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Encontro Com Meus Fantasmas
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Encontro Com Meus Fantasmas

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About this ebook

Cada vez mais nos damos conta de que muitos mistérios envolvem a Humanidade. As cronologias do planeta Terra e seu principal habitante têm sido alteradas diversas vezes, só no último século...Pesquisas reduzem a pó resistentes conceitos científicos; mitos religiosos desintegram-se diante de novas evidências... O que ontem era heresia, hoje é dogma e vice-versa... Há quanto tempo estamos aqui? Somos realmente frutos da Terra, ou sementes das Estrelas? Seríamos de fato a espécie privilegiada, os “filhos de Deus” que imaginamos por séculos, ou apenas mais um dentre tantos enigmas que nos cercam? E qual será o nosso fim? Ainda passaremos um tempo no “limbo”? Teremos um estágio de purificação no “purgatório”? Entraremos, enfim, purificados no “paraíso”? Haverá, no fim, um gigantesco e definitivo “Juízo Final”? Mistério... Enquanto isso, “viajamos”...
LanguagePortuguês
Release dateAug 19, 2021
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    Encontro Com Meus Fantasmas - Enio José Ditterich

    CAPÍTULO 1

    UM HOMENZINHO CHAMADO VEIGA

    Devia ser aproximadamente meia-noite. Sabia-o por força da rotina, não por haver consultado o relógio de pulso, ou ouvido as 12 vigorosas badaladas num carrilhão na sala, pois esse sonho nunca se concretizara, por razões econômicas e de harmonia conjugal, muito menos ainda por abrir o celular, então um projeto utópico... Retornava a casa sistematicamente após a esfalfante jornada de 4 ou 5 aulas noturnas e – não havia erro – ao deitar-me seriam cerca de 24 horas, com direito a 6 horas de sono pétreo, para mais 12 ou 15 aulas, recheadas com alguns deslocamentos... Vida de professor. Ainda tinha de ouvir:

    - O senhor faz o quê?

    - Sou professor...

    - Só?... não faz mais nada?...

    Claro que fazia: pesquisava, preparava aulas, corrigia redações, entre outras atividades paralelas.

    Mas deixa pra lá e voltemos à história. Ao deitar, lembrei-me de apanhar algo no criado mudo. Abri a gaveta, donde saltou um pequeno papel dobrado, como que impelido por uma mola, e caiu aos meus pés.

    - Ué?! Que será isso? – perguntei-me.

    Desdobrei o papelucho branco e lá estava: JJ VEIGA e um número telefônico. Permaneci um minuto sentado a olhar a anotação. Estivesse a luz acesa, e alguém me enxergasse, uma aura vermelha poderia ser vista, tamanha a vergonha que tomou conta de mim.

    - Meu Deus! Como é que pude ser tão insensível a ponto de não mais tornar a ligar-lhe?

    A esposa, já deitada, estranhou e perguntou:

    - O que foi? Não vai deitar?

    Relatei-lhe o fato e ela foi objetiva:

    - Dorme. Amanhã você liga pra ele...

    Dormi. Não sei se o sereno sono dos justos, mas, com certeza, o pesado dos exaustos. Às seis da manhã, fui acordado pela TV pré-programada, à guisa de despertador. Ainda estremunhado, fiz a higiene matinal e, de repente, uma notícia do então jornal matutino paralisou-me:

    - É com profundo pesar que noticiamos o falecimento do conhecido escritor José J. Veiga. Seu passamento deu-se por volta da meia-noite de ontem, em sua residência no Rio de Janeiro...

    Arrepiei-me todo.  Rezei um Padre-Nosso, três Ave-Marias e um Glória ao Pai pela sua alma, como me fora ensinado na infância, e apressei-me para não atrasar para a primeira aula. Esse dia, contudo, foi todo dele. Um eu autômato dera as aulas; o verdadeiro eu movia-se em constrangimento profundo, como se houvesse abandonado um amigo no meio do caminho...

    Voltemos no tempo...

    Era hábito em nossa escola, elegermos um autor a ser lido em cada semestre, selecionando-se uma obra sua para cada série. Éramos unânimes em acreditar que a leitura liberta e engrandece. Para tanto, nós – os professores – impúnhamos a leitura dos clássicos mais conhecidos, mas também dávamos espaço a autores contemporâneos e vinculados a estilos de vanguarda. Nesse semestre, havíamos optado pelo "Realismo Mágico ou Fantástico" e o autor escolhido foi José J. Veiga, que, concordávamos, representava bem o tal gênero.

