A cidade à escala humana
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Se torna essencial a busca de alternativas, como a concertação social comunitária para a definição de soluções urbanas, a valorização das pessoas e da comunidade com suas expressões espaciais, a valorização do espaço público, a aproximação entre os grupos sociais, e a busca do reforço de soluções autônomas e endógenas da sociedade em contraponto às determinações heterônomas, notadamente em função da globalização contemporânea. Nesse aspecto, observa-se certa convergência entre os paradigmas urbanos sustentáveis, como o da cidade compacta e a humanização da cidade. No entanto, para a sua viabilização, haverá a necessidade de um reaprendizado para a cultura da paz e do encontro, em contrapartida à atual pedagogia da competição e do conflito. Um processo de aprendizado, no qual o próprio espaço urbano pode ser bastante protagonista.
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A cidade à escala humana - Edson Leite Ribeiro
CAPÍTULO 1 ASPECTOS TEMPORAIS E ESPACIAIS DE UMA CIDADE
1.1 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE ASPECTOS TEMPORAIS DE UMA CIDADE
No trabalho reflexivo do cientista urbano e ainda no trabalho mais pragmático do urbanista e do gestor urbano, frequentemente as abordagens espaciais, econômicas e (por vezes) sociais geralmente predominam. Apesar de sua ligação visceral com tais abordagem o aspecto temporal é relegado a um segundo plano, exceto quando se refere à sua inserção no contexto da produção e reprodução do capital. No funcionamento da cidade, o aspecto do tempo, na escala humana, apesar de tão esquecido é também um componente fundamental para a qualidade da vida e, evidentemente, o cotidiano dos cidadãos. O tempo para cada pessoa representa um dos dons mais preciosos: é no momento presente que construímos nossas decisões, nossa vida e relacionamentos, nossa felicidade etc. A produção espacial da cidade influi na disponibilidade de tempo e, geralmente a dispersão urbana ou outras ações especulativas impactam negativamente especialmente a qualidade de vida dos mais pobres, com menor liberdade de escolhas de localização.
Historicamente verificamos que cada um de nós temos uma espécie de relógio biológico, a partir do qual nós organizamos nossas vidas no território, considerando os aspectos naturais das horas do dia e dos tempos e distâncias favoráveis às nossas capacidades físicas. Se pensarmos, por exemplo, as aglomerações e assentamentos humanos que se baseiam apenas na economia local, como a aldeia pré-urbana e a cidade medieval em sua fase agrícola e artesanal local, podemos observar que, as distâncias intraurbanas eram definidas em função de uma caminhada de 15 minutos (aproximadamente 1 km) e as distâncias rurais eram definidas por uma caminhada de, no máximo 1 hora e meia (6 km.).
No entanto, para a complexidade das cidades modernas, apenas recentemente estes tempos naturais têm sido resgatados através de um conceito que procura definir um diferente tipo de urbanismo que adota por prioridade a preocupação da relação entre o tempo e o espaço e que foi disseminada por Moreno (2019) apud Amirall (2020), com o nome de Cronourbanismo. Apesar de parecer ser recente a sua origem pode estar associada aos conceitos desenvolvidos pelo geógrafo sueco Torsten Hägerstrand (1970 e 1985) e à sua Geografia do tempo
, em que se deu conta do carácter variável como o espaço é usado pelas pessoas ao longo do dia e, em especial, a forma desigual como os indivíduos e as coletividades usam um mesmo território, sublinhando a importância da distância-tempo na compreensão dos territórios e das sociedades.
Percebemos que, notadamente as nossas cidades contemporâneas ainda carregam aspectos da cidade modernista, concebidas para atender prioritariamente as condições gerais de produção e consumo, notadamente do consumo dos modos de transporte individual nos espaços públicos, agregando-se ainda aspectos da cidade pós moderna, notadamente em seus aspectos pouco humanos: privatização dos espaços públicos, a busca da visibilidade urbana e a atratividade de investimentos dentro de um circuito econômico globalizado etc.
