Política Nacional para a População em Situação de Rua: Adesão e Desdobramentos no Contexto do Distrito Federal
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Política Nacional para a População em Situação de Rua - Fabrícia da Hora Pereira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este trabalho a todas as pessoas que constroem um mundo melhor e mais justo. Um mundo livre de opressões, preconceitos e todas as formas de violência. Àqueles que mesmo diante das adversidades seguem acreditando no que muitos pensam ser impossível.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela fé e coragem com que me conduziu em meio às minhas limitações e dificuldades.
Ao meu marido, Abisai Gonzalez, que me incentivou a levar adiante esta publicação e me ajuda a ser uma pessoa melhor todos os dias.
À minha orientadora, Maria Lúcia Lopes da Silva, pela riqueza da interlocução e pelo afeto compartilhado.
Aos meus pais, familiares e amigos de Candeias, que impulsionam meu crescimento.
À minha querida amiga e professora Elisabete Aparecida Pinto, com quem aprendi os valores éticos de respeito e solidariedade no trabalho.
À doce e amável Mariana Puridade, que segurou nas minhas mãos nos momentos mais difíceis quando eu realizei esta pesquisa.
Às companheiras da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Federal de Juiz de Fora, que inspiram meu caminhar.
Às minhas amigas do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, pela cumplicidade e pelo respeito.
Às minhas alunas e amigas da Universidade de Brasília, Universidade Paulista e Faculdade Evangélica de Brasília, que sempre estiveram ao meu lado.
PREFÁCIO
Prefaciar este primeiro livro de Fabrícia da Hora Pereira é um privilégio e uma alegria. Um privilégio porque se trata de uma publicação urgente e necessária ao país, que, pela densidade teórica, pelas análises e pelos argumentos sólidos contribuirá para uma melhor compreensão do fenômeno população em situação de rua, suas principais características, estimativas e circunstâncias peculiares no Distrito Federal. Além disso, de modo inédito, mostra a situação das políticas sociais destinadas a esse público, sob responsabilidade do Governo do Distrito Federal, a partir de 2013. No conjunto das contribuições da obra, destaca-se o seu potencial de favorecer o fortalecimento das lutas sociais em defesa de direitos e condições de vida, em padrão socialmente aceitável, para esse grupo populacional. É, pois, um privilégio imenso anunciá-la. Mas, como disse, é também uma alegria. Fui orientadora de Fabrícia durante o mestrado e acompanhei o seu empenho e compromisso para fazer nascer esta produção que ora chega às nossas mãos em forma de livro. Eu vi esta obra nascer sob cansaço, suor e lágrimas de uma estudante-trabalhadora competente e compromissada com a defesa dos direitos sociais e de uma sociedade libertária, e espero testemunhar o seu sucesso promissor. Isso, por si, já é motivo suficiente para minha alegria. Todavia esse sentimento se alarga por se tratar, indubitavelmente, de uma obra que tem possibilidades concretas de contribuir para a inibição desse fenômeno que se espraia no Brasil, em face do aprofundamento do desemprego e das desigualdades sociais. E assim tem lugar seguro, como instrumento, no campo de luta por um mundo melhor.
É preciso destacar que a relação de Fabrícia da Hora com esse grupo populacional não se iniciou nem se limitou aos dois anos em que realizou o seu curso de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Política Social (PPGPS), da Universidade de Brasília (2014-2015). Antes, como assistente social recém-formada, teve o seu primeiro trabalho com população em situação de rua, em Salvador, na Bahia, no programa Consultório de rua. Posteriormente, já em Brasília, como servidora pública concursada da Secretaria de Estado da Saúde do Governo do Distrito Federal, deu seguimento ao trabalho com esse grupo populacional, coincidentemente, a partir da versão atualizada do Programa Consultório de Rua, agora denominado, Consultório na Rua. Após a defesa da dissertação que originou este livro, a autora continuou trabalhando com esse público, na condição de assistente social do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Essa marcante relação profissional agregou argumentos contundentes e irrefutáveis, além de valor ético-político a esta obra, na crítica às frágeis políticas sociais destinadas à população em situação de rua no Distrito Federal, no período analisado (2013-2015).
