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O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima
O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima
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O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima

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Intelectual prolífico e figura rodeada por polêmicas, o diplomata-historiador Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) é ainda pouco estudado, a despeito da sua relevância no Brasil do seu tempo e do prestígio conquistado no exterior. Entre os vários rótulos que lhe foram atribuídos, o de antiamericano, frequentemente utilizado como sinônimo de anti-imperialista, é um dos mais duradouros e vem pautando a maioria das análises sobre sua obra. A contextualização de suas ideias, bem como a reconstituição do debate entre seus contemporâneos, aliadas à ampliação das fontes analisadas oferecem, no entanto, um panorama mais complexo que refuta essa categorização. Através de minuciosa pesquisa bibliográfica e documental em arquivos e bibliotecas brasileiras e estrangeiras, a autora mergulhou na vida e na obra de Oliveira Lima para responder à pergunta: afinal, Oliveira Lima foi realmente antiamericano?
LanguagePortuguês
Release dateAug 22, 2022
ISBN9786556231761
O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima

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    Book preview

    O antiamericano que não foi - Nathália Henrich

    Agradecimentos

    Como um livro que nasceu de uma tese de Doutorado, este carrega as dívidas de gratidão contraídas ao longo de um extenso caminho de pesquisa que se estendeu por diversas latitudes. Quando disse nos agradecimentos da tese, ainda em 2016, que ela havia me levado longe, sequer imaginava quantos outros caminhos ainda percorreria. É graças a uma extensa rede de pessoas e instituições que este texto vem agora à luz, em meio a uma pandemia que impede justamente os deslocamentos que marcaram o processo de realização da pesquisa e de escrita. Cumprido um ano desde que os primeiros casos de COVID-19 foram detectados e abruptamente mudaram a forma como vivemos, renova-se a certeza da importância de mantermos vivas as conexões que nos guiam, alimentam e inspiram.

    Agradeço à Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, especialmente aos professores e colegas do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política, onde recebi a melhor formação. Obrigada ao Ricardo Silva pela orientação dedicada e aos membros da banca, Luciano Aronne de Abreu, Bryan McCann, Ernesto Seidl, Tiago Bahia Losso e Tiago Daher Padovezi Borges, pela leitura atenta e pelo incentivo para a publicação da tese. Graças ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq pude me dedicar exclusivamente ao Doutorado e realizar um estágio de pesquisa no exterior junto ao Center for Latin American Studies – CLAS da Georgetown University. Gracias a Guillermo Palacios, Carlos Marichal Salinas e Pablo Yankelevich pela acolhida no Centro de Estudos Históricos do Colegio de Mexico – COLMEX, onde estive como pesquisadora visitante. Em Buenos Aires encontrei inspiração e apoio nas aulas de Marcelo Cavarozzi e de Mario Navarro na Universidad Nacional de San Martín, e nas atividades do Centro de História Intelectual da Universidade de Quilmes, fui gentilmente recebida por Gabriel Entin e Adrián Gorelik. Agradeço ao Programa de Pós-graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, onde tive o prazer de realizar estágio pós-doutoral com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. Aos colegas do grupo de pesquisa Autoritarismo e Corporativismo em perspectiva comprada, liderado por Luciano Aronne de Abreu, muito obrigada pelo espaço generoso de diálogo. Sou grata finalmente ao apoio recebido da Catholic University of America, especialmente à Duilia de Mello.

    Nos arquivos e nas bibliotecas por onde passei, recebi informações imprescindíveis e, não raro, conselhos preciosos. Meu sincero agradecimento aos bibliotecários, arquivistas e curadoras que me atenderam, presencial ou virtualmente, na Fundação Joaquim Nabuco, Arquivo Público de Pernambuco João Emerenciano, Arquivo Múcio Leão da Academia Brasileira de Letras, Arquivo Histórico do Itamaraty, American Catholic History Research Center and University Archives e Mullen Library na Catholic University of America, Harvard University Archives, Columbia University Rare Book and Manuscript Archives, Hispanic Division – Library of Congress, Georgetown University Archives, Arquivo Histórico da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Biblioteca e Arquivo da Academia das Ciências de Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Biblioteca Antonio Sardinha – Universidade Católica Portuguesa, Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada, Archivo General de la Nación Argentina, Biblioteca Tornquist – Banco Central de la República Argentina, Centro de Documentación e Investigación de la Cultura de Izquierdas en Argentina (CeDInCI), Complejo Museográfico Provincial Enrique Udaondo, Archivo Historico Genaro Estrada da Secretaria de Relaciones Exteriores de México, Biblioteca Daniel Cosío Villegas e Biblioteca do Ibero-Amerikanisches Institute. Na Oliveira Lima Library, agradeço a Henry Widener, pelo suporte e pelo constante entusiasmo pelo nosso OL.

    Minha gratidão aos amigos e amigas espalhados pelo mundo que acompanharam o processo de transformação da tese em livro, ofereceram ideias, fontes e consolo quando foi preciso. Pelas transcrições agradeço à Eduarda Molmostett. Aos que leram, comentaram, corrigiram as diferentes versões do texto, Veremundo Carrillo Reveles, Isadora Coan, José Mario Wanderley Gomes, Eduardo César Maia, Everson Fernandes, Luciana Martins e Fabiano Cataldo de Azevedo, um enorme obrigado.

    À família dividida entre o Brasil e os Estados Unidos, meu agradecimento por estar ao meu lado sem estar sempre perto. Ao meu leitor mais dedicado e incentivador mais incansável, Jamie Parr, thank you, você faz tudo parecer possível. Finalmente, a minha mãe, Dóris M. Henrich, dedico este livro em agradecimento por ter me ensinado a sonhar alto e, sobretudo, por sempre sonhar comigo.