Nessas, o aspecto do tempo tem muito significado, pois a cidade caracteriza-se, dentre outros aspectos, pelo movimento, pela ação, pela produção e comercialização, pela circulação de pessoas, bens, produtos, informações etc. Embora cada cidade, em princípio, apresente uma característica particular e uma prática especial e um modo de vida mais específico dos seus cidadãos, as cidades ocidentais, pelo foco predominantemente econômico, apresentam uma organização e um funcionamento temporal estruturado em 16 horas sobre 24 horas, o que, de certa forma, não é tão diferente do modo e do ritmo agrícola.² Contudo, essa divisão inicial em tempo de atividades e tempo de descanso, no contexto urbano, tem se modificado muito, pois os tipos de atividades e da divisão social destas, as relações entre tais atividades (complementaridade, concorrência etc.) e os múltiplos novos tipos de trabalho e estilos de vida estão em permanente mutação. Por vezes, apresentando alguma sincronização, outras vezes dessincronizados, as diferentes atividades e temporalidades se sobrepõem no espaço urbano.
Se no modernismo (período da economia de escala), tínhamos os tempos sazonais, hebdomadários e do cotidiano bastante influenciado pela economia e normativos trabalhistas: horas de trabalho (em sua maioria diurno), horas de descanso (geralmente o período noturno), dias de descanso (geralmente os finais de semana) e períodos de descanso prolongado (geralmente as férias anuais), no contexto contemporâneo (período da economia de escopo) vemos elementos no funcionamento flexível da economia que modificaram tais ritmos.
Segundo Boulin (1992), em seu livro "La ville à mille temps, que analisa as diferentes
cidades temporais" que se entrelaçam e busca medir seus impactos, alguns novos equipamentos urbanos invadiram a forma de utilizar o tempo e o espaço tradicional e geraram tempos alternativos, que tem a ver com a sua característica funcional e espacial (misturando propriedade privada com uso público intenso e misturando funções de trabalho e lazer). Os shopping centers, os outlets e os hipermercados junto às rodovias são exemplos disso. Nestas novas intervenções e ajustes no espaço urbano, o tempo, em um primeiro momento se tornam bastante desfavoráveis às populações de mais baixa renda, com a reestruturação, o deslocamento das oportunidades e a facilidade de acesso aos que detém mais recursos, tornando-as mais acessíveis aos mais privilegiados. No entanto, no longo prazo, todos ficam prejudicados, inclusive os privilegiados. Mas, um grande prejuízo notável se verifica em relação a estrutura e o funcionamento da cidade, cada vez menos humanizado.
Pensar sobre a cidade é sobretudo pensar o espaço, assim como é pensar o tempo, e o movimento. Estas dimensões vividas caracterizam muito bem o urbano. O movimento se inscreve no tempo e no espaço. Mas, em geral, no planejamento e gestão urbana trata mais da gestão do espaço, supostamente para ganhar tempo e não da gestão do tempo, para ganhar mais espaço.³ Apenas recentemente se tem pensado neste novo sentido, tais como as utilizações multifinalitárias dos espaços públicos (ou privados), ou ainda, espaços com finalidades específicas, mas com usos alternados ao longo do tempo. De fato, o tempo engloba noções de simultaneidade, sucessões, alternâncias e durações, adicionados à noção do presente, do passado e do futuro.
Se, na organização da cidade o tempo nem sempre parece ser considerado uma referência importante, na economia, notadamente no contexto capitalista, o tempo (ou a redução deste) tem sido fundamental, tendo em vista o interesse de reduzir o tempo de reprodução do capital ampliando velocidade do ciclo da acumulação. Também é considerado importante para definir as melhores condições e oportunidades na postura competitiva. A tecnologia, neste contexto, mostra bem isso, uma vez que a cada momento se cria instrumentos que visam encurtar o tempo
, tornando as pessoas que a detém mais privilegiadas em relação aos outros. Desde a criação das primeiras máquinas, ainda no sistema fabril pré-industrial, o objetivo era aumentar a rapidez de produção e as vantagens competitivas. Neste contexto, o aspecto colaborativo e solidário no uso universalizado das tecnologias e do tempo geralmente, infelizmente não eram