A população em situação de rua é inerente ao capitalismo e constitui expressão máxima da exploração e desumanidade que esse modo de produção é capaz de criar e submeter os seres humanos. Expressa o lado mais sombrio da crescente pobreza exponencial, diante da colossal acumulação de riqueza – contradição motriz do capitalismo, revelada por Karl Marx em sua lei geral da acumulação, em O Capital.
Para explicar a origem e o desenvolvimento desse fenômeno, bem como sua natureza social, Fabrícia da Hora é direta, convicta e convincente:
[...] recorreu-se aos fundamentos marxianos, especialmente à chamada acumulação primitiva, bem como a outros trabalhos de autores contemporâneos, que utilizam fundamentos similares. Esses fundamentos ajudam na compreensão da vinculação desse fenômeno ao surgimento e desenvolvimento do capitalismo, não se tratando, portanto, de algo natural, mas de uma construção social (PEREIRA, 2019, p. 23).
Assim, a autora mostra que o surgimento do fenômeno está vinculado à chamada acumulação primitiva
, processo histórico em que, segundo Marx, desenvolveu-se a separação entre os produtores e os meios de produção, condição básica para que o capitalismo se estabelecesse como modo de produção.
Seguindo esse fio condutor, que concebe esse fenômeno como uma produção social, a autora reconhece a população em situação de rua como uma parcela expressiva da classe trabalhadora que forma o chamado exército industrial de reserva, essencial à realização da exploração que sustenta o capitalismo.
Uma análise profunda e consistente é feita acerca da origem e expansão desse fenômeno sob o capitalismo, suas características centrais, bem como sobre o perfil desse grupo populacional no Brasil e no Distrito Federal e as principais iniciativas governamentais de políticas sociais destinadas a essa população. No entanto o núcleo central da pesquisa realizada pela autora teve como ponto de partida o Decreto nº 7.053, de 23 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento.
Isso ocorreu porque, em sua opinião, esse Decreto é um marco fulcral na história da relação das políticas sociais brasileiras com a população em situação de rua.
Com isso, demarcou-se um novo momento acerca do debate sobre políticas públicas para essa população no país, pois, pela primeira vez, o Estado brasileiro reconheceu a importância de se enfrentar o fenômeno população em situação de rua, ao mesmo tempo que se garante à sociedade civil um mecanismo de fiscalização e controle das ações desenvolvidas por meio do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PEREIRA, 2019, p. 26-27).
O referido Decreto estabelece diretrizes para a adesão dos entes federados (estados, Distrito Federal e municípios) à Política Nacional para a População em Situação de Rua. A adesão do Governo do Distrito Federal a essa política ocorreu em 16 de abril de 2013 – por isso, esse é o primeiro ano pesquisado por Fabrícia da Hora.
O Distrito Federal foi o primeiro ente da Federação (da esfera para além de município) a realizar a adesão oficial a essa política e, assim, a se responsabilizar pela elaboração e execução de ações, programas e projetos direcionados a esse público (PEREIRA,2019, p. 29).
Diante disso, o propósito da autora foi investigar os desdobramentos da adesão do governo do Distrito Federal à Política Nacional para População em Situação de Rua. Nessa direção, fez um longo percurso investigativo, recorrendo a documentos oficiais, legislações, planos, programas e projetos do governo do Distrito Federal, consultas aos portais de órgãos oficias e consultas diretas às secretarias de governo procurando respostas sobre as políticas sociais implementadas, voltadas para esse grupo de pessoas, desde a adesão à política nacional. A autora buscou dados e informações sobre cinco eixos referentes às iniciativas governamentais: 1- os direitos previstos e implementados; 2- abrangência dos direitos; 3- ação intersetorial entre as políticas; 4- gestão e controle social; e 5- financiamento. As respostas não vieram facilmente, mas o percurso investigativo foi surpreendente e revelador de avanços e recuos. Achados inéditos expressam a importância da pesquisa, os quais são expostos ao longo desta obra, de modo crítico e instigante, mostrando sempre as contradições que os perpassam.