    Washington D.C., fevereiro de 2021.

    Lista de figuras

    Figura 1 – Vista do Recife, por Fletcher e Kidder (1857)

    Figura 2 – A Matriz da Boa Vista no Recife onde Manoel foi batizado

    Figura 3 – Oliveira Lima na infância, em Lisboa

    Figura 4 – Flora Cavalcanti de Albuquerque na juventude

    Figura 5 – Manoel e Flora de Oliveira Lima e Maria e Pedro de Araujo Beltrão, Berna (1893)

    Figura 6 – Oliveira Lima e Salvador de Mendonça em Washington (1898)

    Figura 7 – Oliveira Lima na Legação do Brasil em Tóquio

    Figura 8 – Oliveira Lima e Lorena Ferreira em Caracas (1905)

    Figura 9 – Programa do Concerto de Gala realizado em Bruxelas (1910), desenhado por Antonio Parreiras

    Figura 10 – Manoel e Flora de Oliveira Lima em tour pelos Estados Unidos (1912)

    Figura 11 – O novo edifício da União Pan-americana em Washington

    Figura 12 – Que diplomacia! Capa de O Malho (1912)

    Figura 13 – Peço a palavra, anúncio da Mercedes Benz (1913)

    Figura 14 – O Engenho Cachoeirinha em Pernambuco

    Figura 15 – Oliveira Lima na Oliveira Lima Library (1924)

    Figura 16 – Gilberto Freyre, Oliveira Lima e Dioclecio Duarte em Washington (1926)

    Figura 17 – Manoel e Flora de Oliveira Lima em Lenox, Massachusetts (1925)

    Apresentação

    Manoel de Oliveira Lima, um dos mais destacados intelectuais brasileiros da virada do século XIX para o século XX, tem sua vida e obra minuciosamente investigada neste importante livro de Nathália Heinrich. Diplomata de carreira e ativo participante nas controvérsias públicas de sua época, Oliveira Lima destacou-se também como biógrafo e historiador. Mais conhecido por seu monumental Dom João VI no Brasil, que descreve o processo de chegada da família real em terras brasileiras e as transformações decorrentes da acomodação da corte portuguesa em sua principal colônia, Oliveira Lima foi autor de outras dezenas de livros, versando sobre os mais variados temas. Há escritos sobre a história, a cultura e as instituições dos diversos países em que suas missões diplomáticas o fizeram residir, além de uma profusão de textos biográficos, históricos e literários. Era também incansável publicista e missivista, colaborando sistematicamente em inúmeros jornais e revistas, no Brasil e no exterior, e mantendo intensa e incessante correspondência com as mais vistosas personalidades da cena política e intelectual da época.

    Oliveira Lima tinha um olho voltado para os dramas de seu próprio tempo e outro para a posteridade de sua obra. Revelador deste segundo aspecto é o fato de o diplomata, com o decisivo auxílio de Flora, sua esposa, ter colecionado cuidadosamente as mais variadas manifestações sobre sua pessoa e sua obra, que incluem recortes de notícias de jornais, cartas trocadas com inúmeras personalidades da época, resenhas e opiniões sobre seus livros, documentos das embaixadas brasileiras junto aos países nos quais residiu, registros fotográficos, etc. Trata-se de um vasto acervo que, somado aos livros da biblioteca pessoal do diplomata, compõe o núcleo da Oliveira Lima Library, sediada na Catholic University of America, destino incontornável a qualquer pesquisador da obra do intelectual recifense.

    Foi em sobretudo em sua pesquisa na Oliveira Lima Library que Nathália Heinrich construiu sua interpretação da obra de Oliveira Lima e sua visão do homem por trás da obra. As estantes de livros, os acervos epistolares, a rica iconografia, os scrapbooks confeccionados pelo diplomata e pela esposa... Tudo foi cuidadosamente observado pela autora. O envolvimento da pesquisadora com a biblioteca foi tão rico e produtivo que, iniciado em estágio doutoral, prossegue agora com Nathalia Henrich na condição de diretora da referida instituição. Ressalte-se que a autora também se beneficiou de visitas a outros arquivos nos EUA, no Brasil, em Portugal, na Argentina, no México e na Alemanha. As informações provenientes dessas pesquisas capacitaram-na a questionar e, por fim, refutar a interpretação que encontra uma motivação antiamericanista nas ideias do diplomata. Trata-se de uma intepretação sedutora, pois parece bem ancorada em pelo menos um texto importante do autor, Pan-americanismo, publicado em 1907, em que ele revela sua preocupação como o fortalecimento e a expansão do imperialismo estadunidense na América Latina, ameaça que entendia subjacente aos desenvolvimentos da Doutrina Monroe. O suposto antiamericanismo de Oliveira Lima parecia ainda mais plausível quando se tinha em conta que, na questão pan-americana, a posição crítica de Oliveira Lima colidia frontalmente com a visão mais favorável de Joaquim Nabuco, talvez o mais reverenciado intelectual público da época.

    Por mais atraente que ainda seja a interpretação antiamericanista, ela acabou não resistindo aos testes a que foi submetida pela pesquisa que resulta neste livro. Relendo atentamente os textos de Oliveira Lima e de seus interlocutores no contexto específico da III Conferência Pan-Americana, a autora dirige o foco analítico para outros contextos em que o tema dos Estados Unidos e sua relação com o Brasil e o resto do mundo encontram-se entre as preocupações do diplomata, deixando registro em seus textos; aquele que aparecia como crítico dos Estados Unidos em determinada situação surgia como seu sincero admirador em outra, evidenciando-se a impropriedade de rotulações incapazes de dar conta dos aspectos contingenciais e mutáveis de obras gestadas ao longo de décadas.

