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Poeira Branca
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Poeira Branca

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Em 2008, cursando o último ano de jornalismo na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, me preparava para o temível Trabalho de Conclusão de Curso. Só sabia que abordaria algum assunto ligado ao Pantanal do MS. O destino tratou de me apresentar ao livro-reportagem O Gosto da Guerra , de José Hamilton Ribeiro. Na obra o repórter descreve todos os detalhes do episódio em que, tragicamente, perdeu uma perna após pisar em uma mina terrestre cobrindo a Guerra do Vietnã. Estava decidido qual seria o modelo e o tema. Só faltava todo o resto. Após pesquisa bibliográfica descobri que quase nada havia sido publicado sobre a vida dos peões de boiadeiro. Aproveitei que meus avós trabalhavam como capataz e cozinheira na fazenda Corixão (conhecida fazenda do Pantanal da Nhecolândia), para conseguir vaga em uma comitiva. Em meio a toda aquela poeira branca do Pantanal, comecei minha jornada. Não sei se era repórter que sabia cavalgar, ou se era peão que sabia escrever.
LanguagePortuguês
Release dateMay 25, 2022
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    Poeira Branca - Dener Dias

    1

    2

    Dados Internacionais de Catalogação na

    Publicação (CIP)

    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    3

    Mas que coisa é homem

    que há sob o nome

    uma geografia.

    Carlos Drummond de Andrade

    4

    A Deus.

    A senhora Dermalina (Dona Dê) e ao senhor

    Belarmino (Seu Belo), meus avós dos quais

    a ajuda foi fundamental para o sucesso

    dessa empreitada.

    Minha mãe e irmãos.

    A Marcindo, Clementindo, José, João,

    Guilherme, Junior,

    Divino e Panta, leais companheiros nessa

    aventura.

    Minha amada Amanda e meus filhos Pedro e

    Noah.

    5

    Sumário

    Antes do Primeiro Passo…..

    29 de Julho de 2008 - A Aventura Começa

    30 de Julho de 2008 - Cangaceiro do Pantanal 31 de Julho de 2008 - Desabafo do Divino

    01 de Agosto de 2008 - Fazenda Fantasma

    02 de Agosto de 2008 - Dor de Garganta e Febre 03 de Agosto de 2008 - De Volta à Rancharia

    04 de Agosto de 2008 - Mudança de Itinerário 05 de Agosto de 2008 - Algumas Horas de Folga 06 de Agosto de 2008 - O Burro Empacou

    07 de Agosto de 2008 - Gafanhotos Gigantes

    08 de Agosto de 2008 - Chuva e Raios

    09 de Agosto de 2008 - Caranguejeira nas Costas 10 de Agosto de 2008 - Pegadas de Onça

    11 de Agosto de 2008 - O Burro Sumiu

    12 de Agosto de 2008 - Perdidos Novamente

    13 de Agosto de 2008 - Abelhas, abelhas, Abelhas 14 de Agosto de 2008 - Matando Porco na Bala 15 de Agosto de 2008 - Proibidos de Passar

    16 de Agosto de 2008 - Polaqueiro Fica Para Morrer 17 de Agosto de 2008 - Oficialmente um culatreiro 18 de Agosto de 2008 - Sucuri no laço e juras de morte 19 de Agosto de 2008 - Devagar quase parando 20 de Agosto de 2008 - 1050

    O que vem depois?

    6

    Prefácio

    Há motivos extremamente relevantes para que eu tenha começado a escrever essa história em 2008 e terminado apenas em 2021. Com atenção, meu nobre leitor, espero que entenda o que quero dizer enquanto mergulha nas páginas desta obra.

    Poeira Branca não é apenas um livro de fatos, mas um livro de ensinamentos que pode mudar a sua vida, como mudou a minha.

    Em meados de 2008, cursando o último ano de jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, me via às voltas com o temível Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Até então a única conclusão a que chegava era que abordaria algum assunto ligado ao Pantanal do Mato Grosso do Sul, região que sempre atraiu minha atenção pela sua beleza, rusticidade e mistérios.

    Nessa época o destino tratou de me apresentar o livro-reportagem O Gosto da Guerra, escrito pelo jornalista José Hamilton Ribeiro durante a Guerra do Vietnam. Na obra ele descreve todos os detalhes do episódio em que, tragicamente, perdeu uma perna após pisar em uma mina terrestre enquanto percorria o longínquo país como correspondente da imprensa.

    Estava decidido qual seria o modelo do meu TCC, só faltava todo o

    resto.

    Após pesquisa bibliográfica descobri que quase nada havia sido publicado sobre a vida dos peões de boiadeiro. Aliás, muito pouco existe publicado sobre o homem pantaneiro. Então, aproveitei-me do fato de meus avós trabalharem como capataz e cozinheira na fazenda Corixão, para conseguir uma vaga em uma comitiva.

    Até hoje o Corixão é uma conhecida fazenda do Pantanal da Nhecolândia, vizinha de onde acontece regularmente um grande leilão de gado com o mesmo nome.