No Distrito Federal, o Ciamp Rua iniciou sua atividade em 2013, estendendo-se até 2014. Contudo no ano seguinte não houve continuidade das ações, o que representa um atraso na realização dos direitos das pessoas em situação de rua, pois isso elimina os espaços de participação da sociedade civil e impede que as lacunas existentes na elaboração e execução da política sejam publicizadas.
[...] foi possível identificar ter havido um aumento dos recursos previstos pelo Governo do Distrito Federal em 2012, 2013 e 2014 para serviços específicos da política de assistência social para população em situação de rua – o que está em consonância com o previsto no Decreto nº 7.053/2009. Contudo não foram encontradas informações que nos permitissem analisar a execução desses recursos.
É possível afirmar que no Distrito Federal há uma centralidade na política social de assistência social como responsável pela elaboração e execução de serviços à população em situação de rua. No entanto isso é incoerente, porque não leva em conta a relação entre as pessoas em situação de rua e os processos de exploração e precarização da vida social (PEREIRA, 2019, p. 165).
São essa sagacidade, lucidez teórica e esse senso crítico aguçado que tornam estimulante a leitura deste livro, que nos acrescenta em conhecimento e entusiasmo por novas descobertas, a cada página virada.
Tendo o Distrito Federal como território investigado, a autora mostra aspectos importantes da história da formação social e econômica e do processo de urbanização da maior cidade planejada do Brasil, os quais revelam verdades ocultas sob o manto do fascínio político, místico e arquitetônico de Brasília. Por um lado, explicitam que não apenas o sonho de D. Bosco impulsionou a transferência da capital do país para o planalto central, mas também a necessidade de expansão do capitalismo para essa região central do Brasil, pouco povoada naquele momento. Por outro lado, revelam que sob o céu de Brasília, traço do arquiteto
, como diz o poeta, nas entranhas desse mundo de arquitetura futurista, de museus modernos e largas avenidas e parques que exibem centenas de árvores frutíferas, há muito mais do que beleza, ar puro e arte. Há dor, fome, vidas que se arrastam em condições sub-humanas, sob o olhar indiferente dos governantes, que direcionam o fundo público fundamentalmente para atender aos interesses do grande capital, em detrimento da implementação de políticas sociais que possam reduzir as profundas desigualdades sociais que marcam a cidade de maior renda per capita e uma das mais modernas e belas do país: Brasília!
É por isso que vale a pena ler esta obra. Ela nos impulsiona a continuar a luta por uma sociedade igualitária, em que a emancipação humana se realize!
Brasília, 2019.
Maria Lucia Lopes da Silva
Mestre e doutora em Política Social pela Universidade de Brasilia (UnB), pós-doutorado em Planejamento e gestão de politica social e serviços sociais (Pianificazione e Gestione delle Politiche e Servizi Sociali
– PROGEST), nell´Università degli Studi di Milano – Bicocca, Milano, Itália.
APRESENTAÇÃO
A presente obra propõe analisar os desdobramentos da adesão do Governo do Distrito Federal à Política Nacional para a População em Situação de Rua. Dessa forma, o estudo perpassou o entendimento sobre esse fenômeno a partir da análise Marxiana sobre a acumulação primitiva e o pauperismo. Essa base analítica permitiu compreender que essa condição é resultado dos processos de exploração e precarização acometidos ao trabalhador e é inerente ao modo de produção capitalista. Nesse sentido, este livro traz o perfil da população em análise a partir do Censo da População em Situação de Rua do Distrito Federal (2010), além de destacar o contexto das mudanças ocorridas no capitalismo, em anos recentes. Foram consideradas as particularidades da formação sócio-histórica do Distrito Federal e