A imagem do corpo: reflexões contemporâneas e interdisciplinares
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A imagem do corpo - Andréia Mendes dos Santos
PARTE I
DISCUSSÕES TEÓRICAS
1
A IMAGEM CORPORAL: DA INFÂNCIA À JUVENTUDE
ANDRÉIA MENDES DOS SANTOS
CAMILA DE BARROS RODENBUSCH
FÁBIO SOARES DA COSTA
Para além do que Paul Shilder[ 1 ] (1994, p. 11) entende pela expressão figuração de nosso corpo formada em nossa mente
, que considera os aspectos fisiológicos, sociológicos e libidinais, desenvolve-se esta discussão a partir de um consenso epistemológico de pesquisadores contemporâneos que consideram a imagem corporal em duas grandes dimensões: a perceptiva e a atitudinal (afeto, cognição e comportamento). Dessa forma, o que Slade (1994) apresenta em seu texto What is body image? é percebido como fio condutor deste texto, pois, para esse autor, a imagem corporal é a projeção mental realizada pelo indivíduo sobre tamanho, forma e contorno do próprio corpo, assim como a relação de sentimento com suas partes e características. Assume-se, então, a concepção de que, na contemporaneidade, a imagem corporal possui uma conceituação multidimensional.
Como fenômeno subjetivo, a percepção sobre o próprio corpo transforma-se ao longo de toda a vida. Quando bebês, sem a diferenciação do corpo da mãe e, mais tarde, em uma semiologia entre percepção e ideário. É preciso considerar que resíduos, memórias e experiências participam desse movimento ativo, que, além de ser ressignificado, é uma construção. Daí a motivação para se discutir neste texto o desenvolvimento dessa relação que vai da infância à juventude.
1.1 A criança e a imagem corporal
Se a infância for compreendida como um ciclo que vai do nascimento aos 12 anos, é possível se entender que a criança possui uma relação com a imagem corporal que vai desde o momento em que os afetos, os movimentos e as sensações são intimamente relacionados com a mãe. Estendendo-se até a comparação de seus comportamentos, habilidades e aparência física com outras crianças (FORTES et al., 2014). O corpo da criança encontra-se intimamente ligado ao crescimento, ao desenvolvimento humano, às alterações morfológicas, fisiológicas e psicológicas, mas, também, está relacionado a outros fatores: sociais, culturais e comportamentais.
Malina et al. (2003) relacionam a alimentação inadequada e a inatividade física como alguns desses fatores, que acabam por desenvolver um estilo de vida que induz ao aumento de peso do corpo e à insatisfação corporal. É preciso considerar que o tamanho e a forma corporal, a aparência física e as capacidades do corpo são parâmetros levados em consideração para crianças se relacionarem. Portanto, possuem peculiar significado do ponto de vista psicológico, pois irão demarcar, acima de tudo, a construção da autoestima. As escolhas das amizades, a diferenciação entre os sexos e a rejeição de seus pares também são balizadas por esses fatores. Assim, percebe-se que a repercussão dessas conexões proporciona reflexos em outras fases do desenvolvimento humano (MALINA et al., 2003). Não reflexos espelhares ou por similaridade, mas hábitos, valores, dinâmicas sociais, relações intrapessoais e interpessoais.
Desde a infância, pela imagem corporal, inscrevem-se crenças, valores, ideias e modos de ser, de agir e de aceitação social. Como construção sociocultural, o comportamento e a padronização estética do corpo ganharam supervalorização na contemporaneidade. Para além de sua liquidez, a fixidez temporária de corpos modelados é uma realidade em atividade simbólica pujante.
Na literatura explorada, encontra-se prevalência da associação entre insatisfação da imagem corporal e sobrepeso/obesidade na infância, na adolescência e na vida adulta. Relação que ratifica um importante problema de saúde pública mundial, pois, desde o ano de 2007, quando já se identificava o significativo aumento da prevalência da obesidade em nível mundial, a doença é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma epidemia.