    Tendo somado a venda de vários dos títulos um montante de cerca de 800 unidades, praticamente de uma só vez, a editora, intrigada, descobriu-nos e sugeriu brindar-nos com uma visita do autor. Teríamos apenas que arcar com a despesa de hotel. Tendo como objetivo o desenvolvimento da técnica de entrevistas, visitante tão ilustre – possível futuro membro da ABL – era bem-vindo e obtivemos o aval da instituição. Coube-me - na qualidade de chefe de departamento – a tarefa de recebê-lo no aeroporto e encaminhá-lo para o hotel já reservado.

    Telefonei-lhe e, pouco experiente e exageradamente confiante, anotei apenas o número do voo e a hora prevista da chegada. Plantei-me, atento, no saguão. Não me ocorrera perguntar-lhe detalhes da roupa, ou, então, portar um discreto cartaz, identificando-me. O avião pousou na hora prevista, vomitou uma legião de apressados e, entre eles, não consegui distinguir ninguém com aparência de escritor. Frustrado, notei apenas um homenzinho simples, vestindo uma calça jeans bem surrada e uma camiseta xadrez em tons vermelhos, brancos e negros. Não podia ser ele! Mais parecia um desses tantos aventureiros com destino à região amazônica. Ele andava de um lado a outro, cabisbaixo, às vezes olhava em torno, sem demonstrar pressa ou nervosismo. Certo do insucesso, aproximei-me, porém, e sussurrei em tom de ventríloquo:

    - Senhor Veiga???...

    - Senhor Enio???...

    - Mil perdões! Não lhe pedi maiores informações e me equivoquei.

    - Não se preocupe. Você não é o primeiro...

    Irradiava uma humildade simpática, parecendo um tanto inseguro diante do novo contato.

    - E então? Como foi a viagem, senhor ... José?... Veiga?...

    - Pode ser Veiga mesmo. Estou bastante habituado; dois nomes comuns... Ah! Foi tranquila. O que estou estranhando um pouco é esta temperatura. Mas confesso que este friozinho mexeu com as minhas lembranças.

    - Boas lembranças, espero...

    - Sim..., no mínimo agradáveis. Remeteu-me a Londres no outono ou começo da primavera...

    - Então o senhor morou em Londres? Que inveja! Meu sonho...

    - Também foi o meu...

    - Ah! Perdão senhor Veiga...

    - Vamos evitar as formalidades, Enio? Não me sinto à vontade com esse Senhor... Podemos dispensá-lo?

    - Com todo prazer. Mas... eu ia lhe dizer que li três dos seus livros, mas não a sua biografia... É algo que sempre leio depois...

    - Faz bem. Sou um matuto goiano, Enio. Você sabe que Goiás um dia foi Minas e, assim, tenho esse jeito meio mineiro de ser. Você, naturalmente é paranaense...

    - Que nada! Sou um dos tantos gaúchos perdidos por aqui.

    - Não me diga! Você é bastante comunicativo, expansivo, mas não me parece caber bem no estereótipo do gaúcho divulgado por aí...

    - Pode ser; não sou fã de estereótipos. Porém lá no fundo está, com certeza, o estigma atávico do qual não nos libertamos jamais...

    - Bonito! Caprichou nessa, rapaz. Diga-me: você também escreve?

    - Bem que eu queria, mas preciso ganhar o pão de cada dia. Aula, aula e mais aula!... Quem sabe um dia...

    - É... eu também fui postergando... Mas isso é uma longa história.

    - Ah, mas uma hora vai ter de me contar!

    O carro deslizava pela Avenida Comendador Franco em direção ao centro da cidade. Como se estivesse pensando alto, o visitante comentou:

    - Mas isto aqui parece a Europa; algumas regiões em especial... Casas bem acabadas, jardins cuidados e com flores típicas do Hemisfério Norte...

    - É... o povo daqui valoriza muito a casa. Costuma ser seu primeiro bem; depois, investe boa parte do que ganha em melhorá-la...