    A força do método que orienta a análise revela-se no rigoroso esforço de contextualização das manifestações de Oliveira Lima. Os textos do diplomata são compreendidos como tomadas de posição em debates envolvendo outros protagonistas da intelligentsia da época, configurando cenários que convidam o leitor a compreender ideias em contextos, para lembrar o moto da Escola de Cambridge. Mas, o presente livro vai além de situar as ideias de Oliveira Lima no contexto intelectual e linguístico do autor, revelando também aspectos biográficos que, ainda mais no caso da personalidade em questão, acabam por influenciar suas tomadas de posição. Mais do que ideias em contextos, este livro reconstrói diversos e sucessivos momentos de uma vida em seus múltiplos contextos. Eis aí uma inovadora contribuição ao campo de estudos do pensamento político brasileiro.

    Ricardo Silva

    Professor Titular do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina

    Prefácio

    Oliveira Lima heaped praise upon the United States in 1899, heaped scorn upon it in 1907, and reached a balanced but generally warm appreciation of it in 1914. What changed? Was Lima fickle by nature? No: his depiction of the United States changed with the context, and with the target audience and objective of his publications. Only by understanding these contextual changes can we reach a fuller understanding of Oliveira Lima as thinker, writer and advocate.

    In making this case, Nathalia Henrich illuminates not only Oliveira Lima’s life and works, but those of his contemporaries and correspondents, including not only Brazilians like Joaquim Nabuco but US authors like John Kenneth Turner. And she effectively cracks the code of Oliveira Lima’s cautious pan-Americanism by tracing his reaction to and coverage of the Mexican Revolution, among others.

    Henrich conducted research in over a dozen archives in five different countries—Brazil, the US, Mexico, and Portugal, in several languages. Like Lima’s career and perspective, the research is pan-American and trans-Atlantic. Most importantly, Henrich has plumbed Oliveira Lima’s own writings, including his published work and archival documents. She draws deeply on her extensive knowledge of the vast holdings of the Oliveira Lima Library at the Catholic University in Washington, DC. And she writes beautifully, balancing a broad chronological sweep of Lima’s career with detailed analysis of key works, in clear and engaging prose.

    What to make of the Oliveira Lima that Henrich reveals? He was astute, tireless and bold. He also held deeply racist views—views that were common in his time but horrifying by today’s standards. His undisguised ambition, the thirst for prominence that seemed to drive his prolific output, in contrast, was disdained by his contemporaries but appears thoroughly up-to-date today. Oliveira Lima set out as a student to become a major trans-Atlantic intellectual, interpreting Brazil for audiences in Portugal and then in France. He succeeded in that, and much more, becoming an icon of Brazilian letters, a hugely prolific author, never shy about putting his judgment in print.

    Readers have often interpreted Oliveira Lima as anti-American, based largely on a superficial knowledge of his 1907 book, Pan-Americanismo (Monroe, Bolívar, Roosevelt). Henrich deserves credit for pushing beyond these misleading conceptions. By drawing our attention to Oliveira Lima’s 1899 work, Nos Estados Unidos: impressões políticas e sociaes, Henrich demonstrates that Oliveira Lima was a yankee-phile before he was a yankee-phobe. Indeed, Oliveira Lima’s early admiration for the US concentrated largely on the yankee North, rather than the seigneurial South. Lima followed early commentators in praising the industry and entrepreneurialism of the US North. His view of the South as bumptious and backward was deeply racist—Lima did not hesitate to blame southern poverty on the African-American population. As Henrich shows, such arguments were shaped by social Darwinism.

    Indeed, in a stupefying example of blaming the victim, Lima attributed the routinized violence of white supremacist against Black victims to the social and economic aspirations of African-Americans. When the US Black population accepted its status as a permanent underclass, Lima suggested, violence would abate.

    Such theories did not diminish Lima’s praise of the US’s rush towards modernity. As Henrich demonstrates, in 1899 Lima still perceived the US largely as a model for Brazil to emulate, not as a threat. By 1907, the hemispheric context had shifted. Theodore Roosevelt was president, and Lima abominated Roosevelt, for one, depicting him as a graceless loudmouth, the typical ugly American. Lima’s antipathy for Roosevelt reflects a growing awareness of the US as a nefarious political actor in the hemisphere. In this new context, the US became a threat to Brazil’s own interests, and Lima reacted accordingly—going so far as to break publicly with his friend and colleague Joaquim Nabuco, because of Nabuco’s continued Monroísmo.

    Lima did not cease to be a pan-American. Nor did he embrace a pan-Latin American resistance to US hegemony. Indeed, he considered the majority of Spanish American nations to be unsuitable allies, mired as they were (in Lima’s perspective) in petty political squabbles. But by 1907, Lima had ample reason to fear expanding US imperialism. He sought to rally a pan-Americanism that would contain Rooseveltian swashbuckling while allowing Brazil to emerge as a hemispheric counterweight to US preeminence.

    Lima’s response to the Mexican Revolution brought further nuance to his understanding of hemispheric relations. Like most international observers, he admired the authoritarian Porfírio Díaz as a modernizer, until Díaz was overthrown. But Lima was quicker than most to realize that Díaz’s day was done, and that Mexico in 1911 had no clear path to ending its internal conflct. Lima was never hesitant to offer his opinion, but he acknowledged that no one could predict where the revolution would end. And he perceptively attributed Díaz’s downfall to the dictator’s economic and political reliance on the US. Mexico’s turmoil thus provided further evidence not only that US dominance in the region was no guarantee of stability, but quite the opposite: only by guarding some semblance of autonomy from US interests could Latin American nations achieve stability.