Partindo desse contexto epidemiológico, a World Health Organization (WHO, 2015) anunciou que a prevalência de sobrepeso no mundo, no ano de 2014, atingira mais de 1,9 bilhão de seres humanos, e a de obesidade, mais de 600 milhões. No Brasil, a última Pesquisa Nacional de Saúde, em 2013, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada em agosto de 2015, trazia dados estatísticos sobre obesidade, atestava que 20,8% da população brasileira estava obesa em 2013, sendo 57,3% homens e 59,8% mulheres. Por outro lado, relacionando esses dados ao hábito de realizar atividades físicas, percebe-se que 46,0% dos brasileiros foram considerados fisicamente inativos, reforçando a existência de uma relação entre o aumento de peso e a baixa atividade. Entende-se aqui que a obesidade é um duplo problema de saúde pública, pois, além da desnutrição, o obeso carrega o risco de ser acometido por outras doenças potencialmente fatais em decorrência do sobrepeso. São estas: hipertensão, hipertrofia ventricular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, problemas circulatórios, diabetes, câncer, entre outras.
A convergência desses dados ao que se pretende como discussão é a influência sofrida e contributiva da imagem corporal desde a infância até a juventude. Na infância, a obesidade contribui para potencializar as dificuldades de relacionamento social das crianças (PALLAN et al., 2011), além dos sérios problemas de saúde que poderão afetar todas as fases de sua vida (SANTOS, 2009). A experiência da exclusão e da rejeição entre os pares e por grupos sociais leva a criança ao isolamento como uma forma natural de defesa; e as alterações humorais, a ansiedade e a depressão, se manifestam em maior número nas crianças que se veem como constituintes de um corpo contraditório socialmente. Por outro lado, estudos revelam que a criança obesa é vítima potencial de bullying na escola e em suas diferentes atividades sociais. Em Porto Alegre/RS foi desenvolvido um estudo entre 1.220 crianças regularmente matriculadas em 11 escolas da rede de ensino pública e privada, no qual ficou identificado que os escolares vêm apresentando dificuldades na convivência com um novo problema contemporâneo que cresce aceleradamente: a obesidade
(SANTOS; GROSSI, 2012, p. 18). O estudo constatou que a falta de reconhecimento do corpo gordo, a valorização do próprio corpo e do corpo do outro em desenvolvimento normal ao redor dos 10 anos e a formação de pequenas panelinhas
(SANTOS; GROSSI, 2012, p. 19) na escola contribuem para o fenômeno denominado bullying e agravam o perfil de baixa autoestima, ansiedade, depressão e indecisão que muitas vezes acompanham o obeso. Sendo o corpo o motivo de exclusão entre crianças e adolescentes na escola.
Por meio dessa pesquisa, entre outras, chega-se à seguinte conclusão: a insatisfação corporal infantil influencia e é influenciada por esses fatores relacionados, e o sujeito obeso, ao sentir-se desajustado, busca conforto na própria comida
(SANTOS, 2009, p. 118). Nessa tentativa de relação e entendimento que se estabelece entre a autoimagem da criança e a construção do corpo juvenil, de um entrelugar medianeiro entre a infância e a juventude, percebe-se uma importante questão: no final da infância, meninos almejam corpos mais musculosos, e as meninas, a redução do peso corporal. Como esses lugares de desejos estão se constituindo na juventude das primeiras décadas do século XXI?
Focada na relação entre sociedade de consumo e obesidade infantil, foi desenvolvida por Santos (2009) uma pesquisa entre 424 crianças em Porto Alegre (RS). A metodologia previa como fatores de inclusão atender à definição estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que consta na Lei nº 8.069, de 1990 – criança é a pessoa com idade inferior a 12 anos –, e residir na cidade. O estudo tinha como objetivo avaliar a prevalência da obesidade infantil, bem como analisar a relação entre as incitações ao consumo e o aumento de peso entre as crianças. Os resultados revelaram que 35,8% das crianças estavam com sobrepeso, sendo que 14% destas tinham o diagnóstico de obesidade.
