Humildade: precisa-se - Premium
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Neste livro, que mesmo tão breve consegue unir profundidade a um caráter eminentemente prático, Hugo de Azevedo discorre sobre os temas da humildade e da soberba a partir de suas muitas manifestações no mundo de hoje.
Muito mais do que uma obra de fundamentação espiritual e teórica, estas páginas servem também como um exame de consciência preciso, que nos instigará a uma imitação mais fiel de Jesus, rei humilde e manso de coração.
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Book preview
Humildade - Hugo de Azevedo
1. A urgência social da humildade
«Como funciona esse motor?», perguntaram ao técnico. E este, simplificando razões, respondeu: «Trabalha por meio do vácuo. O vazio não é nada, mas tem uma força tremenda!».
O mesmo se diga da humildade. Parece esvaziar o homem (e, de certo modo, assim o faz), mas tem uma força enorme. E precisamos urgentemente dessa energia, não só para salvar a nossa alma, mas também para acudir aos grandes problemas do nosso tempo.
Com efeito, habituamo-nos a pensar que as grandes questões atuais são as injustiças clamorosas que esmagam a dignidade e os direitos humanos. Sentimos cada vez mais a necessidade da paz e da justiça entre homens e nações. O mundo estreitou, e o crescente cruzamento de relações sociais reclama com urgência normas que as regulem bem, porque, do contrário, os homens e os países irão sendo triturados uns pelos outros, sem possibilidade de recomposição. Mas sejamos realistas: não é possível resolver com perfeito rigor de justiça todos esses problemas logo que surgem, e muitos poderão ficar até sem resposta adequada. O melhor é prevê-los, preveni-los, evitá-los ou mitigá-los, indo à raiz das violências e das injustas desigualdades que tanto nos afligem. Ora, essa raiz geral é o egoísmo, o individualismo, que dá origem a um comportamento antissocial. E assim, por mais «leis justas» que lancemos na sociedade, os atritos e as violências são inevitáveis. É preciso ir à fonte da sociabilidade: a humildade.
Também poderíamos dizer que a raiz é o amor, a caridade, mas, se queremos ser práticos e evitar palavras muito gastas e equívocas, digamos que se trata mesmo da humildade, pois sem ela não há verdadeiro amor. É verdade que, em tempos de eficácia técnica, a humildade parece servir de pouco. Mais do que virtude (que vem de vis, força), ela soa-nos a fraqueza, como dizia Eça de Queiroz: a humildade é uma virtude capaz de nos fazer entrar no Paraíso, mas não serve para entrar no ônibus. Em parte, a culpa desta fraca imagem será dos velhos tratados de ascética e espiritualidade, cujos exemplos e conselhos de modéstia eram mais próprios de monges do que dos cidadãos correntes: uma certa inclinação da cabeça, os olhos baixos, os trajes gastos (para evitar a vaidade), e outros que tais. Não riamos, uma vez que ainda podem ser úteis a alguém, mas é evidente que a humildade não se obtém por gestos de pescoço ou de olhares vagos, pois nesse caso Eça teria razão: cedendo «humildemente» lugar aos outros, ficaríamos no ponto do ônibus até o dia seguinte.
O certo é que a humildade tem má imagem pública, mas – adiantando já que não precisa ter imagem nenhuma – vamos insistir na necessidade «social» dessa virtude.
Por que tumultuam as nações? Por que tramam os povos vãs conspirações?, pergunta o salmista (Sl 2, 1). Por que é que não há paz? E ele próprio responde: porque erguem-se, juntos, os reis da terra, e os príncipes se unem para conspirar contra o Senhor e contra seu Cristo. Desprezaram a autoridade divina: Sacudamos para longe de nós as suas cadeias, como se as leis de Deus fossem grilhões da liberdade humana. Quebremos seu jugo, como se a obediência ao Senhor fosse uma carga!
Trata-se de uma história antiga, que nasce da revolta de Satanás e se prolonga com o pecado dos nossos primeiros pais. Trata-se da pesada história da nossa soberba, desse nosso orgulho pessoal e coletivo, exacerbado hoje pelas grandes façanhas técnicas – «glórias da Humanidade!», como gostamos de exaltá-las. E quem não gostará do progresso? Quem não se orgulhará dos espantosos avanços da Ciência e da Tecnologia? (Com maiúsculas, é claro.) Neste ponto é simplesmente difícil não recordar ainda o velho Eça naquele episódio do gramofone – invento admirável! – que ninguém conseguia calar e que rouquejava até o desespero: «Quem não admirará os progressos deste século? Quem não admirará os progressos deste século? Quem não admirará…»¹.
Os progressos humanos são muito relativos. Não sabemos o que diria Gabriele d’Annunzio² dos nossos voos astronáuticos – ele, que exclamava, assombrado com as primeiras