    That said, Lima never wavered in his admiration for what he perceived to be the finer side of the US—its open intellectual debates and its vaunted academic institutions. He returned to the US in 1912 as a distinguished visitor at Stanford University, and later at Harvard. And when the time came to bequeath his beloved library to a worthy beneficiary, Lima did not look to Brazil. Instead, he bestowed his largesse on the Catholic University in Washington, DC — an august institution, one close to the center of power. The University was also close to the Carnegie Endowment for International Peace, the esteemed pan-American think-tank. This choice alone provides ample evidence that Lima was not anti-American. As importantly, it gives a sense of the kind of pan-Americanism he envisioned—one anchored in institutions, guided by academic research, structured by counter-balanced forces.

    In bringing these choices to light, Nathalia Henrich adds substantial complexity and nuance to our understanding of Oliveira Lima. In doing so, she makes a vital contribution to the larger enterprise of tracing evolving understandings of pan-Americanism in the late-nineteenth and early-twentieth centuries, and our understanding of the long history of Brazil-US relations. For all these reasons, it is both a pleasure and a privilege to offer this introduction to Henrich’s pathbreaking work.

    Bryan McCann

    Georgetown University

    Introdução

    Este livro tem origem na tese de doutorado Ser ou não ser antiamericano? Os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima, defendida no Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. A tese, por sua vez, veio na esteira de preocupações surgidas anos antes, durante a pesquisa para a realização de uma dissertação de mestrado sobre as relações entre o Brasil e os Estados Unidos no pensamento político do Barão do Rio Branco. Para estudar o mítico Barão, Ministro das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, utilizei-me de uma abordagem contextualista para o estudo das ideias, o que significou reconstituir o seu contexto histórico e sociológico na tentativa de entender o debate sobre a americanização das relações internacionais do Brasil. A despeito da aura de unanimidade em torno do patrono da diplomacia brasileira, foi possível identificar vozes que se opunham a diversos aspectos da sua gestão, como a política de aproximação com os Estados Unidos. No meio dessas vozes, destacava-se uma, a de Manoel de Oliveira Lima.

    Oliveira Lima era um torpedo diplomático que sofria de incontinência da pena, nas palavras de Joaquim Nabuco, na companhia de quem formava o par homérico da nossa diplomacia, no dizer de Arthur Orlando. O Dom Quixote gordo, aos olhos de Gilberto Freyre. Emilio de Meneses o tinha como uma figura estranha que, na sua rima cruel, encontrava mil léguas quadradas de vaidade por milímetro cúbico de banha. Controverso, polêmico, dissidente, divergente e rebelde: são estes todos adjetivos comumente utilizados para descrevê-lo. Alguns são mais bem empregados que outros, mas todos certamente precisam ser entendidos em relação ao contexto em que lhe foram atribuídos. Crítico mordaz, polemista convicto e defensor empedernido da sua independência de opinião, chegando às raias da intransigência e, possivelmente, do bom senso, em algumas ocasiões, o diplomata pernambucano conquistou admiradores fiéis quase na mesma medida em que granjeou inimigos e desafetos. Foi um personagem intrigante que, apesar de ser um dos homens de letras de maior prestígio do seu tempo, caiu em um relativo esquecimento por décadas. Oliveira Lima tornou-se um daqueles intelectuais sobre os quais muito se comenta, mas que pouco se lê.

    Não significa dizer que seja um desconhecido. Muitas páginas já foram escritas sobre Oliveira Lima e existe uma variedade de textos explorando diferentes aspectos de sua vida e obra. Há verbetes dedicados a ele em dicionários (BEAL, 2003; BRELHT, [s.d.]; NEVES, 2008; Oliveira Lima, 1914; SILVA; ARANHA, 1893), diversos registros de amigos na forma de discursos, ensaios e artigos (FILHO, 1912; FREYRE, 1944; LEÃO, 1914; MELLO, 1920; Oliveira Lima Homenagem dos seus amigos do Rio de Janeiro, 1917; ORBAN, 1908) e de obituários (DOYLE, 1928; FIGUEIREDO, 1928; Manoel de Oliveira Lima, 1928; N.F., 1928; RODRIGUES, 1928). Existem estudos acadêmicos biográficos mais gerais (MIRANDA, 1957; WILLIAMS, 1969), outros com foco em seu papel como intelectual (CAMPOS, 1980; GOLDBERG, 1922; GOMES, 1978; LEONZO, 1984; PATTEE, 1935, 1939; PINTO, 1933), alguns interessados em sua obra como historiador (CARDOZO, 1954; RODRIGUES, 1969, p. 83-6; WILGUS, 1965, p. 87) e outros mais preocupados com sua faceta como diplomata (ALMEIDA, 2004; CARDOZO, 1981; FILHO, 2005; FORSTER, 2011; GOUVÊA, 1979). Também há um bom número de trabalhos específicos sobre a Oliveira Lima Library (BELLOTTO, 1977; BEZERRA, 1931; CARDOZO, 1944, 1969; COESTER, 1928; EBELING-KONING, 2004; HAZAN, 1997; MALATIAN, 2001a; ROBERTSON, 1920; WILLIAMS, 1967) e múltiplas resenhas de obras suas (ASSIS, 1994; BOURNE, 1900; D´AZEVEDO, 1914; LEVINE, 1977; ZEBALLOS, 1920).

