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Luta pela terra em Rio Bonito do Iguaçu
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Luta pela terra em Rio Bonito do Iguaçu

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Em 1996 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou 12 mil trabalhadores sem terra em acampamentos no Município de Rio Bonito do Iguaçu - PR. Essas pessoas ocuparam o maior latifúndio do sul do Brasil na época, a Fazenda Giacomet-Marondin S.A. Este livro conta com detalhes a saga dos sem terra que mudaram a geografia da região. Nele, os protagonistas da história relatam sua experiência, com riqueza de detalhes, que vão desde a narrativa das estratégias e táticas do MST para organizar um acampamento, descreve as artes de fazer dos acampados para sobreviver na luta pela terra, até a divisão dos lotes dos assentamentos formados por essa luta. Aqui o leitor encontrará homens e mulheres do Brasil profundo que ousaram tomar o futuro de suas vidas em suas mãos e o fizeram de maneira organizada e eficaz, enfrentando muitas adversidades, mas com grande êxito para si e seus filhos. Portanto, este é um livro de História, narrada vinte anos depois do acontecido, por aqueles que a protagonizaram.
LanguagePortuguês
Release dateAug 23, 2022
ISBN9786525244907
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    Luta pela terra em Rio Bonito do Iguaçu - Ângelo Altair Oliveira

    1 TRABALHO DE BASE PARA ORGANIZAÇÃO DE UM NOVO ACAMPAMENTO SEM-TERRA

    A classe roceira e a classe operária

    Ansiosas esperam a reforma agrária

    Sabendo que ela dará solução

    Para situação que está precária.

    Saindo projeto do chão brasileiro

    De cada roceiro ganhar sua área

    Sei que miséria ninguém viveria

    E a produção já aumentaria

    Quinhentos por cento até na pecuária!

    (Autores: Francisco Lázaro e Goiá.

    Intérprete: Zilo e Zalo.

    Ano de lançamento: 1964.)

    Fernandes (1999) afirma que apesar da luta pela terra vir acontecendo em todos os períodos da história do Brasil, a estrutura fundiária brasileira encontra-se entre os mais altos índices de concentração do mundo. São muitos os movimentos de luta pela terra desde Canudos e movimentos messiânicos, passando pelas ligas camponesas de meados do século XX, até os movimentos sociais do campo atuais, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), iniciado em 1979, no Rio Grande do Sul. Desde 1980, a luta pela terra no Brasil tornou-se mais intensa e passou a ser entendida como luta pela Reforma Agrária, especialmente apoiada pela Comissão Pastoral da Terra, órgão da Igreja Católica.

    No Paraná, como em todo o Brasil, a luta pela terra e pela permanência na terra é uma constante histórica, mas foi a partir do ano de 1984, com o primeiro encontro de abrangência nacional dos trabalhadores rurais sem-terra⁵, ocorrido em Cascavel, no qual foram definidos os princípios e formas de luta do MST, que as lutas pela Reforma Agrária se intensificaram, então articuladas com o movimento (FABRINI, 2002).

    Dentre essas lutas, a maior ocupação de terra da Região Sul, até a o ano 2000, foi feita no município de Rio Bonito do Iguaçu-PR, por cerca de três mil famílias, isto é, por volta de doze mil pessoas, na Fazenda Pinhal Ralo, pertencente à empresa Giacomet-Marondim, A área ocupada posteriormente foi desapropriada para fins de Reforma Agrária e nela foram criados os assentamentos Ireno Alves dos Santos e Marcos Freire (CARVALHO, 2002).

    A fim de ter um número de pessoas suficiente para ocupar a Fazenda Pinhal Ralo o MST fez um trabalho de divulgação e montou dois acampamentos-bases na BR 158 para cadastrar os trabalhadores rurais sem-terra, trabalho esse conhecido pelos militantes do movimento como trabalho de base (ROSA, 2009).

    Neste primeiro capítulo buscamos compreender de onde vêm os acampados, mais que lugar geográfico, os processos vivenciados pelos trabalhadores que foram para o acampamento, trajetórias e travessias de vida essas inscritas na questão agrária do Paraná e do Brasil. Aqui nos esforçamos por entender as razões pelas quais os sem-terra pesquisados acamparam com suas famílias de baixo de lona preta, à beira do asfalto e como se deu esse inserir-se na luta organizada pela terra.

    O texto tenta, às vezes de forma longa, dar visibilidade às narrativas dos sujeitos da história, os quais relataram as trajetórias de vida que os levou até os acampamentos-bases da BR 158, no Paraná de 1996. Acampamentos esses que se constituíram como momento de travessia na luta pela terra empreendida por essas pessoas.

    1.1 TRABALHO DE BASE PARA A FORMAÇÃO DE UM NOVO ACAMPAMENTO

    Segundo discurso de Ireno Alves dos Santos⁶, líder do movimento, o MST vislumbrava há muito ocupar a fazenda Giacomet-Marondin.