    - De fato, hábito dos alemães, principalmente... Deve haver muitos descendentes de imigrantes, não?

    - Sim. Em especial da Alemanha, Itália, Polônia e adjacências...

    - Bonito... Disso tenho saudades. Tudo organizado, limpo e ar de alegria contagiante...

    - É... mas nem tudo são flores, Veiga. Olhe para a esquerda: aí está a primeira favela de Curitiba e há muitas outras por aí...

    - Não há como evitá-las. Nas metrópoles europeias também as encontramos.

    Chegamos ao hotel. Resolvida a burocracia, acompanhei-o até o quarto.

    - Está do seu agrado?

    - Muito bom! Aconchegante, eu diria. E eu não suporto ambientes sofisticados. Sou homem da roça...

    - Legal. E gostaria de sair à noite, jantar, beber alguma coisa?

    - Perdoe-me, mas há duas noites que não durmo bem e amanhã teremos um dia cheio, não é?

    - Isso é verdade. Use o serviço de copa, se quiser. Até amanhã cedo então.

    - Até amanhã!

    O dia seguinte foi repleto de atividades: visita ao interior da escola, seus muitos departamentos, funcionários sorridentes e solícitos e o visitante entusiasmado com a escola.

    - Juro que não imaginava uma escola dessas no Brasil. Um universo tecnológico aliado com uma formação humanística tão bem tratada...

    - Obrigado, Veiga. Vou transmitir aos colegas suas impressões.

    - Existem outras assim?

    - Existem... Estão espalhadas pelas capitais do Brasil e até em algumas cidades maiores de certos estados.

    - Destinam-se a alunos carentes?

    - Absolutamente não. Não há qualquer discriminação. Todo candidato faz um duro teste, como se fosse um Vestibular para entrar. Detectada, porém, alguma dificuldade, há um Departamento de apoio aos alunos carentes...

    - E o resultado? Funciona?

    - Ao menos aqui, funciona. Empresários disputam os recém-formados. É mão de obra qualificada – e bem qualificada! – pronta para desempenhar o trabalho.

    - Vi coisa assim na Europa. Jamais, porém, imaginava algo do gênero por aqui... E que moçada bonita! São alegres, educados...

    - É... Orgulho-me de trabalhar aqui. É isso que nos move, já o salário... Bem, deixa pra lá!

    À tarde ocorreu a primeira entrevista. O clima inicial foi um pouco tenso.  Jovens pouco habituados ao processo, assessorados por seus professores, foram, porém, gradativamente pondo-se à vontade diante da simplicidade paternal daquele homenzinho de sorriso tímido, inquirindo-o sobre a obra que lhes coubera avaliar.

    Terminada a jornada, olhou-me e disse:

    - Hoje eu aceito aquele convite. Confesso que estava receoso ontem. Sempre fui muito reservado e fiquei perturbado, mas... que moçada espetacular!

    - Ótimo. Levo você até o hotel, vou até em casa dar um cheirinho nos filhos e a patroa, e lá pelas oito te apanho. Tudo bem?

    Na hora aprazada, lá estava eu e já era aguardado por ele na escada.

    - Pontualidade britânica! – disse-me.

    - Sabe como é: professor. Fiscalização rígida, mais que virtude pessoal. E o nosso trânsito ainda colabora... Alguma comida especial? Restrições?

    - Ainda não... E você sabe o que mais se aprecia quando se nasce no interior e, depois, ainda passa um tempão lá fora?...

    - Só pode ser carne...

    - Na mosca! E dizem que aqui no Sul é ótima...

    Para o seu tamanho, até que comia bem! Alimentados pelo bom churrasco e o álcool moderado da cerveja, os laços de simpatia estreitavam-se e as confidências afloravam.

    - Diga-me, Veiga: como é que você foi parar em Londres, tendo saído lá dum cafundó de Goiás? Era uma fazenda, num tal de Corumbá de Goiás... Eu até pensei que fosse um engano, pois, pra mim, Corumbá fica no Mato Grosso e li isso no Visconde de Taunay...