    É possível conhecê-lo através dos inúmeros artigos de imprensa em que seus contemporâneos intensamente discutiram suas obras e ideias ou simplesmente noticiaram suas atividades no Brasil e no exterior. Lima era frequentemente citado nos jornais nos quais colaborou, notadamente em O Estado de São Paulo e no Diario de Pernambuco, mas também em tantos outros, como o Jornal do Commercio, Correio da Manhã, Gazeta de Noticias e Jornal do Brasil. Sua silhueta rotunda e o bigode farto eram quase um convite aos cartunistas da época, o que o tornou figurinha fácil nas revistas ilustradas, como a Fon-fon!, Careta, O Malho, Revista da Semana e tantas outras. Apareceu, muitas vezes, nas colunas dos jornais argentinos de maior circulação, como no La Prensa e no La Nación. Nos países em que serviu era mencionado amiúde, como no El Universal, de Caracas, no Le indépendance belge, de Bruxelas, e no Times, de Londres. Na imprensa dos Estados Unidos, foi ainda mais assídua a sua presença em jornais de grande circulação, como no The Washington Post, The New York Times, The Evening Star e no The Boston Globe, apenas para citar alguns.

    As referências incontornáveis para o estudo da vida e da obra de Oliveira Lima são, no entanto, muito menos numerosas. Barbosa Lima Sobrinho (1971) traz um ensaio biobibliográfico extensivo e uma cronologia muito informativa na Obra Seleta, organizada com artigos de imprensa e trechos de livros. A seleção tem o mérito de tornar acessíveis textos que só foram publicados uma vez em periódicos, além de trazer obras que nunca foram reeditadas, como é o caso da peça de teatro Secretario d’El Rey. Em Estudos Literários (LIMA, 1975a), Lima Sobrinho conclui o trabalho iniciado, publicando apenas artigos de crítica literária e adicionando as referências completas dos textos da Obra Seleta; são, portanto, obras complementares e totalmente necessárias para uma visão geral dos muitos temas tratados durante a carreira de Oliveira Lima. Neusa Dias de Macedo (1968) produziu outra obra que, sem ser exaustiva, é de extrema utilidade, porque referencia 153 trabalhos de Oliveira Lima, entre livros, folhetos, conferências, artigos, prefácios e demais produções, em vários idiomas, além de textos sobre ele e sua biblioteca. Sua grande omissão são os artigos na imprensa, tão numerosos e dispersos que acabaram ficando de fora do escopo do trabalho. Com a vantagem de ter sido elaborado a partir de levantamento feito presencialmente na Oliveira Lima Library, o trabalho de Macedo é um verdadeiro guia para começar a desbravar o enorme acervo que até hoje não foi totalmente catalogado. Uma parte relevante das obras raras da coleção está descrita pelo próprio Oliveira Lima e pela primeira bibliotecária, Ruth Holmes, em um texto que ilumina a sua pouco estudada faceta de bibliófilo (HOLMES; LIMA, 1926). Gilberto Freyre (1968) reuniu cinco conferências dadas em 1967 como parte das comemorações do centenário de nascimento de Oliveira Lima no livro Oliveira Lima Don Quixote Gordo, em que incluiu 60 cartas recebidas. Freyre (1968, p. 33) reconhece que um crítico mais severo poderá ver na obra um caráter mais apologético do que minucioso, e que possivelmente as páginas lucrariam em ser passadas a limpo sob critério mais analítico. Ainda assim, a importância da obra como fonte encontra-se justo no que poderia ser seu maior defeito: o retrato de Oliveira Lima pintado por Gilberto Freyre pode não ser o mais objetivo, mas conserva as características mais humanas do biografado, que são também importantes ter em conta. A correspondência entre Freyre e Oliveira Lima, organizada por Ângela de Castro Gomes (2005), é uma porta para esse relacionamento crucial para os dois personagens.

    A única obra que pode ser considerada realmente uma biografia é o monumental trabalho de Fernando da Cruz Gouveia (1976). Constituída de três grossos volumes, está baseada em detalhada pesquisa documental em arquivos brasileiros e entrevistas, tornando-se imprescindível. Apenas duas ressalvas são importantes sobre Oliveira Lima, uma biografia: uma com relação às fontes e, outra, à abordagem. A grande lacuna está em que o autor não teve acesso aos papéis pessoais depositados na Oliveira Lima Library, o que deixa alguns pontos descobertos. A outra é o tom do texto, por vezes demasiado apologético, deixando transparecer uma preocupação exagerada em explicar atitudes do diplomata-historiador e limpar sua imagem.

    Por fim, é inevitável ler e reler as suas Memórias (LIMA, 1986). Ainda que seja uma obra inacabada e, possivelmente, por isso, desordenada e limitada, é o único documento de próprio punho de que se dispõe para conhecer detalhes da vida de Oliveira Lima. Ele começou a escrever suas memórias em Washington, em 1925, e tinha vontade de as publicar em vida para gozar do efeito. Sua pretensão não era produzir um grande livro, apenas um livro sincero e ameno (Carta de Oliveira Lima a Gilberto Freyre, 18/11/1925, em FREYRE, 1968, p. 186). Como tudo o que saía de sua pena, o livro foi tudo, menos ameno. Jorrava sinceridade e não fazia concessões aos desafetos. Flora, sua esposa, teve dificuldades para encontrar quem publicasse o manuscrito, mesmo postumamente. Apenas em 1937 ele saiu à luz. Ao contrário do conselho dos amigos, que lhe diziam para retardar a publicação para minimizar o efeito dos vivos mencionados, que poderiam atacar a memória de Lima, Flora quis cumprir o desejo do marido, que era o de dar logo publicidade ao texto, afinal, tudo quanto ele diz é verdade (Carta de Flora de Oliveira Lima a Max Fleiuss, 30/11/1933, em GOUVÊA, 1986). Algumas cartas, fotos e documentos valiosos foram incluídos na edição. Mesmo quase uma década depois da sua morte, o livro ainda causou impacto no Brasil e esgotou em poucos meses, pois tratava de muita gente importante bem ao estilo de Oliveira Lima, sem papas na língua (D´EÇA, 1937; WILLIAMS, 1937).

