Meu Súbito Destino
By Bella Moraes
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Meu Súbito Destino - Bella Moraes
Meu Súbito Destino
Bella Moraes
Meu Súbito Destino
São Paulo
Edição do Autor
2020
Copyright©2020 Bel a Moraes
Todos os direitos reservados à autora da obra.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização por escrito da autora.
Edição brasileira
Produção independente
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP-Brasil) Ficha catalográfica feita pela autora.
M827 Moraes, Bel a, 1983
Meu súbito destino / Bel a Moraes. - 1.ed. – São Paulo:
[s.n.], 2020.
407kb; DOC.
1. Romance - Brasil. 2. Ficção.
I. Título. II Moraes, Bel a
CDD: B869.3
CDU: 82-3
AGRADECIMENTOS
Ao meu marido, Rodnei Pires, e a minha querida amiga Fernanda Vieira, leitores beta desta obra que com suas críticas, percepções e incentivos me auxiliaram na realização desse projeto.
Capítulo 1
O Desconforto da Mudança
Cidade de Coraline, 1995
omo poderia pensar que um dia estaria de frente com um ser que acreditava ser apenas fruto da fé humana? Se alguém me dissesse que havia visto um, riria na cara do indivíduo e ainda Cfaria uma piadinha básica. Não que eu fosse descrente de tudo, mas em alguns aspectos poderia ser comparada a Tomé1.
Minha mãe, Helena Moura Zanatelli, costumava me contar histórias infantis onde o herói era sempre um príncipe encantado. Eu ficava pensando como e onde encontraria o meu quando crescesse. Então, cresci e percebi que príncipe
significava beleza, enquanto encantado
perfeição, o que no meu mundo real, as duas qualidades em um único ser era algo extremamente impossível. Eu sou uma boa prova disso, uma vez que beleza nunca foi meu forte, embora a feiura também não fosse. Eu me encaixo no meio termo. Enquanto a perfeição... bem, somente o homem das historinhas infantis conseguia ter.
Aquela cidade pequena me sufocava. Na escola eu era a carne fresca
, como costumavam chamar todos os novatos por ali. Tinha todas as atenções voltadas para mim, mesmo quando fazia o impossível para passar despercebida. Sempre tinha alguém que me notava e isso era constrangedor.
Minha mãe conseguiu um emprego na cidade de Coraline e nos mudamos para cá deixando para trás a cidade de Lamanhosa. Não era o que eu queria, mas só tínhamos uma à outra. Eu tinha 11
anos quando meu pai, Raul Zanatelli, se separou dela para morar com uma jovem em uma cidade que nem sei o nome. Não sei bem como aconteceu, mas desde então, não tivemos mais contato.
Não há nada neste lugar que me atraia. Parece que vivo em uma cabana no meio de uma floresta habitável. É estranho, mas dizem que a mudança gera certos conflitos internos, o que venho aprendendo desde quando meus olhos encontraram um belo par de olhos castanho-esverdeados.
Inexplicavelmente, todo meu corpo travou. Fiquei como uma estátua, totalmente paralisada, incapaz de mexer algo além de minhas pupilas que não sabiam em que parte daquele rosto escultural se fixar.
— Está tudo bem? Te machuquei?
Ouvi uma voz suave que literalmente era música aos meus ouvidos. Havia trombado no dono daquela voz e caído com livros e tudo no chão, como uma perfeita idiota que não presta atenção por onde anda.
— Aqui estão teus livros.
Escutei aquela voz me dizendo enquanto mãos fortes me levantavam e um frio inexplicável corria por dentro dos meus braços.
Depois de certo tempo, consegui sair do meu transe e segurar a pilha de livros a minha frente que me era oferecida e que ele, gentilmente, os tinha pegado do chão.
— Ah... Obrigada — disse com a voz cortada, quase inaudível enquanto pegava meus livros de volta.
E com um largo sorriso de dentes perfeitos e brancos, a imagem a minha frente me deu as costas e foi embora.
Ainda fiquei ali por um bom tempo, não sei exatamente quanto, mas o suficiente para me dar conta do quanto estava sendo ridícula parada no meio da escola, atrapalhando o infernal trânsito de alunos que tentavam me atropelar para chegar às suas respectivas aulas. Um garoto com cabelos lisos, loiros, jogados nos olhos, observava a cena de longe. Me senti constrangida.
1 Um dos 12 apóstolos de Jesus.
Então, comecei a caminhar para minha primeira aula naquela escola desconhecida, que não me parecia nem um pouco acolhedora, com todos os olhares em minha direção, fazendo com que me sentisse uma alienígena em terra estranha. Já era bastante difícil entrar em uma escola nova e, como se não bastasse, eu havia entrado um mês após o início das aulas e no meio da semana.