    O grupo Giacomet-Marondim surgiu da fusão feita em 1972 de dois outros grupos, a Madeireira Giacomet S.A. e a Marondin S.A. Exportações. Esses dois grupos atuavam no ramo de madeira no Rio Grande do Sul desde 1910. Quando se uniram, formando a Giacomet-Marondin Indústria de Madeiras S.A. e adquiriram 100 mil hectares de terras e florestas no sudoeste do Paraná (ARAUPEL, 2010).

    Os 100 mil hectares foram adquiridos da Companhia Celulose e Papel Iguaçu, de propriedade de José Ermírio de Moraes, dono de três pequenas serrarias e responsável dela consolidação do Grupo Votorantin. A área pertencente à Giacomet-Marondin em 1996, ano da ocupação pelo MST, abarcava três municípios, estendendo-se sobre 10,9% da área do Município de Nova Laranjeiras; 26,7% da área do Município de Quedas do Iguaçu e 49,6% das terras do Município de Rio Bonito do Iguaçu (O ESTADO DE SÃO PAULO, 14/09/1997).

    Os líderes do MST afirmavam em 1996 que parte dos títulos da fazenda era ilegal e que, na década de 1980, o Instituto de Terras e Cartografia do Paraná assegurou que 2.400 hectares não possuíam nenhuma documentação (JANATA, 2012, p. 78). Alegando se tratar do maior latifúndio do Estado do Paraná, com parte dos títulos ilegais, o movimento tinha interesse em ocupar essas terras, a fim de serem desapropriadas e destinadas à Reforma Agrária.

    Anteriormente à ocupação da qual estou tratando, segundo Bonin e Germer (1991), ocorreram pelo menos duas tentativas organizadas de ocupação das áreas de posse da empresa Giacomet-Marondim, uma na década de 1970 e outra em 1983. Não se sabe muito sobre a primeira tentativa, mas quanto à segunda há pelo menos três fontes que dela tratam.

    Era do conhecimento das pessoas da região a violência com que a empresa reprimira as tentativas de ocupação e ameaçava trabalhadores rurais do entorno de suas terras. Segundo Janata (2012) há quatro fontes que tratam das violências cometidas pela empresa Giacomet-Marondim. A primeira fonte é o boletim informativo Poeira, da CPT, edição maio/junho de 1983, a segunda fonte é a Revista Sem Terra, publicação do MST, em 2001, com relatos de José das Neves, o qual participou de três ocupações de áreas pertencentes à madeireira. A terceira é o vídeo Giacomet-Marodin, uma história de luta e devastação, produzido pelo MST (s/d), o qual pode ser acessado no You Tube e contém depoimentos de seis trabalhadores rurais e ex-funcionários da empresa, relatando violências, torturas e pressões realizadas pela empresa, através de seus jagunços, contra os trabalhadores rurais que moravam em seu entorno. E a quarta fonte é uma entrevista de Danilo Ferreira⁷.

    Segundo a mesma autora, no ano de 1980 o Presidente João Batista Figueiredo desapropriou 95 mil hectares da empresa. Os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, a CPT e o MASTRO organizaram uma ocupação de mil hectares desapropriados. Os trabalhadores rurais foram expulsos com grande violência por parte de jagunços da emprese e da Polícia Militar. Outras ocupações foram tentadas, mas para expulsar os trabalhadores rurais, ameaças eram feitas e pessoas eram torturadas e mortas com requintes de crueldade, de formas que a desapropriação da área não saiu do papel. Essa situação foi denunciada pelo boletim Poeira, da CPT (JANATA, 2012).

    Por ter conhecimento da violência com a qual a empresa reprimia quem entrasse em suas terras, o MST pensou uma estratégia⁸, que consistia em ocupar a área com um grande número de trabalhadores rurais sem-terra. Foi então que dois líderes da direção nacional e estadual do movimento, Ireno Alves dos Santos e Jaime Calegari ficaram responsáveis pela articulação de um novo acampamento, visando ocupar a dita área.

    O MST para mobilizar grande número de pessoas para o acampamento fez um movimento tático. No ano de 1995 realizou várias reuniões com agentes de pastoral da CPT do Paraná e com lideranças dos Sindicatos Rurais, bem como, com lideranças altamente confiáveis do movimento no estado e, de forma sigilosa, planejou fazer o trabalho de base no mês de fevereiro de 1996 para em março iniciar o acampamento.

    Meses antes de iniciar um acampamento os militantes, assentados e parceiros do movimento se deslocam por bairros das periferias das cidades, por povoados e municípios do interior para fazerem as reuniões da terra. Essas reuniões são o momento no qual os divulgadores explicam como se dá o processo de acampamento até a entrada na terra. Esse processo de mobilização é chamado pelos militantes do MST de trabalho de base (LOERA, 2009).