Optou-se por recuperar algumas das considerações desse estudo, tomando como estímulo esses dados. O que se questiona é como estarão essas crianças, passados 10 anos? Observa-se que cerca de 12% destas ainda são consideradas crianças, mas que, nesse período, outros 88% tornaram-se adolescentes e jovens.
Como estariam esses sujeitos nos dias de hoje? Uma questão relevante é que as crianças não demonstravam preocupação por estarem acima do peso, apesar de se queixarem de serem foco de gozação e piadas e ficarem excluídas de muitos jogos e brincadeiras. Para as famílias, tornava-se difícil resistir aos apelos dos filhos, expressos em propagandas na mídia, mesmo observando a doença tornar-se crônica.
Os pais têm dificuldade em reconhecer o filho acima do peso. Em um primeiro momento, esse é considerado grande
, mas, a partir do momento em que é declarado por outras pessoas que a criança está acima do peso, por uma identificação visual, a questão torna-se incômoda. A primeira resposta emitida é de que não sei mais o que fazer
(SANTOS, 2009, p. 124), e a expectativa é de que com o crescimento, ele emagreça
(p. 136).
É preciso ressaltar que, em uma sociedade estética, o corpo carrega a identidade do sujeito; que, enquanto crianças, seu corpo obeso não foi uma preocupação, mas carregou o peso da exclusão. Lamentavelmente, não é possível reencontrar esses jovens, mas é preciso discutir – por meio de inferências relacionadas com bases teóricas – sobre os impactos da obesidade infantil no corpo juvenil.
1.2 O percurso até as juventudes
Para se discutir sobre o impacto nas juventudes exercido pelas representações simbólicas de si, de outros corpos e do seu próprio, ainda na infância, é preciso considerar o percurso de vivências dessas juventudes. Nesse caminhar, a adolescência é protagonista.
Uma pesquisa desenvolvida pelo Laboratório de Estudos do Corpo (Labesc), da Universidade Federal de Juiz de Fora, avaliou a imagem corporal em adolescentes a fim de compreender os elementos envolvidos na determinação de seus sentimentos, atitudes e comportamentos sobre sua aparência. Os resultados, aliados aos achados na pesquisa Sociedade de consumo: criança e propaganda, uma relação que dá peso
, realizada por Santos (2009), levam a um desencadeamento inferencial importante para o que se discute.
Esse estudo se relaciona com resultados de várias outras pesquisas, com destaque para Amaral et al. (2007), Miranda et al. (2012) e Ricciardell e McCabe (2002), quando percebem que as mudanças físicas ocorridas na adolescência influenciam sobremaneira a autoimagem corporal desses adolescentes, repercutindo positiva ou negativamente na idade jovem. Para Hudson et al.,
Influenciada por amigos, família, mídia e todos que os cercam, a Imagem Corporal do adolescente é transformada e recriada em função de suas vivências, valores, costumes e atitudes provindas da sociedade na qual está inserido. Logo, a prevalência de insatisfação corporal entre esta população vem se tornando cada vez maior, sendo que a busca por um corpo ideal faz com que muitos jovens tomem medidas drásticas relacionadas à sua saúde (HUDSON et al., 2014, p. 1, grifo dos autores).
A relação que se pode desenvolver entre os estudos é que a insatisfação corporal infantil ou o seu não reconhecimento em relação ao peso, como encontrado em Santos (2009) repercutem em uma maior prevalência de transtornos alimentares quando da constituição juvenil desses sujeitos. Percebe-se, ainda, que os fatores de influência socioculturais, como a mídia, os amigos e a família potencializam essa relação que produz insatisfação com a aparência e o desenvolvimento de transtornos alimentares, sintomas de depressão e menor autoestima, levando a extremos, como a anorexia e, em maior prevalência, a