Coleta de DNA em locais de crime: procedimentos e aplicações
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Coleta de DNA em locais de crime - Alexandre Giovanelli
1. ASPECTOS GERAIS DO EXAME DE DNA
1.1. O DNA
Apesar de hoje conhecermos bastante sobre a molécula de DNA, sua estrutura foi descoberta em época relativamente recente. A partir dos trabalhos fundamentais de Rosalind Elsie Franklin (1920-1958), os pesquisadores James Dewey Watson (1928~) e Francis Crick (1916-2004) estabeleceram o modelo de conformação espacial do DNA em dupla hélice, além de associarem tal estrutura à explicação de fenômenos de transferência de informações genéticas (Silva, 2010). O artigo de Watson e Crick foi publicado na famosa revista Nature, em 1953. A partir daí as pesquisas em genética forense tomaram grande impulso, contribuindo não só para o conhecimento da transmissão de caracteres, mas também para o desenvolvimento de uma série de técnicas de manipulação genética, tratamentos e métodos de diagnóstico clínicos, além de potencializar estudos nas mais diferentes áreas da Biologia.
O DNA (ácido desoxirribonucleico) é uma molécula da classe dos ácidos nucleicos. Sua estrutura é formada por duas longas cadeias de nucleotídeos que são unidades básicas formadoras dos ácidos nucleicos. Essas duas cadeias mantêm-se unidas por ligações químicas, formando uma estrutura espiral, também conhecida como dupla hélice. Os nucleotídeos, por sua vez, apresentam em sua composição química, um radical fosfato e um açúcar (desoxirribose) que se mantém invariáveis, além de bases nitrogenadas que são o elo de ligação de uma cadeia à outra (Figura 1.1). São justamente as variações sequenciais das bases nitrogenadas que irão, afinal, constituir um sofisticado sistema de informação celular. Os chamados genes, nada mais são que trechos do DNA responsáveis pela codificação de proteínas necessárias para o funcionamento metabólico das células e, por conseguinte, do próprio organismo.
Figura 1.1: Estrutura em dupla hélice da molécula de DNA, com as bases nitrogenadas (citosina, guanina, adenina e timina) e a estrutura principal formada pela ligação entre um açúcar e um fosfato. (Fonte: modificado a partir de Sponk, CC BY-SA 3.0
Todos os organismos complexos (eucarióticos), incluindo plantas e animais, possuem DNA. Na realidade, praticamente todas as células dos organismos contém um conjunto de moléculas de DNA, cuja composição ou sequência é a mesma, em todas as células. Somente em alguns tipos celulares o DNA não ocorre, como é o caso das hemácias, que não possuem núcleo. Com exceção dos gêmeos univitelinos, que possuem as mesmas informações genéticas, os indivíduos apresentam variações entre si, em relação à composição genética.
Nas células animais e vegetais, a molécula de DNA permanece compactada no interior dos núcleos (DNA nuclear) ou no interior de organelas conhecidas como cloroplastos (células vegetais) e mitocôndrias (células animais e vegetais). O DNA mitocondrial apresenta características diferentes do DNA nuclear, com sequências específicas de nucleotídeos e conformação espacial circular (Figura 1.2).
Figura 1.2: DNA mitocondrial humano, com conformação circular. A figura indica o mapa do DNA mitocondrial humano contendo regiões codificantes e regiões de controle. (Fonte: Emmanuel Douzery. CC BY-SA 4.0
Um complexo sistema de enzimas é responsável por codificar as informações contidas nos genes em proteínas com variadas funções metabólicas. Nesse processo, estão incluídos os mecanismos de transcrição, em que trechos dos genes que compõem a molécula de DNA são copiados
por um outro tipo de ácido nucleico, o RNA, ainda no núcleo da célula. Em seguida, esses trechos servirão de base para a montagem de proteínas no citoplasma celular, em um processo denominado de tradução.
O DNA também é capaz de se replicar no interior das células e é justamente esse processo de replicação que permite a transmissão de caracteres de uma geração para outra. Na replicação, que ocorre em determinada fase celular, a molécula de DNA é aberta, permitindo que o aparato celular composto de organelas e enzimas específicas construa uma nova fita a partir de cada uma das metades complementares. Assim, a recém-formada molécula de DNA conterá uma metade nova e uma metade velha, sendo, por isso denominado de replicação semiconservativa.