Entrei na sala com a cabeça baixa evitando o olhar de todos e sentei na última carteira encostada na parede, de forma que eu pudesse ter uma visão completa da sala e onde poucos conseguissem me ver. Me sentiria quase protegida ali se não fosse pelo fato de um garoto com cabelos negros encaracolados ter pegado uma cadeira para se sentar ao meu lado enquanto a aula não começava.
— Olá! Me chamo Márcio Vilage. Você é a Solange Zanatelli, certo?
— Certo. Mas prefiro ser chamada de Sol, se não se importa — respondi olhando para seus olhos anis que davam um contraste lindo com sua pele branca e lisa.
— Estávamos mesmo precisando de algum raio de sol neste lugar — ele comentou com um sorriso simpático que achei desnecessário junto com aquele xaveco barato. — Ei, foi só uma brincadeira. Você vai gostar daqui. A maioria do pessoal é legal.
Como explicar àquele estranho que tentava ser simpático que, o que eu realmente gosto é de ficar sozinha de preferência enfiada em meu quarto, com minhas músicas favoritas ou meus livros de suspense e ficção policial, longe desses olhares curiosos que me devoravam como se meu cabelo fosse cor de beterraba?
Algumas garotas e rapazes cochichavam algo ao meu respeito com um sorrisinho nos lábios.
Com certeza estavam me avaliando. Como sei que era de mim que falavam? O fato de não desgrudarem os olhos de mim é uma razão bem convincente.
O professor começou a aula e dei graças a Deus por isso. Não porque estava interessada em aprender sobre gramática ou coisa parecida, mas porque Márcio voltou para seu lugar me deixando mais à vontade em meu refúgio
provisório.
Não consegui me concentrar em uma única palavra que o professor de português dizia.
Minha mente insistia em pensar naqueles olhos castanho-esverdeados. Olhos claros chamavam muito minha atenção, mas aqueles me prenderam não só pela cor. Havia algo a mais neles.
O sinal tocou e a aula acabou sem que me lembrasse de nada que foi falado. Nenhuma das aulas seguintes foi captada pelo meu cérebro, pois minha mente já estava ocupada demais pensando no tal cara.
No refeitório, peguei a bandeja de lanches — que quase derrubei no caminho porque achei bem difícil carregá-la com apenas uma mão, já que na outra eu levava meus livros e cadernos — e me dirigi ao único lugar disponível numa mesa com quatro pessoas. Gostaria de um lugar mais reservado, mas como não tinha opção...
— Posso?
— Oi, Sol! Claro! — Márcio me recebeu muito gentil. Apresentou-me Fernanda, Fátima e Leila que me cumprimentaram amigavelmente. — E então, como está sendo teu primeiro dia de aula?
— Melhor impossível — respondi com sarcasmo.
Cada uma das meninas tinha algo atrativo. Fernanda tinha cabelos volumosos, negros e com cachos bem definidos que escorriam por suas costas. Sua pele negra destacava seus olhos castanho-claros dando harmonia ao seu belo rosto.
Fátima tinha olhos incrivelmente azuis e uma pele branca que parecia porcelana. Seus cabelos loiros eram lisos, na altura dos ombros.
Leila, por sua vez, tinha cabelos ruivos cacheados até a cintura e lindos olhos verdes-musgos que davam um tom todo angelical à sua pele branca.
Não pude deixar de me comparar. Meus cabelos castanhos escuros lisos e cacheados ao mesmo tempo nada tinham de especial. E no que olhos castanhos levemente puxados poderiam ser atrativos?
Um pouco triste por me sentir o próprio patinho feio no meio de tantos cisnes, abaixei a cabeça para meu sanduíche de atum com alface e tomate e procurei deixar minha boca bem cheia
para não ter que participar da conversa, embora alguém sempre insistisse em me perguntar algo, que eu insistia em responder com um hum-hum
, um aceno de cabeça ou com um leve sorrisinho no canto da boca cheia.
Terminei rapidamente e pedindo licença, saí da mesa sabendo que, as minhas costas, quem ficou estava comentando como eu era esquisita e fechada. Isso não devia me incomodar tanto, já que era um fato muito normal em minha vida que as pessoas discutissem sobre meu estranho comportamento.
Cresci me perguntando se o que havia de errado era algo em mim ou nos que me cercavam e, com o tempo, me dei conta que o algo errado
estava em mim, uma vez que não me encaixava em lugar algum. Minha timidez, seguida do meu jeito desastrado, era um conjunto perfeito para situações embaraçosas em que vivia me metendo.
Fui para casa andando naquele dia porque não queria correr o risco de encontrar mais ninguém daquela escola e porque seria bom caminhar para refrescar minha mente depois do acontecimento com aquele cara que ainda permanecia quente em minha cabeça.