    Os estudos acadêmicos sobre Oliveira Lima ainda não são abundantes, mas vêm aumentando, bem como o interesse sobre essa figura meio dissidente, que parece vir ganhando popularidade. Até pouco tempo, quase completamente confinadas ao campo da História, nas duas últimas décadas as pesquisas têm vindo de diferentes áreas, como das Relações Internacionais (SOUSA, 2013), do Jornalismo (OLIVEIRA, 2020), dos Estudos Brasileiros (FREITAS, 2017) e da Literatura (PRADO, 2015); sua contribuição para a historiografia brasileira é bem conhecida (CARDOZO, 1954; LEONZO, 1984; RODRIGUES, 1969). Há trabalhos sobre temas e obras específicas, como o de Abreu (2008), que analisa sua passagem pelo Japão, o de Silva (2003), que faz uma leitura de Formação histórica da nacionalidade brasileira, e o de Vellozo (2012), que também está interessado na narrativa de construção da nacionalidade proposta por Lima. Na mesma linha, não se pode deixar de mencionar o estudo de maior fôlego, que trata exclusivamente de Oliveira Lima, que é o livro de Teresa Malatian (2001b). Fruto da pesquisa realizada na Oliveira Lima Library, inicialmente como tese de Livre Docência, o texto une o estudo da vida e da obra do autor para lançar luz sobre suas contribuições para a construção da nacionalidade e da identidade nacional.

    São, no entanto, os temas relacionados às relações internacionais os mais trabalhados entre aqueles que se dedicaram à obra de Oliveira Lima. Lyra Junior (2008) compara as representações de Oliveira Lima e Salvador de Mendonça sobre a inserção brasileira na América entre 1870 e 1914. Santos (2003) estabelece o diálogo de Oliveira Lima com o uruguaio José Enrique Rodó e o cubano José Martí para contrapor suas visões sobre o continente. Silva (2008) estuda Domício da Gama e Oliveira Lima como membros do chamado Círculo Rio-Branco, do qual faziam parte também Araripe Júnior, Araújo Jorge, Barão Homem de Melo, Euclides da Cunha, Gastão da Cunha, Graça Aranha, Hélio Lobo e José Veríssimo. Baggio (1998) realizou um influente estudo comparativo entre Oliveira Lima, Eduardo Prado, José Veríssimo, Manoel Bomfim, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Artur Orlando e, de maneira mais breve, Silvio Romero e Rocha Pombo.

    A comparação mais frequente é a estabelecida com Joaquim Nabuco, especialmente para contrapor suas visões sobre as relações com os Estados Unidos. Raro é o trabalho que, ao tratar do tema, não mencione a oposição entre os dois pernambucanos. Silveira (2003) aborda as representações discursivas elaboradas por Nabuco e Oliveira Lima que cumprem a função ideológica de conferir sentido ao processo de americanização da política externa brasileira. Borges (2007) compara as posições acerca do pan-americanismo de Oliveira Lima e Joaquim Nabuco entre 1899 e 1907 para entender o papel que este tema teve no processo de ruptura entre os dois; Sousa (2013) também comparou os autores com o objetivo de compreender o pensamento internacional entre as décadas de 1890 e 1910.

    A partir da leitura destes estudos, forma-se uma imagem de Oliveira Lima em contraposição a Nabuco quando se trata da opinião sobre os Estados Unidos e o pan-americanismo. Lima surge como um crítico implacável da Doutrina Monroe (SILVA, 2008, p. 139), incluído dentre os críticos mais combativos do pan-americanismo (BAGGIO, 1998, p. 68) e os que sustentavam convicções anti-imperialistas (SILVA, 2008, p. 77). A classificação elaborada por Baggio (1998) é amplamente aceita entre os que estudam este que foi um dos temas mais importantes do debate intelectual na virada do século no Brasil. Com algumas variações, a grosso modo, tem-se cristalizado um esquema que separa, de um lado, os principais críticos da política expansionista dos Estados Unidos, como Eduardo Prado, José Veríssimo, Manuel Bomfim e Oliveira Lima, e, de outro, os defensores do pan-americanismo, como Joaquim Nabuco, Artur Orlando e Euclides da Cunha. Entre tantos rótulos atribuídos a Oliveira Lima, os de antiamericano ou de anti-imperialista, usados frequentemente como sinônimos, são os que têm sobrevivido ao teste do tempo.

    À primeira vista, a interpretação amplamente aceita de que Oliveira Lima sustentava opiniões que poderiam ser classificadas como antiamericanas faz todo o sentido, especialmente porque grande parte das análises está focada no seu livro Pan-americanismo (Monroe, Bolívar, Roosevelt) (1907), no qual estão reunidos artigos escritos no contexto de preparação e realização da III Conferência Pan-americana no Rio de Janeiro. Sem dúvidas, foi uma obra crítica do pan-americanismo promovido pelos Estados Unidos e da sua política exterior para o continente sob o governo de Theodore Roosevelt. Seria esta, contudo, evidência suficiente para incluir Oliveira Lima definitivamente no rol dos autores antiamericanos?

