Moleque & Nhonhô: Uma história em preto e branco (a criança brasileira no período escravista)
()
About this ebook
Read more from Geraldo Pieroni
Boca maldita: Blasfêmias e sacrilégios em Portugal e no Brasil nos tempos da inquisição Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Olhar da Época: Imagem, comunicação e poder na Propaganda Fide Inquisitorial Rating: 0 out of 5 stars0 ratings
Related to Moleque & Nhonhô
Related ebooks
Horizonte Distante Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsSofia tem Muitas Histórias para Contar Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsFilhos do Cárcere Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Vida na Fronteira: Aventura de Camponeses Brasileiros na Terra Paraguaia Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMeninos Malabares: Retratos do trabalho infantil Rating: 3 out of 5 stars3/5A solidão da criança Rating: 5 out of 5 stars5/5Ana, Simplesmente Ana: a história da menina órfã que driblou os percalços da vida e superou as adversidades Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEducação e culturas infantis: Crianças pequenininhas brincando na creche Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Monólogo Do Bom Palhaço Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsJulia E Jose Luzes Na Eternidade Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsInvencionices De Pitucha Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsNem Tão Afim Do Mundo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsHierarquia nas relações étnico-raciais: cenários da educação infantil Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsRecanto Da Garotada De Guaianases São Paulo Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsPor Que A Cabeça Da Gente Não Para De Pensar? Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsTravessia: De banqueiro a companheiro Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsQuando ela desaparecer Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEmília no País da Gramática Rating: 5 out of 5 stars5/5Tempo Negro Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMeu Pé De Outono Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsViagem ao Céu Rating: 5 out of 5 stars5/5Lobo de óculos: trilogia onírica Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsWee Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAlusão Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsCrianças e adolescentes em situação de rua no Brasil: Táticas de sobrevivência e ocupação do espaço público urbano Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEducar filhos: Entre a renúncia e a urgência Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsFamília Dohoczki Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsO Colar De Contos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAztlán Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsUma História de Vida com Incursões nas Historiografias da Etnia Fulni-ô e do Município de Rodelas Rating: 0 out of 5 stars0 ratings
African History For You
Dicionário da Antiguidade africana Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAs Escrituras Sagradas Egípcias Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsOjúran: o Mistério Revelado Pelos Ancestrais Rating: 5 out of 5 stars5/5Geografia Ao Toque De Atabaques Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsCandomblé no Brasil: Resistência negra na diáspora africana Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMarrocos Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsTutankamon Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Guerra do Yom Kippur: O conflito israelo-árabe de 1973 Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAs mentiras do Ocidente Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsSacerdotisas voduns e rainhas do Rosário: Mulheres africanas e Inquisição em Minas Gerais (século XVIII) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMulher negra e ancestralidade Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsA Colonização,descolonização E Movimentos De Independência Da África. Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsDiálogos Makii de Francisco Alves de Souza: Manuscrito de uma congregação católica de africanos Mina, 1786 Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsFela Kuti: contracultura e (con)tradição na música popular africana Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsInquisição Desmistificada Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsFilhos De Cã, Filhos Do Cão Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsLivro didático de história, de qual África ele fala? Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEstatuto Da Igualdade Racial: Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsMarxismo Negro: A Criação da Tradição Radical Negra Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsApropriação Cultural Rating: 4 out of 5 stars4/5A Rainha De Sabá Rating: 5 out of 5 stars5/5A paz. Como Moçambique saiu da guerra Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsEspaço E Cultura Na Religiosidade Afro-brasileira Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsDiscurso Nacional e Etnicidade em África: O Caso da Guiné-Bissau (1959-1994) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsRelações de poder no Bailundo (1880-1930) Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsHistória Da África Negra Pré-colonial Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsAfricano: Uma introdução ao continente Rating: 0 out of 5 stars0 ratingsHistória & História Cultural Rating: 4 out of 5 stars4/5Batuque De Umbigada Rating: 0 out of 5 stars0 ratings
Reviews for Moleque & Nhonhô
0 ratings0 reviews
Book preview
Moleque & Nhonhô - Geraldo Pieroni
1.
UM RETRATO EM PRETO & BRANCO
Este é um livro sobre crianças negras e brancas. Mais negras que brancas. Uma história em preto & branco e todos os tons do café-com-leite que tem por símbolo o peito negro donde jorra leite branco, da mãe-de-leite negra que amamentou crianças negras e brancas. Essa é a história que queremos contar.
A ideia deste livro tem uma origem acadêmica e já bastante distante. O ponto de partida foi quando o historiador Geraldo Pieroni, então mestre, hoje doutor, procura seu amigo Márcio Vianna para reescrever a Dissertação de Mestrado em linguagem acessível para um público mais amplo. Dali surgiu nosso primeiro livro conjunto: Os degredados na colonização do Brasil¹. Passados alguns anos, a história se repetiu, e novamente Pieroni convida Vianna para a tarefa de escrever em linguagem acessível uma história sobre Moleque e Nhonhô, os nossos protagonistas. Mais tarde, somou-se a essa dupla mais um integrante, Alexandre Martins, que também participou da escrita de outros dois livros com Pieroni, Boca maldita² e O olhar da época³.
