidos e que a área agrícola segurada no país alcançou o recorde de 13,7 milhões de hectares, representando 20% da área total nacional.[19] Isso, contudo, ainda é um percentual baixo se comparado ao de outras potências agrícolas – nos Estados Unidos, em 2004, o programa federal de seguro agrícola abarcou 80% da área elegível,[20] enquanto na Alemanha, em 2008, 43% da área destinada à agricultura foi segurada[21] –, cenário que torna necessário políticas adicionais, algumas delas já praticadas em menor escala.

    4 ESTÍMULO AO SEGURO AGRÍCOLA OBRIGATÓRIO E REGULAMENTAÇÃO DO FUNDO DE CATÁSTROFE

    O crédito rural é um instrumento vital na ascensão experimentada pela agropecuária brasileira e, por isso, tem sido objeto de programas governamentais robustos, tais como o Pronaf e o Pronamp. Nesse contexto, uma das possibilidades de aumento da área agrícola segurada no Brasil é o condicionamento da concessão de crédito rural à contratação do seguro, como feito pioneiramente pelo Banco do Brasil, em alguns estados, na safra da soja de 2006-2007.[22]

    Medidas afeitas à ideia foram tomadas desde então, vide a Resolução n. 4.509/2016 do Conselho Monetário Nacional (CMN-Bacen), que, até a sua revogação em 2021, tornava obrigatória a adesão ao Proagro ou a contratação do seguro para financiamento de custeio agrícola de até R$ 300 mil, caso o empreendimento estivesse situado na Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). Por sinal, dada a sua relação com a política agrícola nacional e com a mitigação do risco no mercado securitário, essa não deve ser considerada uma hipótese de venda casada, estando amparada pelo art. 58 da Lei n. 8.171/1991.[23]

    No que toca ao Espírito Santo, a ampla adesão ao crédito rural é um atrativo para as políticas de condicionamento da concessão à contratação de seguro agrícola: v.g., na safra de 2014-2015, o investimento chegou a R$ 2,75 bilhões, com quase R$ 1 bilhão desse montante sendo aplicado na agricultura familiar. Estima-se que o crédito rural esteja em

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