Ao chegar em casa fui direto para o cubículo aconchegante e acolhedor que era meu quarto.
Liguei o rádio que fica ao lado da mesinha de cabeceira num volume baixo e deitei na cama com os olhos voltados para o teto. Assim que os fechei, imediatamente aquele castanho-esverdeado surgiu em minha memória acompanhado de um belo sorriso. Será que príncipes encantados existiam?
Como naquele fim de mundo florestal podia existir um rosto que parecia ter sido esculpido por anjos? Tinha a pele perfeita, cor de jambo, que contrastava com os cabelos cacheados loiro-queimados perfeitos, embora muito diferentes.
Logo, a imagem daquele lindo rosto se alterou dando lugar a um lago, e me vi no meio de suas águas muito frias, quase congelantes, que me sugavam para baixo. A sensação gélida era como facas entrando em meu corpo, causando-me dor e desespero. Eu gritava e ninguém me ouvia.
Estava me afogando e não tinha ninguém que pudesse me salvar. Desesperada eu batia braços e pernas tentando dar impulso para cima, mas não saia do lugar. Meus membros foram ficando pesados, difíceis de controlar. Iria morrer sozinha no meio do nada, suplicando uma ajuda que não viria. Prendi minha respiração até onde consegui e, quando não suportei mais, deixei que a água entrasse por minhas narinas, indo direto aos meus pulmões. Senti todo meu peito queimar enquanto a água adentrava por ele e o desespero me batia, junto com uma dor terrível.
Quando a escuridão ia me tomando, vi uma mão se materializar na minha frente. A agarrei com desespero usando as poucas forças que me restavam e, no mesmo instante, acordei toda molhada como se realmente estivesse estado debaixo de um lago. Olhei em volta e tudo estava escuro. Já havia anoitecido e a brisa da noite adentrava pela janela balançando os galhos da árvore que crescia ali perto. Que alívio! Foi só um pesadelo. Havia dormido a tarde toda.
Tomei um banho e desci para jantar com minha mãe que já tinha chegado do trabalho.
— Olá, querida! Como foi na escola nova?
— Bem.
— Ao menos não foi ruim.
— É, não foi... — Tentei esconder como desejava estar em minha antiga escola.
— Coma, você deve estar com fome. Não quis te acordar. Achei que você merecia descansar depois de ter enfrentado toda esta mudança.
— Acho que estava precisando mesmo.
— Tenha calma, querida, e tudo vai se ajeitar. Sei que não está sendo fácil para você, mas com o tempo as coisas ficam mais fáceis.
Minha mãe tinha algo que eu considerava extremamente importante para a vitória no dia a dia e que, lamentavelmente, me faltava: confiança. Em tudo ela via esperança e acreditava piamente que as coisas poderiam sempre mudar para melhor. Isso era incrível nela. E eu era totalmente o oposto... E lamentava por isso.
Após o jantar, fui para meu quarto tentar dormir, mas os tais olhos incomuns não saíam da minha cabeça. Peguei um livro. Quem sabe a leitura não me despertasse o sono? Despertou-me
outra coisa: raiva por não conseguir me concentrar na leitura. Depois de ficar horas com a cabeça cheia do tal cara, enfim adormeci.
Capítulo 2
Um Brilho Vermelho
cordei no dia seguinte e, sem ânimo, me preparei para a aula. Minha mãe já havia saído quando entrei na cozinha para tomar um copo de suco de laranja com um pedaço de bolo Ade chocolate que ela tinha deixado na mesa. Através da janela vi o dia nublado e melancólico. Logo imaginei como meu dia seria ótimo.
Havia sete pessoas no ponto de ônibus. Felizmente, nenhuma conhecida. Não estava com vontade de escutar ninguém tagarelando no meu ouvido a caminho da escola.
Fui olhando a paisagem pela janela e lembrando como era bom ir para escola com meus antigos amigos, na minha antiga cidade... E me senti triste por estar ali. A mudança sempre me incomodou. Minha natureza calma e cômoda detesta lidar com novos desafios.
Mas, enfim, ali estava eu, dentro de um ônibus cheio de estudantes sorridentes, numa manhã fria, num lugar que eu não considerava legal, indo para uma escola onde eu era a atração do momento, numa cidade chata e sem graça.
Ao descer, logo avistei Márcio encostado no muro de entrada vendo quem descia do ônibus.
Pedi a Deus para que ele não me visse, mas parece que Deus estava ocupado neste momento e não ouviu meu pedido porque Márcio veio correndo ao meu encontro com a mochila balançando nas costas assim que me avistou.
— Oi, Sol! E ai, muito frio?
— É... um pouco.
— Qual é