    Para que aconteçam as reuniões, é criado um espaço de sociabilidade por meio das redes de relações. Essas reuniões em muitos lugares não são divulgadas pelos meios de comunicação, e assim as relações de parentesco, vizinhança e amizade são indispensáveis para que as pessoas fiquem sabendo e participem das reuniões (LOERA, 2009).

    Aliás, há que se levar em conta que em 1996 o MST já atuava a mais de dez anos, e a Comissão Pastoral da Terra (CPT)⁹ tinha longo trabalho de presença e articulação junto aos trabalhadores rurais do Paraná. Para Loera (2009), as ocupações de terra só se tornam possíveis graças à existência de uma rede de conhecidos e familiares. De fato, ao analisar o trabalho de divulgação do novo acampamento, percebi que essas redes de conhecimentos familiares foram muito importantes para que em pouco tempo se divulgasse e mobilizasse grande número de trabalhadores sem-terra.

    Ari Moreira participou ativamente do trabalho de divulgação do novo acampamento, ele contou como foi feito esse trabalho:

    Comecemos em fevereiro de 96. Foram poucos dias. Em 15 dias foram feitas as reuniões e se organizaram. E já tinha que tocar o barco, não dava para ficar muito tempo, para turma descobrir. Só que antes já fazia no sindicato, conversava, só que quando é para organizar tem que ser rápido. Não é como hoje que já se divulga, aquele tempo ninguém sabia.¹⁰

    Ari Moreira contou como Jaime Calegari e Ireno Alves organizaram o trabalho de divulgação no sudoeste do Paraná:

    Tirava uma equipe, que nem nós de Dois Vizinhos, um de Capanema, tinha um de São Jorge, ali nós começava fazer essas discussões na ASSESSOAR. Tivemo reunião lá em Beltrão. Lá estava o Calegari, companheiro que trabalhava com nós, falecido Ireno. Naquela região eram as pessoas que participavam junto com nós para explicar como nós tínhamos que fazer pra ir fazendo o trabalho. Daí quando chegou na última reunião cada um já sabia a sua função. O Calegari falou: ‘então seu Ari vai fazer parte da direção, chega lá o senhor já sabe’. Cada um tinha o setor dele para trabalhar né.¹¹

    Ou seja, Ireno Alves dos Santos com Jaime Calegari setorizaram a sua região de atuação, no oeste e sudoeste do Paraná. Cada setor era composto por alguns munícipios, sendo que em cada município foram escolhidas lideranças já vinculadas à luta pela terra como responsáveis por realizar o trabalho de base com a mobilização de pessoas para o novo acampamento. Em reuniões com esses responsáveis, os dois líderes do MST explicavam toda a metodologia a ser usada.

    Ari Moreira explicou com detalhes como era desenvolvida essa metodologia:

    Cada região tinha um [líder]. Cada município um começava a organizar. Nois ia nas casas, conversava nas casas, fazia conversa na casa, com as famílias, explicava como era. Naquele tempo não dava pra ficar abrindo de mais, olha nois vamos acampar. O povo tinha medo, tinha fazendeiros que perseguiam. De vagarzinho ia conversando meio no segredo um com o outro. Já pegava o nome. De Dois Vizinhos e Cruzeiro do Iguaçu nois viemos em doze famílias aquele dia lá no Cruzeiro tinha um piazão que foi comigo, mas eu tive que ir lá porque o responsável da região era eu né. Aí fomos nas casas do pessoal.¹²

    Ou seja, havia um organizador por município. Esse organizador, conforme a sua realidade, pensava estratégias para abordar as famílias de possíveis candidatos ao acampamento. Essas estratégias iam desde o ir conversar de casa em casa até o fazer reuniões com um grupo maior de pessoas em salões de igrejas ou associações. Tudo era feito com o máximo de discrição para evitar retaliações, pois pelo histórico de violência infligida pelos fazendeiros da região contra organizações de trabalhadores rurais sem-terra, o povo tinha medo.

    Uma vez feita a divulgação e levantados os nomes de quem ia acampar, o mesmo líder organizava o transporte do pessoal. Em alguns municípios era a administração pública e em outros os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs)¹³ que cediam ônibus para o transporte das pessoas e caminhões para transportar os pertences deles.

    Ari Moreira nomina os pertences desses trabalhadores de bugiganga, e descreve o que esses trabalhadores levavam para o acampamento. Segundo ele, ninguém tinha muita coisa mesmo, era uma borsa de roupa, um acolchoadinho e umas panelinha (risos), foice, enxada, machado, facão, trempe pra fogo. De fato, uma das características dos acampamentos é a provisoriedade. Pude constatar em outros acampamentos que as pessoas ao acamparem levam o mínimo necessário, o que consiste basicamente em ferramentas, algumas peças de roupas pessoais, colchão e cobertas para dormir e panelas para cozinhar. São raras as pessoas que levam algum móvel. Nessa época a maioria dos acampamentos não contavam com energia elétrica, então eletrônicos eram dispensáveis. Toda a mudança era embalada em duas ou três sacas usadas no interior para armazenar

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