    - É verdade... a minha Corumbazinha é uma ilustre desconhecida e ainda ofuscada por essa, tão bem divulgada pelo grande literato, em sua Retirada de Laguna. A minha história é a de tantos que nasceram por este Brasilzão, tão grande e variado, mas que ainda assim parece pequeno para algumas inquietações... ou, então, porque a nossa vida é uma sucessão de acidentes e incidentes e somos jogados pra lá e pra cá...

    - Já estamos na fase da poesia... Salve aos romanos: "In vino veritas."

    - Escuta, tem certeza de que quer ouvir minha história? Há coisas que a gente não divulga a não ser para quem gosta de ouvir.

    - Sou todo ouvidos. Adoro histórias e estórias...

    - Bem...Minha infância foi aquela de menino do mato, que, pelo que ouvi, você conhece bem: pequenas tarefas, comida básica, caçadas, pescarias, banhos de rio, além da escolinha humilde, quando existe. Conheci alguns arrivistas que por lá chegavam, como mascates, negociantes de gado, o padre, quase sempre estrangeiro, e ouvia falar das cidades grandes e suas novidades. De repente o bichinho da curiosidade me picou!

    - Que idade você tinha?

    - Uns 8, 9 anos...Aos 10 perdi mamãe e o pai ficou desorientado. Parentes, então, me levaram para um sítio vizinho. Concluí o curso primário, ainda era pequeno e não havia outra coisa a fazer senão encarar uma foice, uma enxada... Às vezes ficava na venda, ouvindo os mais velhos, que tomavam sua pinga no final da tarde, narravam proezas de pescarias e suas aventuras com as moças das corruptelas. Apreciava por demais os vaqueiros e tropeiros, que passavam semanas conduzindo gado e trazendo novidades...

    - Pelos livros seus que li, eles estão lá, com seus nomes trocados, talvez, mas presentes em espírito.  Acho que até se reconheceriam, se tivessem a oportunidade de lê-lo...

    - É... são a matéria prima do escritor... Aos poucos, todavia, nem aquilo já me bastava. Demorava a pregar o olho e ficava imaginando aquele mundão lá fora. Lia tudo que podia e não devia; de romance clássico a bula de remédio. Tinha paixão, também, pelos almanaques... traziam novidades e aguçavam minha curiosidade. Certo dia, um frequentador de um bolicho da cidadezinha, depois de conversarmos, disse:

    - Cai no mundo, rapaz! Isto aqui não é pra ti não! Vais te perder e estragar tua vida.... Suas palavras , na calada da noite, martelavam-me a cabeça e não conseguia dormir. Amanheci rolando na cama. Certa manhã, levantei, tomei o café preto na cozinha e fiquei por ali. O tio, em tom quase de brincadeira, encarou-me e falou:

    - Toma tento, José! Os irmãos já foram pro roçado e tu ainda por aqui?

    - Perdão, titio, mas eu não vou. Não vou mais...

    - O quê??? Estás brincando comigo, cabra?

    - Não, titio. Com todo respeito, eu vou embora de casa...

    - Como assim? Isto aqui não está bom pra ti? Vais nos abandonar?

    - Quero estudar mais, tio...

    - Estudar pra quê? Já não terminaste teus estudos?

    - Terminei aqui, tio, mas tem mais. Lá em Goiás Velho posso estudar muito mais... progredir.

    - Vais ter, também, que conversar com seu pai...

    - Claro, tio. Vou lá agora mesmo.

    Meu pai não ficou nada feliz, mas eu já era um homenzinho, e firme na minha decisão.

    - Tu até podes ir, mas vais ter que te sustentar. Sabes que pra comer nós tem, mas pra luxo e capricho não...

    - Eu me viro, meu pai. E lhe agradeço se me deixar ir. Não estou abandonando ninguém. Nunca vou esquecer vocês. É que quero conhecer o mundo. Respeito, mas não gosto do que faço aqui...

    - Eu sabia que esses livros iam virar tua cabeça! Só pode ser isso.

    Foram suas derradeiras palavras

    Embora já falecida, juro que via mamãe apoiada no umbral da porta. Ali, chorosa, a tudo observava calada. Às vezes levantava furtivamente a ponta do avental de brim e passava no canto do olho ou sob o nariz.

    Retornei à casa dos tios para despedir-me. Eles tinham mais posse e me haviam acolhido como a um filho, quando da morte dela. Por isso, eu lhes era muito grato. Eram, também, mais evoluídos

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