    No intuito de responder à questão, a opção foi traçar um panorama mais amplo das suas ideias sobre o tema, seguindo a ordem cronológica de publicação de suas obras. Assim, esperava-se acompanhar as mudanças e as continuidades nos seus pontos de vista sobre os Estados Unidos ao longo da sua carreira, o que significou a realização de um esforço por situar Oliveira Lima no tempo e no espaço, identificando suas redes de sociabilidade e intercâmbios intelectuais, para acompanhar sua trajetória. No capítulo 1 deste livro apresentam-se os elementos mais relevantes da formação intelectual de Oliveira Lima em um breve ensaio biográfico que cobre o período até 1896, quando é nomeado para o primeiro posto diplomático nos Estados Unidos.

    Tendo os seus textos de imprensa como fio condutor – sem negligenciar os livros, panfletos e conferências –, a pesquisa foi desvendando as redes sociais e institucionais em que Lima esteve inserido entre 1891 e 1928 e como estas influenciaram sua percepção sobre os Estados Unidos de forma geral e sobre tópicos relevantes, como o pan-americanismo e a Doutrina Monroe. A realização de um trabalho minucioso de busca, seleção e análise dos artigos de imprensa de Oliveira Lima mostrou-se essencial para a pesquisa, já que esses textos permitem acompanhar a sua visão sobre boa parte dos acontecimentos mais importantes no Brasil e no mundo desde finais do século XIX até a década de 1920. A localização e a análise da sua correspondência com figuras-chave da intelectualidade brasileira e latino-americana em diversos arquivos nacionais e internacionais também ajudou a elaborar este panorama.

    Foi dada especial atenção às obras que não costumam ser analisadas, como é o caso do seu primeiro livro sobre os Estados Unidos, fruto das suas observações quando lá residiu entre 1896 e 1899. A análise detalhada de Nos Estados Unidos. Impressões Politicas e Sociaes (1899a), no capítulo 2, desvenda um Oliveira Lima seduzido pelo progresso material e moral do país, convencido da sua boa vontade na arena internacional e simpático à sua nascente política colonial.

    O que uma leitura da lista de referências dos estudos que sustentam a tese do antiamericanismo de Oliveira Lima revela é que Nos Estados Unidos esse tema é raramente mencionado, enquanto no Pan-americanismo ele é ubíquo. O capítulo 3 traz o contexto de produção da referida obra ao tratar da sua primeira incursão em um país hispânico, quando vive na Venezuela e toma contato com intelectuais hispano-americanos, ao mesmo tempo em que acompanha os preparativos para a III Conferência Pan-americana no Rio de Janeiro.

    Em contrapartida, uma análise em contraste das duas obras não resolve a questão. A impressão de que há uma dicotomia entre Nos Estados Unidos e Pan-americanismo é enganosa e não resiste a uma análise que leve em consideração outros textos menos conhecidos produzidos entre 1899 e 1907 e, sobretudo, a partir de 1907. Ao incorporá-los à análise, vê-se que não se tratava apenas de uma mudança drástica na sua visão – primeiro positiva, depois negativa – sobre os Estados Unidos, mas sim de um processo lento e gradual, ainda que não necessariamente contínuo, de produção de respostas a acontecimentos da política nacional e internacional dos Estados Unidos, influenciadas também pelo contexto geopolítico internacional. Tais respostas eram produzidas a partir de uma determinada visão de mundo marcada pelo racismo científico e pelo Darwinismo Social, que dava sentido a certa hierarquia da ordem internacional. O capítulo 4 explora esses elementos sob o pano de fundo da sua volta à Europa como representante brasileiro em Bruxelas, quando se consolida como intelectual prolífico na divulgação do Brasil e reafirma suas simpatias ao colonialismo europeu.

    No capítulo 5 pode-se observar como Oliveira Lima, após o seu período mais crítico do acercamento do Brasil com os Estados Unidos, representado em Pan-americanismo, retoma a esperança pelo projeto pan-americanista revelado em Nos Estados Unidos a partir de 1912. Essa redescoberta esteve fortemente influenciada pelo ambiente acadêmico norte-americano que ele teve a oportunidade de disfrutar a partir de sua visita naquele ano, além de um ambiente geral de otimismo pelo futuro das relações internacionais e da influência moralizadora dos Estados Unidos gerada pela eleição de Woodrow Wilson.

    O contexto da Primeira Guerra Mundial teve um impacto profundo na sua percepção das relações internacionais e do papel dos Estados Unidos no continente e no mundo. Seu contato com instituições pacifistas e internacionalistas, como a Carnegie Endowment for International Peace, a Sociedade Americana de Direito Internacional e a União Pan-Americana, também atuaram nesse sentido. Sua correspondência com membros e indivíduos ligados a estas instituições, bem como documentos oficiais, revelaram os responsáveis pela sua volta aos Estados Unidos, primeiro como conferencista em Stanford, depois como professor em Harvard e, indiretamente, pela sua mudança definitiva para Washington. Estas redes serão a razão pela qual Oliveira Lima, no contexto posterior à Primeira Guerra Mundial, seguiu defendendo o papel dos Estados Unidos como uma liderança moral para o mundo. Sua crença em um novo pan-americanismo que aplacaria as desconfianças despertadas pela Doutrina Monroe no restante do continente permaneceria inabalada até fins da década de 1920. Ele termina seus dias em Washington como um convencido pacifista e propagandista de um projeto pan-americano baseado na solidariedade, no entendimento e nos princípios do Direito Internacional. Para tanto, dá como contribuição sua pena, sua voz e sua biblioteca, que pretende que, um dia, se torne um centro de estudos ibero-americanos na capital dos Estados Unidos.

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    EU VI O MUNDO... ELE COMEÇAVA NO RECIFE

    A vida de Oliveira Lima começou no Recife. De forma objetiva e simbólica, é na capital pernambucana que se deve iniciar o percurso para entender a personalidade, a vida e a obra de um personagem tão complexo como Manoel de Oliveira Lima.

