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Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos
Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos
Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos
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Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos

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Antologia de contos do Projeto Pensamentos Soltos.
LanguagePortuguês
Release dateFeb 3, 2022
Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos

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    Quarentena Literária - Contos, Crônicas E Poesia, Em Tempos De Caos E Pandemia - Volume 1 - Contos - Robson Felix De Almeida

    CONTOS

    O novo normal

    Carlos saiu de casa todo paramentado de o novo normal: máscara cobrindo o nariz e a boca, luvas cobrindo as mãos e álcool em gel no bolso de trás de suas calças.

    Do outro lado da calçada um homem mal-ajambrado caminha em sua direção e o aborda:

    – O senhor poderia me dar uma informação, por favor...

    – Desculpa, mas eu estou com pressa.

    – Se liga... vou te dar um papo... a casa caiu, informação é o caralho... isso aqui é um assalto... passa logo toda a grana, mané!

    – Um assalto? Como assim?

    – Passa tudo logo, mermão...

    – Estou sem dinheiro, desculpa... e a propósito: onde está sua arma?

    – Arma é o caralho, rapá... eu tô com Covid-19... se eu te der um escarradão na fuça tu vai ver só o que é bom pra tosse... tu vai direto pra vala, seu otário!

    – PeloAmordeDeus, tudo menos isso... é que eu estou sem grana mesmo, foi mal aí, meu amigo...

    – Então me passa o teu cartão de crédito – disse o assaltante já puxando uma maquininha...

    – Eu não tenho isso, não... seu moço. Eu estou negativado no SPC, no SERASA, no banco... minha conta está bloqueada, fui demitido da empresa em que eu trabalhava por causa dessa merda de pandemia... meu pedido do auxílio emergencial foi negado... estou na maior pindaíba, ouviu?

    – Porra tu tá pior do que eu, tá ligado? Pelo menos o meu auxílio emergencial caiu... então faz o seguinte, cumpádi... deposita pelo menos uns cem contos direto na conta da firma, através do pix, pra nós comprá uns créditos pro celular dos irmão lá da cadeia... e sem caô que eu sei onde tu mora, hein?!

    – Tudo bem, isso eu posso fazer... peço emprestado a algum amigo e deposito amanhã mesmo, sem falta, me passa o pix...

    – Pega lá no saite da firma, mais velho...

    – Firma? Site?

    – Qual foi, meu irmão... tu tá surdo ou o quê? tá me tirano, mané?

    – Não estou, não... só não havia entendido direito... me passa o site, então...

    – Anotaê: dábliu, dábliu, dábliu, ponto: O NOVO NORMAL É NÓS, ponto com, ponto beérre... tudo junto e sem acento, valeu? Ah, e não esquece de nos seguir nas redes sociais também e de ativar o sininho pra tu ser avisado quando tiver conteúdo novo... só não me enrola não, cumpadi, que amanhã eu broto aqui pra pegar o comprovante, tá ligado? – ameaçou e saiu andando, sem olhar para trás.

    Carlos ficou paralisado por alguns instantes, atordoado com o chamado novo normal, preconizado para um mundo pós-pandemia.

    Será que é uma pegadinha em quem estava furando a quarentena?

    Carlos se sentou na calçada e desabafou, gritando para o alto:

    Putaqueopariu... era só o que me faltava!

    Santo Antônio

    Fazia algum tempo que Sheela não beijava ninguém.

    E ela se ressentia disto.

    Desde que se separou, no meio do ano passado, encastelou-se em si mesma.

    E logo depois veio a pandemia do novo coronavírus.

    No começo, até que foi terapêutico aquele período de quarentena.

    Um resguardo para ela recuperar plenamente sua capacidade de amar.

    Agora, com a flexibilização das medidas de distanciamento social em sua cidade, Sheela se sentia ansiosa para amar de novo.

    Aos quarenta e poucos anos, ela já não acreditava mais em príncipe encantado montado em um cavalo branco.

    A verdade é que ela já não tinha mais tanto desejo sexual, como antigamente.