    Durante a longa jornada de 23 dias, em meio a toda aquela poeira branca pantaneira, agitada por tantos cascos, uma dúvida 7

    maior tomava minha imaginação. Seria eu um repórter que sabia cavalgar, ou um peão que sabia escrever?

    Agora o leitor já tem as informações necessárias para

    começar a nossa aventura e pular logo para o capítulo "A

    aventura começa". Mas, se quiser um pouco mais de informação

    monótona e aprofundada sobre a região e sobre o

    desenvolvimento desta obra, pode continuar a leitura desse

    prefácio.

    A Nhecolândia é uma das dez sub-regiões pantaneiras e abrange 23.574 Km². É mais do que toda a área de Israel.

    Características ecológicas e históricas foram determinantes na delimitação destas sub-regiões. No caso da Nhecolândia as características ecológicas ficam mesmo em segundo plano, ficando a divisão geográfica por conta da história. No passado toda a área chegou a pertencer a um só homem: Joaquim Eugênio Gomes da Silva, o Nheco. As terras foram repassadas a ele como herança de seu pai, o Barão de Vila Maria, que, temendo a Guerra do Paraguai, não usufruiu de suas posses. Somente em 1881, após o término da Guerra, o descendente do Barão deu início ao processo de ocupação pastoril de parte da sua grande propriedade.

    Ainda hoje, as famílias Barros e Gomes da Silva, descendentes da família de Nheco, detêm posse de porção considerável das terras da região.

    O lugar pode ser descrito como um misto de capões, ou porções de árvores, geralmente com galhos retorcidos e porte médio, típicas do bioma cerrado; campos de capim nativo (gramíneas rasteiras que, em parte do território, são as únicas resistentes às intempéries), baías (lagoas), vazantes (leito, geralmente rasos por onde corre a água proveniente das chuvas) e salinas (lagoas de água salgada).

    A população resume-se em cerca de 4.000 almas (levantamentos anteriores a 2008), resultando numa densidade 8

    demográfica de 0,18 habitantes por quilômetro quadrado, ou ainda, um habitante para cada 5,5 quilômetros quadrados.

    Por ali não existe cidade e, quase todas as estradas são, na verdade, os rastros deixados pelos poucos veículos que transitam, despindo a terra em duas faixas contínuas e paralelas conhecidas como bitolas. Por falta de uso, algumas se apagam, não sobrando vestígio algum do que um dia foi caminho.

    Camionetes e caminhões de pequeno porte são os únicos veículos que se aventuram por esses trechos. Suas carrocerias carregam muito lentamente o progresso e os mantimentos necessários para a subsistência das fazendas, porém são incapazes de trazer para a cidade a grande quantidade de animais provenientes da pecuária. Para isso os fazendeiros adotaram a estratégia de reunir um grupo grande destes animais e enviá-los em comitivas, tocados por peões em montarias até um local onde os caminhões conseguem acessar para levá-los ao abate ou para uma outra fazenda.

    Já tinha visitado quando criança, mas posso dizer que passei a conhecer o Pantanal por volta dos anos 2000, quando meus avós voltaram a viver e trabalhar na região. De lá para cá foram várias visitas, principalmente durante os períodos de férias escolares, quando eu costumava passar grandes temporadas.

    Nesses passeios tive de aprender algumas essencialidades do local, como, por exemplo, cavalgar.

    Em dezembro de 2007, enquanto passava férias, já imaginava que poderia encontrar ali um bom tema para o Projeto Experimental que deveria ser confeccionado no ano seguinte.

    Em fevereiro de 2008, após profunda análise bibliográfica do tema, me surpreendi por não encontrar qualquer documento que tratasse a realidade das comitivas de forma aprofundada.

    Resolvi imediatamente que este seria o tema do meu Projeto. Também decidi que o modelo de apresentação certamente seria impresso, levando em conta os pouquíssimos recursos que dispunha, sobretudo pela dificuldade que teria, por exemplo, se 9

    resolvesse adentrar a região carregando material de vídeo. Seria um livro-reportagem sobre comitiva.

    As aulas na faculdade terminaram em junho de 2008. O resto do ano letivo serviria para que cuidássemos exclusivamente dos nossos projetos experimentais.

    Fui para a fazenda Corixão no dia 26 de julho de 2008. Na bagagem, duas câmeras digitais baratas – uma estava com a lente suja pelo lado de dentro, descobri depois - pilhas e cadernos de anotações.

    No dia 28 chegou a notícia de que o responsável pelo Leilão do Corixão estava mandando comitivas "para baixo" , ou seja, descendo para o interior do Pantanal para buscar os animais que seriam negociados. Fui com meu avô até o recinto do leilão solicitar ao Pantaleão Flores, o Panta, dono do remate, uma autorização para que eu pudesse viajar em uma delas. Deu certo! No outro dia bem cedinho já estava partindo rumo ao desconhecido.