    A icônica obra Eu vi o mundo... Ele começava no Recife, do também pernambucano Cícero Dias, oferece uma metáfora apropriada para a vida do diplomata que deixou o Brasil muito cedo e viajou pelo mundo, mas que não tinha dúvidas ao afirmar onde estavam suas raízes. O quadro elaborado entre 1926 e 1929[ 1 ] causou polêmica tanto pela forma quanto pelo conteúdo, quando foi exposto pela primeira vez. Foi considerado subversivo, inapropriado, pornográfico até. Em uma explosão de cores e formas, Dias procurou fixar na tela sua visão sobre seu Recife natal: era, sem dúvida, um olhar que mirava o passado, uma representação inequívoca de um ponto de partida, e a obra guarda, neste sentido, a dimensão de um mito de origem localizado na infância do artista (BORGES, 2012). O Recife que abrigava o engenho da sua meninice foi a fonte de onde Cícero Dias retirou a matriz pela qual observaria, perceberia e avaliaria o mundo ao seu redor.

    Oliveira Lima realizaria um esforço semelhante para fixar um mito de origem para sua própria existência através de suas obras, não artísticas, mas históricas e literárias. Através dos interesses intelectuais que nutriu desde a infância, sempre ligados ao Brasil e, tantas vezes, especificamente, a Pernambuco, passando pelo tema de suas primeiras obras até o casamento com uma flor da sociedade pernambucana, culminando com a entrada para o serviço diplomático brasileiro, tudo confluía para a afirmação da sua identidade como brasileiro e, sobretudo, pernambucano.

    1.1 O Recife do tempo da maxambomba: nasce Manoel De Oliveira Lima

    O Recife do século XIX era uma urbe com, aproximadamente, 80 mil habitantes que passava por importantes transformações. Tendo o algodão e a cana-de-açúcar como seus principais produtos de exportação, a cidade firmava-se como um dos portos mais importantes do Brasil. A economia agroexportadora movimentava a capital da província de Pernambuco, que vivia também uma expansão da atividade manufatureira e o surgimento da indústria local.

    As atividades manufatureiras e comerciais estavam concentradas nas freguesias de São Frei Pedro Gonçalves e Antônio Vaz, onde também estava a maior densidade demográfica da região. Já a área da Boa Vista era o lugar preferido para as novas ocupações residenciais, abrigando os casarões das famílias mais abastadas e proeminentes da sociedade local; a vida na cidade estava tradicionalmente centralizada nas delimitações dessas três localidades (DUARTE, 2005). A economia mais diversificada e dinâmica contribuía para a expansão e a diversificação de empregos e atividades, tornando o Recife um polo de atração para novos habitantes. Esse incremento populacional forçou os limites da cidade, que começou a se deslocar em direção aos arrabaldes: a população crescente demandava um crescimento proporcional da oferta de serviços públicos, que nem sempre eram suficientes. Nesse cenário, um dos principais problemas que afetava o Recife era o do transporte, dificultado pelos vários rios e canais que cortavam a cidade.

    Figura 1 – Vista do Recife, por Fletcher e Kidder (1857)

    Fonte: KIDDER, D. P.; FLETCHER, J. C. Brazil and the Brazilians, Portrayed in Historical and Descriptive Sketches. Philadelphia: Childs & Peterson, 1857. p. 512.

    Pela sua geografia peculiar, que encantou tantos visitantes estrangeiros, Recife não raro era comparado com a Rainha do Adriático, recebendo a alcunha de Veneza brasileira. Para os norte-americanos Kidder e Fletcher[ 2 ], as torres e cúpulas de Recife apareciam, como as de Veneza, estar gradualmente surgindo da água cintilante (1857, p. 513, tradução nossa)[ 3 ]. A primeira visão do porto do Recife já havia impressionado a viajante Maria Graham[ 4 ] algumas décadas antes. Ela, que levava alguns anos percorrendo a América do Sul, exclamou em seu diário de viagem que nenhum conhecimento prévio poderia diminuir o deslumbramento com que se deve entrar naquele extraordinário porto (CALLCOTT, 1824, p. 163, tradução nossa)[ 5 ]. Depois de conhecer de perto o local que dava nome à cidade, ela concluiu que o recife é certamente uma das maravilhas do mundo (Ibid., p. 164, tradução nossa)[ 6 ].

    A beleza natural era indiscutível. Já as condições de vida deixavam muito a desejar, como também registraram vários cronistas. Ruas estreitas e malcuidadas, sujeira, mau cheiro, o espetáculo degradante dos mercados de escravos a céu aberto e as dificuldades de locomoção estavam entre as queixas mais frequentes. No entanto, Kidder e Fletcher, que visitaram a cidade em diferentes ocasiões, notavam os avanços, observando que, em todos os aspectos, Recife era uma cidade próspera e progressista, e avisavam que

    Aqueles que se lembram de suas antigas ruas não pavimentadas e de seus outros inconvenientes quanto ao conforto e ao transporte, agora ficariam surpresos com as várias mudanças e melhorias. Obras hidráulicas foram realizadas, boas pontes erguidas e extensos cais foram construídos nas margens dos rios [...] (1857, p. 515, tradução nossa)[ 7 ].

    Ainda assim, as melhorias observadas pelos missionários não eram suficientes para acompanhar o crescimento da cidade, que eles definiam, já nessa época, como uma grande cidade comercial. Ao mesmo tempo, esse mesmo caráter comercial obscurecia sua pródiga beleza. Era com certa decepção que mencionavam,

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