    Sheela só queria uma companhia para rir um pouco, comer um frango a passarinha, num boteco qualquer, acompanhado de uma cerveja bem geladinha... e para beijar muito.

    Era de beijar que Sheela mais sentia saudades.

    Beijo este que daqui a pouco seria catalogado pela Organização Mundial de Saúde como o mais arriscado vetor de contágio de uma variante qualquer, batizada de uma letra grega.

    Ela já não duvidava mais de nada.

    Os roteiristas dos últimos dois anos, segundo ela, tomaram LSD e até agora não voltaram, criando desde uma pandemia, passando por nuvens de gafanhotos e neve em São Paulo.

    Pensando em tudo isso ela não teve mais dúvidas e aprisionou o pobre do Santo Antônio, de cabeça para baixo, em seu freezer, até que encontrasse uma boca para poder beijá-la novamente.

    E de preferência sem máscara.

    Isso sim era um verdadeiro milagre.

    Positividade Tóxica

    Aurora zapeava pelas redes sociais com um misto de inveja e tristeza.

    Será que só ela estava deprimida durante aquela longa e entediante quarentena?

    Suas amigas, discípulas de Aline Cortado – a diva do Show de Truman, a musa da pandemia, a que faz de tudo um pouco dentro de casa –, pareciam disputar o título de pessoa mais animada do isolamento social.

    E a tal da Aline ainda tinha a pachorra de transmitir tudo ao vivo e em cores para o mundo: de yoga a pilates, passando pela preparação de pães de banana e sushis.

    E ela ainda arrumava tempo para fazer lives com astrólogos, filósofos e psicólogos, tão famosos e hiperativos quanto ela.

    Ah, e a super Aline também vendia conjuntinhos ‘mara’, perfeitos para malhar no conforto do lar, como uma verdadeira ‘diva pandêmica’.

    A mulher não para, concluiu Aurora, de forma retórica.

    O que ela não sabia era o porquê de ainda seguir aquelas pessoas (super)animadas e energizadas. Logo ela que sempre odiou aqueles recreadores, também conhecidos como Gentis Organizadores, ou GO's (ao menos eles eram assim chamados em sua época) de resorts e hotéis fazenda carérrimos, que acordam seus hóspedes ainda de madrugada para atividades supostamente esportivas tão divertidas e saudáveis quanto idiotas.

    Não fosse pelas crianças.

    Ah, e ainda tinham as crianças...

    Três, no total.

    Não havia maratona maior do que cuidar de todos aqueles capetinhas.

    Aurora estava a ponto de explodir durante aquele longo e tedioso confinamento, que estava mais para um ano (nada) sabático.

    Seu único desejo era dormir até que o mundo explodisse ou todo aquele pesadelo passasse dali a mais ou menos um ano e meio a dois, segundo as previsões mais otimistas dos infectologistas da Organização Mundial da Saúde.

    Mas, por mais que desejasse, ela não poderia fazer isso.

    Aurora precisava seguir em frente e cuidar para que tudo continuasse na mais perfeita (des)ordem, em sua casa.

    Ah, mas que tédio...

    Seu único prazer neste momento estranho do mundo era comer.

    Aurora engordava a olhos vistos.

    Seu casamento estava por um fio.

    Um lockdown constante, desde (bem) antes da quarentena.

    E sem previsão de (re)abertura.

    Mas ela não queria pensar nisso agora.

    Era melhor voltar pro Insta da Aline Cortado.

    Coque Alto

    Ela enrolou seus cabelos negros em um coque alto e olhou bem no fundo dos meus olhos:

    O que você quer de mim, afinal?.

    Eu queria tudo, mas não podia falar nada.

    Ao menos não assim... de supetão.

    Eu não queria assustá-la.

    Decidi por um recuo estratégico:

    Como assim?, perguntei de forma retórica.

    Ela voltou a atacar:

    "Você é algum tipo de serial killer, ou o quê? Eu vejo você me olhando o tempo todo na escola. Vejo, não... sinto".

    Sim, isso era verdade.