    Os textos a seguir são resultados das pesquisas bibliográficas somadas ao diário que escrevi durante a viagem, geralmente à noite, com ajuda de uma lanterna, deitado em minha rede. Há ainda experiências que tive antes e até muito tempo depois da viagem.

    Findada a obra acredito que consegui criar um produto nos moldes do que Edvaldo Pereira Lima chama, em Páginas Ampliadas, de livro-reportagem-retrato e descrito ali da seguinte forma:

    "Exerce o papel parecido, em princípio, ao do livro-perfil.

    Mas, ao contrário deste, não focaliza uma figura humana, mas sim uma região geográfica, um setor da sociedade, um segmento da atividade econômica, procurando traçar o retrato do objeto em questão. Visa elucidar, sobre tudo, seus mecanismos de funcionamento, seus problemas, sua complexidade. É marcado, na maioria das vezes, pelo interesse em prestar um serviço educativo, explicativo. Por isso trabalha a metalinguagem, na troca em miúdos de um campo específico do saber para o grande público não especializado" (...)

    10

    Por último, devo ressaltar, com tristeza, que não acredito na prosperidade de um conceito de levantamento de informações que exija tanto tempo dos repórteres, sobretudo em época de pós-consolidação dos on-line, o modelo mais apressado de todos.

    Entretanto, se eu já acreditava que lugar de jornalista é longe da redação, onde está a informação, agora, por experiência, posso afirmar que ainda não foi descoberta forma mais completa de se adquirir informações do que indo a campo. Que seja então, Poeira Branca, uma gota de paciência jornalística nesse mar de dinamismo.

    11

    29 de julho

    A Aventura Começa

    Nem mesmo o conforto aconchegante de um dos quartos da fazenda Corixão foi capaz de me proporcionar uma noite de descanso. O sono me fora roubado por nervosos pensamentos nos grandes desafios que iriam começar. Meus avós já estavam acordados tomando mate (chimarrão), sentados na varanda que rodeia quase toda a antiga casa de madeira. Faltava ainda algum tempo para o sol nascer, mas decidi que era melhor sair logo da cama. Não conseguiria mais dormir.

    Aproveitei para conferir, mais uma vez, minha bagagem e ver se não esquecia nada. Parece que não. Deixei tudo enfileirando no banco comprido da varanda da frente.

    Um dos peões que chegava do galpão para tomar café, ao ver as tralhas no banco, perguntou quem era o viajante da ocasião.

    — O Dener vai sair com a comitiva do Panta! — explicou meu avô com um tom orgulhoso na voz. Ouvir ele falar daquele jeito também me deixava orgulhoso, embora os peões da fazenda Corixão que chegavam para o café e descobriam a novidade ficavam com uma cara de: isso não vai dar certo.

    Minutos depois o antigo trator modelo Ford 6600 de cor azul parou bem em frente ao colchete que dava para a pista de aviação. Meu avô tinha ido buscar na garagem. Dei um forte abraço em dona Dê (Dermalina, minha avó) e um até amanhã!

    para os peões. É costume dizer até amanhã!, independente da quantidade de dias de ausência.

    Em seguida, carreguei as tralhas na carreta do trator.

    Ainda era noite e os fachos de luz do Fordinho rasgavam a escuridão em direção ao leilão, com seu Belo (Belarmino, meu avô) na direção.

    12

    O leilão do Corixão não é longe: fica a uns três quilômetros da sede da fazenda. Portanto a viagem foi breve. E pelo jeito chegamos muito cedo.

    Apenas dois homens tomavam mate ao lado de um pequeno fogão à lenha feito com uma armação de metal.

    Descobri depois que eles chamam isso de trempa. Sobre a armação havia uma chaleira com a água quente, usada para o mate; um bule de café e uma leiteira ( que presumi que tinha leite).

    — Chega pra cá! — um deles gritou acenando.

    — Bom Dia! Vim trazer o rapaz — explicou meu avô.

    — Vamos tomar um café! Chega pra cá! — insistia o homem para meu avô. — Menino, pegue suas tralhas e ache um lugar pra pendurar por aí! Depois venha tomar café também!

    Pelo jeito esse devia ser o chefe, pensava enquanto, desajeitado, tentava descarregar meus pertences segurando a lanterna.

    O acampamento estava montado sob grandes pés de sucupira e, ao redor, haviam muitas tralhas penduradas em varais improvisados com tiras de couro e tabocas que iam de uma árvore à outra. Achei um pequeno espaço vazio onde pude pendurar as minhas coisas, copiando a maneira como as outras tralhas estavam dispostas. Quando voltei para perto da fogueira meu avô já estava se despedindo.

    — Já vou indo. Tenho que tirar leite ainda. Até amanhã pra vocês! — Disse antes de me dar um abraço e se dirigir ao trator.

    Antes da partida ouvir o chefe dizendo:

    — Preocupa não, seu neto vai voltar um peão de boiadeiro!

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