A missão foi realmente reescrever em linguagem compreensível para um público não necessariamente acadêmico. Acreditamos que o texto a seguir nos ajudará a melhor compreender as relações sociais dos nossos protagonistas nascidos em terras brasileiras: negros, brancos e mulatos de todos as matizes. São eles nhonhôs, moleques, sinhazinhas e mucamas.
Dois prováveis nhonhô e moleque podem ter sido nosso primeiro ensaio de dupla caipira: dois meninos da porteira
, um negro outro branco, no sertão e na beira do rio, cantarolando músicas que iam aprendendo da infância, talvez arriscando duas vozes, ensinadas pela mãe negra e/ou pela mãe branca... músicas que se tornaram folclóricas, socializadas entre a casa grande e a senzala.
Contaremos aqui um pouco sobre as crianças brasileiras da casa grande e da senzala⁴ de uma época pouco antes e também um pouco depois da libertação dos escravos: Nhonhô
é o filho das brancas das casas grandes, e Moleque
é o filho das negras das senzalas.
Imagem 1. Ama de leite no traje das amas brasileiras da segunda metade do século XIX
Fonte: Gilberto Freyre. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 1985.
Notas
1. Pieroni, Geraldo; Vianna, Márcio. Os degredados na colonização do Brasil. Brasília: Editora Thesaurus, 1999.
2. Pieroni, Geraldo; Sabeh, Luiz; Martins, Alexandre. Boca Maldita. Jundiaí: Paco Editorial, 2012.
3. Pieroni, Geraldo; Jurkevics, Vera; Buena, Wilma; Martins, Alexandre. Olhar da época. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
4. Freyre, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1987.
2.
MORRO VELHO
A letra da música Morro Velho⁵, do compositor e cantor Milton Nascimento, traz a realidade ao mesmo tempo do nhonhô e do moleque. Está ali descrito o cenário, estão ali personificados os protagonistas, está ali narrado, com primor poético, todo o roteiro também deste nosso livro!
Em Morro Velho temos três momentos bem distintos:
1. Nhonhô e moleque, crianças criadas juntas, muito juntas: Filho de branco e de preto correndo pela estrada atrás de passarinho, pela plantação adentro, crescendo os dois meninos sempre pequeninos. Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha; dá pro fundo ver.
⁶
2. Já crescidinhos, nhonhô vai estudar fora, vai se preparar para ser doutor. E moleque continua na fazenda, não mais criança, mas agora se tornando projeto de escravo adulto... Filho do senhor vai embora... Tempo de estudos na cidade grande, parte! Tem os olhos tristes deixando o companheiro na estação distante. Não se esqueça amigo eu vou voltar! Foi longe o trenzinho ao Deus dará.
⁷
3. Tempos depois, nhonhô volta doutor
. Moleque continua escravo. E a distância entre os dois, agora é um abismo: Quando volta, já é outro. Trouxe até sinhá mocinha para apresentar. Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá. Já tem nome de doutor e agora na fazenda é quem vai mandar. E seu velho camarada já não brinca mais: Trabalha!
⁸
O que temos aí? Ora, os meninos nascem próximos, tão próximos quanto à distância pouca da casa grande à senzala. Se no início da vida de ambos a separação social parece pouca, considerando que brincam juntos, se alimentam ao mesmo peito, convivem proximamente nos primeiros anos de molequices, a distância social aumentará cada vez mais. No início, amigos, companheiros; depois, escravo e patrão.
Em determinada idade, as diferenças aparecem abruptamente! Quando, ambos um pouco maiores, o moleque já é força de trabalho potencial ou real, e nhonhô já começa a participar de alguma forma da vida social e administrativa da fazenda, aprendendo a comandar o seu território.
Como visto na música, vai acontecer que nhonhôs geralmente viajam para a capital ou até para o exterior, para sua formação acadêmica e quando voltam, voltam outro: um doutor! agora na fazenda é quem vai mandar
.
Nhonhô volta e é o patrão. Moleque, que nunca saiu muito além dos domínios da fazenda, continua o mesmo, e agora é alguém longe, lá embaixo, reduzido à mera categoria de mercadoria, um ser em estado de submissão, e só trabalha, e é vigiado e punido pela força dos opressores. Diferentemente do nhonhô, ele é privado de liberdade, é aquele que foi forçado a essa condição.
Pensando mais adiante, o abismo é tão grande, que podemos imaginar que na verdade, tornaram-se dois tipos de humanos diferentes, um, o Nhonhô, é aquele que será considerado mais humano
. Quando ele sofrer, outros humanos terão empatia e sofrerão junto com ele. Já o moleque, em compensação, é outro tipo de humano. A humanidade dele é vista como de segunda linha, é relativizada