    Eu a ‘secava’ mesmo... e muito.

    Ela sentava-se bem na minha frente. E eu que nunca desconfiei que ela sentisse meu olhar persistente.

    Mas, era fato que eu ainda ficava admirado com cada fio de seu cabelo, envolto displicentemente numa sortuda caneta bic azul, e com seu pescoço alongado como de uma bailarina.

    Eu ficava hipnotizado com sua pele alva como o dia contrastando com os cabelos negros e longos, tão brilhantes quanto asas de um auspicioso corvo.

    Sua confessa consciência e sensibilidade corporal aumentaram o meu interesse.

    Se ela me desse um fora, eu simplesmente mudaria de musa.

    Claro que não sem sofrimento.

    Afinal, sou um romântico inveterado. Ou quem sabe um voyeur (confesso que até hoje eu ainda não me decidi entre quais desses dois tipos de desvio de caráter me define melhor).

    Resolvi ser direto e reto:

    Isso eu não posso negar, eu realmente te olho muito. Seu pescoço... tem algo nele que me dá certa nostalgia de um futuro distante, sabe assim?

    Não, não sei não, me explica melhor..., disse ela.

    Sinto saudades do que eu ainda não vivi, tentei ser poético.

    Como assim? Algum tipo de déjà-vu futurista?

    Não, não... está mais para um efeito borboleta, ou coisa assim, algum tipo de viagem no tempo.

    Eu bem gosto destes assuntos, fala mais...

    "Você já assistiu Dark, na #NETFLIX? É tipo isso."

    Não assisti, não... é legal?

    Quer ver comigo, lá em casa?

    ***

    E foi assim que tudo começou.

    E ficamos casados por mais de 25 anos.

    Ainda estaríamos.

    Não fosse pelo confinamento forçado pelo novo coronavírus durante o estranho ano de 2020 que além de muita gente, matou também todo o romantismo do mundo.

    Aurora

    Aurora era uma mulher triste e solitária.

    Ainda mais agora, em tempos de pandemia.

    Por causa de sua carência tornou-se compulsiva pelas redes sociais.

    Perdia-se, por horas a fio, nos mais diversos aplicativos disponíveis, vilipendiada por produtores de conteúdo, tão glamorosos quanto irresponsáveis, que propagam uma realidade totalmente fantasiosa.

    Aurora desejava ter uma vida tão feliz quanto a daquelas pessoas plastificadas que ela via na tela de seu celular.

    Mas, sua vida era dura.

    A realidade, que Aurora desconhecia, era que ninguém poderia ser feliz o tempo todo.

    O que ela via, refletido em seu aparelho móvel, era a mais pura ficção, puro delírio de um comportamento deliberadamente idealizado e romantizado.

    Por desconhecer a verdade Aurora sofria.

    E muito.

    Ela desejava estar em um daqueles eventos maravilhosos, viver aquelas vidas perfeitas, ter um daqueles relacionamentos sem máculas ou ressentimentos que espocavam diante dela a cada nanosegundo.

    Mas, qual nada.

    Não havia ninguém naquele lugar de total júbilo e eterna perfeição idealizada.

    Mas, aurora nem desconfiava disso.

    E por desconhecer a verdade ela sofria.

    Só a realidade poderia libertá-la de seu mundo de fantasia.

    O que ninguém sabia ao certo era se ela suportaria a dura e cruel realidade da vida bruta.

    Talvez fosse melhor para ela continuar vendo a vida pela janela de seu pequeno aparelho de celular.

    A verdade não era mesmo algo fácil suportar.

    Eclipse Solar

    Ele olhou para o céu, que já começava a escurecer, e observou a lua cobrir lentamente o sol.

    Sentiu um frio n’alma e lembrou-se, sem querer, de seu primeiro amor.

    Infantil, inocente, puro, como deve ser a descoberta deste nobre sentimento na primeira infância de qualquer pessoa.

    Talvez tivesse algo em torno de quatro ou seis anos quando ele apaixonou-se pela primeira vez.