Nas células humanas, o DNA nuclear apresenta-se na forma de 22 pares de cromossomos autossômicos e dois pares de cromossomos sexuais, estes últimos responsáveis pelo dimorfismo sexual. Assim, indivíduos do sexo masculino apresentarão um par de cromossomos, designados de X e Y, enquanto indivíduos do sexo feminino irão apresentar um par de cromossomos X, sendo designados por XX.
O sistema de identificação humana usado atualmente baseia-se nos chamados marcadores genéticos, presentes nos cromossomos autossômicos. Entretanto, determinadas sequências presentes nos cromossomos Y e X também são rotineiramente usados para fins específicos. O cromossomo Y, por exemplo, somente é passado através da linhagem patrilinear, ou seja, um irmão, um pai e um filho homem irão possuir o mesmo padrão de cromossomo Y. A análise de cromossomo Y também é aplicada em casos de agressão sexual em que o material analisado apresenta grande quantidade de material genético de uma vítima feminina em relação ao agressor masculino. Nesses casos, mesmo que não se detecte o perfil autossômico do agressor, muitas vezes obtém-se o perfil de Y, de maneira a indicar a possível violência sexual. Com o DNA mitocondrial, a lógica é semelhante em relação à linhagem matrilinear: mãe, irmã e filhas irão receber as mitocôndrias provenientes da mãe. Assim, a análise do DNA mitocondrial também pode ser utilizada para estabelecimento de relações de parentesco. Além disso, o DNA mitocondrial existe em quantidades muito maiores que o DNA nuclear e apresenta maior resistência à degradação. Dessa maneira, o DNA mitocondrial frequentemente é utilizado nos casos de restos mortais associados a desastres aéreos, explosões ou amostras severamente degradadas pelas condições ambientais extremas.
Em linhas gerais, os marcadores genéticos nada mais são que determinados trechos do DNA, especialmente aqueles encontrados em regiões não codificantes dos genes. Esses trechos são escolhidos por apresentarem certa variabilidade entre indivíduos, também denominada de polimorfismo genético. O polimorfismo ocorre com bastante frequência na molécula de DNA, em decorrência da adição, deleção, inserção e repetição de nucleotídeos. Existem vários tipos de polimorfismo possível, mas os mais utilizados em identificação humana são os denominados de STR ("short tandem repeats") ou microssatélites. Os microssatélites são sequências repetitivas, compostas por 2 a 6 nucleotídeos e encontram-se na mesma região em um par de cromossomos homólogos ou no mesmo local genético. Sendo assim, para cada local genético podem ocorrer duas ou mais variações denominadas de alelos. Estudos populacionais prévios são necessários para determinar a frequência de cada alelo na população, permitindo o cálculo de probabilidades, no caso de análises criminais de identidade ou paternidade (Garrido e Rodrigues, 2014; Hessab et al., 2015).
O Projeto Genoma, um empreendimento que contou com a colaboração de diversos laboratórios ao redor do mundo, trabalhando de forma integrada, revelou importantes informações sobre o genoma humano, com aplicações na área de pesquisa teórica e aplicada, inclusive na área médica. Dentre os resultados, destacamos alguns números: os seres humanos temos aproximadamente 25 mil genes, sendo que quase metade deles tem função desconhecida; 99,9% do DNA é igual para todas as pessoas e cerca de 0,1% nos diferencia uns dos outros. É justamente essa variabilidade de 0,1% que é utilizada nos exames de DNA, em laboratórios de paternidade e de genética forense.
Na identidade criminal são usados determinados marcadores genéticos específicos para identificação humana. Kits de diversas marcas estão disponíveis no mercado e, atualmente, mais de 20 marcadores são analisados simultaneamente, resultando em um poder de discriminação bastante elevado. Na prática, cada marcador consiste em um local genético com vários alelos de frequência populacional conhecida. Para cada local ou marcador, no entanto, um único indivíduo pode apresentar apenas duas combinações possíveis: dois alelos iguais (homozigoto) ou dois alelos diferentes (heterozigoto). O perfil completo consiste em N combinações possíveis de alelos para cada marcador. Para os exames de identidade, o perfil obtido