O Pequeno Anúbis
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Book preview
O Pequeno Anúbis - Heverton Ribeiro
O PEQUENO ANÚBIS
E OUTROS CONTOS
HEVERTON RIBEIRO
PEQUENO ANÚBIS E OUTROS CONTOS
Copyright © 2018 Heverton Ribeiro
REVISÃO DO TEXTO
Laura Kroger
Hervana Ribeiro
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ribeiro, Heverton, 1967—
O pequeno Anúbis e outros contos / Heverton Ribeiro
Lauro de Freitas, BA: 2018
117p
ISBN 978-85-92872-19-9
1. Contos brasileiros I. Título.
CDD-869.3
A todos aqueles que acreditam.
Eu mesmo duvido de tudo.
Sumário
O VELHO E AS FLORES
O PEQUENO ANÚBIS
ODALISCA
MINHA TIA
O OTIMISTA
BUENOS AIRES
DESABAFO
IRMÃOS NO SANGUE
FÉRIAS
PASSAGEM FINAL
O VELHO E AS FLORES
Acordei com os muxoxos de Tânia. Ainda estava escuro e como estávamos em pleno verão, não devia ser cinco da manhã ainda. Liguei a luz do abajur do meu criado- mudo e ela, colocando as mãos ao rosto, grunhiu impropérios e xingamentos irreconhecíveis. Apaguei a luz e chequei meu celular, que para meu infortúnio, marcava 03h17min da madrugada. Havia 57 mensagens no grupo do WhatsApp da empresa. Certamente daqueles que estavam se divertindo na noite e queriam fazer inveja aos outros que, como eu, estavam presos na monotonia de suas vidas chatas. Certamente seriam fotos ao lado de imensas canecas de chope ou de garrafas de cerveja bem geladas, onde, por fora, via-se a condensação da umidade, dando aquele aspecto esbranquiçado ao copo ou ao vasilhame. Embaixo o engraçadinho escreveria: essa tá canela de pedreiro
.
O oitavo mês de gravidez da minha esposa, por enquanto, estava sendo o mais difícil. Cólicas, inchaços, dores e um mau humor constante eram a marca registrada deste último mês antes da chegada de Gabriel, nosso primeiro e, com certeza, único filho. Perdi o sono e resolvi fumar um cigarro na varanda do apartamento. Claro, com as portas bem fechadas, senão seria deportado da minha própria casa, pela minha adorável esposa.
Enquanto alimentava as minhas células cancerígenas, contemplei a avenida onde morava. Tinha, talvez, uns trezentos metros de extensão. Meu prédio possuía 18 andares. Essa era a média de andares da maioria dos prédios vizinhos ao meu, excetuando dois ou três menores no início da avenida e que também eram os mais antigos. Para quebrar esta visão aterrorizante de grandes blocos de concreto colados uns aos outros, havia um terreno, meio que baldio, com um barraco de madeira. Durante o dia um velhinho, que devia morar lá, alinhava no chão e em diversas bancadas na frente do terreno flores de todos os tipos. Apesar de vez ou outra ter presenciado alguém comprando uma flor com o velhinho, nunca tinha entendido a lógica dessa barraca de flores na avenida, até o dia em que conversei com o Armando, um dos moradores mais antigos de um daqueles prédios menores, lá no início da avenida. Ele me disse que antes da construção do anel viário, ali era o único acesso ao cemitério municipal. O velhinho que vendia flores era dessa época, muito antes da chegada dos prédios. As pessoas passavam por ali a caminho do cemitério e acabavam comprando flores para colocar nos túmulos de seus entes queridos. Ele também me confidenciou que diversos moradores já moveram esforços para tirar o velhinho da avenida. Fora as construtoras, de olho no terreno supervalorizado, mas que o idoso se mantinha firme e forte, vendendo suas flores.
Terminei meu cigarro, prometendo que seria o último. Agora seria pai e tinha que ter certa responsabilidade com minha saúde. Desisti de voltar para o quarto e me instalei da melhor forma possível no sofá da sala. Na televisão coloquei em um programa sobre vida animal, justo na hora em que uma manada de búfalos estava pisoteando fofinhos filhotes de leão. Dormi antes do primeiro intervalo.
Pela manhã acordei com o despertador do meu celular que, para minha desgraça, havia deixado no criado—mudo da cama. Agora já era tarde. Minha esposa já tinha uma desculpa para o mau humor do dia. Levantei e senti nos ossos a péssima escolha de dormir no sofá. Tudo doía. Tentei me espreguiçar, mas uma dor de facão me convenceu a desistir. Aos 34 anos e eu parecia um velho decrépito.
Para minha surpresa, ao chegar ao quarto, vi que Tânia ainda dormia, apesar do estridente celular, que não parava de grasnar. Desliguei-o. Nesse momento parei para contemplá-la dormindo. Apesar de já estarmos juntos há 14 anos, 6 meses e 12 dias, ainda a amava como no primeiro dia. Conhecemos-nos na Universidade, apresentados por amigos em comum. Ela cursava Direito e eu, História. Nosso primeiro beijo foi em uma festa na faculdade de Filosofia ao som de uma banda de forró universitário. Estava tão apaixonado que nem liguei para o som que rolava. Só tinha olhos para ela, que estava linda, com seu cabelo loiro até os ombros e seus olhos azuis, que me hipnotizavam a cada olhar. Formamos-nos no mesmo ano e logo comecei a dar aulas de História em cursinhos pré-vestibulares. Tânia passou no primeiro concurso público que concorreu e com uma base financeira estabelecida demos um passo adiante, trocando alianças na igreja e assinando papel.
Entre uma aula e outra e algumas mensagens enviadas para Tânia, para saber como ela estava, meu dia passou rápido. Na volta para casa, resolvi fazer uma surpresa para minha amada e parei no velho para comprar umas flores. Ele estava sentado ouvindo um radinho de pilha. Ao me ver, levantou-se e manteve-se de prontidão. Escolhi uma orquídea branca carregada de flores. No vaso estava anotado o preço: R$40,00. Peguei duas notas de vinte e dei ao velho. Não aguentando de curiosidade, puxei conversa dizendo que morava ali na frente e perguntei o seu nome. O velho apenas sorriu e voltou a sentar-se ao lado do seu radinho de pilha. Não entendi nada e achei melhor ir embora para casa.
À noite contei o caso para