    Obviamente não era nada além de uma curiosidade infantil pelo sexo oposto, porém ele intuiu que fora aquela emoção inocente a responsável pela catástrofe de toda sua vida afetiva.

    Lembrou-se, vagamente, da tal menina de ascendência oriental.

    Lembrou-se também do primeiro beijo que dera em seu rosto, em pleno recreio.

    Naquela época, foi o que bastou para motivá-lo a pedi-la em namoro.

    Estranhamente, voltou à sua memória toda a cronologia de seu trauma amoroso.

    No dia seguinte ao romântico beijo ele acordou cedo, pediu à sua mãe para fazer um lanche extra, tomou um banho frio, arrumou sua cama e engomou-se todo para seu grande momento de sua curta vida.

    E seguiu para o colégio mantendo em alta a coragem necessária para revelar à menina oriental seu desejo de selar um compromisso mais sério.

    Porém, ela não foi à aula.

    Nem naquele dia e nem naquela semana.

    Nem mesmo nas semanas seguintes.

    Nem mesmo nos meses que se seguiram.

    Nem naquele ano.

    A menina oriental jamais apareceu novamente no colégio.

    Jamais ele voltou a vê-la, outra vez.

    E ele caiu na mais profunda depressão.

    A primeira de uma série de muitas outras que o perseguiriam ao longo de toda a sua vida.

    Os sintomas eram muitos: febre alta, apatia, falta de apetite, tristeza... chegando ao ponto de preocupar seriamente a sua mãe.

    Ele acendeu um cigarro no escuro de seu quarto, cinquenta anos depois de sua rejeição original, e deu o braço a torcer à Freud: a infância era mesmo a origem de todos os traumas humanos.

    Era essa a revelação que o eclipse solar fez questão de lhe mostrar: a causa primária da sua instabilidade emocional foi aquele beijo.

    A origem de todo o seu drama de rejeição fora um simplório amor infantil e inocente.

    Nesta hora uma lágrima gorda caiu de seus olhos.

    E, ao abraçar sua criança interior, curou-se completamente de sua ferida narcísica.

    Quase ao mesmo tempo, observada por Quíron, a lua ofuscava todo o brilho do sol.

    Loucura total

    Sofia gritava e chutava, enquanto colocavam nela uma camisa de força.

    Eu nunca desconfiei que ela fosse louca ou coisa parecida.

    Muito pelo contrário.

    Eu a achava inteligente demais, acima da maioria das pessoas com quem convivi em toda a minha vida.

    Muito mais inteligente do que eu, inclusive.

    E apesar do ocorrido, estranhamente, eu ainda acredito nisso.

    Ela era a comprovação de que a loucura era mesmo o mais elevado degrau da inteligência.

    Ela me encantava em todos os níveis.

    Francesa de nascimento e carioca por opção, ela era muito mais sociável do que eu jamais conseguiria ser.

    Sofia sabia viver.

    E até tentou me ensinar.

    Nunca presenciei qualquer sinal de surto ou coisa que o valha.

    Embora, na época, eu precisava me concentrar muito para que eu mesmo não surtasse.

    Sempre tive muito medo de perder o (tênue) fio que me segura à realidade, sob pena de cometer erros fatais, que me marcariam por toda a eternidade.

    Como no caso dela. 

    Sofia, até então uma pessoa (mais ou menos) equilibrada, agrediu um homem por quem ela estava muito apaixonada (ou imaginou que estava), logo no início da pandemia.

    O pobre homem nunca desconfiou da paixão de Sofia por ele.

    O amor dela era imaginário.

    Ou de vidas passadas, quem vai saber?

    Quem saberá a diferença das muitas versões de nós mesmos dentro do infinito multiverso?

    Acho que Sofia tinha algum tipo de permissão espiritual especial para atravessar portais, dimensões, ou mundos paralelos.

    Sofia era mesmo alguém muito especial.

    Um ser raro, em um mundo vulgar.

    O pobre alvo de Sofia era um inocente garçom de um bar em Santa Teresa,

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