O país dos óculos escuros: não use óculos escuros quando quiser, de fato, enxergar o seu próprio país
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A pretensa tese da "inviabilidade congênita brasileira", além de perniciosa, é contagiosa e muito conveniente para aqueles que não têm interesse em mudanças nem em colocar a ética e as boas práticas a serviço da sociedade como um todo, o que eventualmente poderia colidir com seus próprios interesses.
Há ainda os que se manifestam, alardeando detestar a política e os políticos, mas que nada fazem que possa ser considerado como contributivo à sociedade. Como resultado de tudo isso, o que se vê é um enorme contingente de pessoas infantilizadas, acomodadas e aquelas que se aproveitam exatamente dessa omissão e da falta de consciência reinantes, para tirarem algum tipo de vantagem.
E assim, por detrás dos incontáveis e sempre convenientes óculos escuros, sejam eles piratas ou de grife, muitos brasileiros, independentemente de sua condição social, cultural e econômica, se escondem, não mostram seus rostos e ocultam suas próprias omissões, certamente para não ter de encarar o desafio da responsabilidade na construção do seu próprio país.
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O país dos óculos escuros - Julio del Rio
A TERRA DAS PESSOAS ESPAÇOSAS
O homem superior pensa sempre na virtude; o homem vulgar, apenas na sua comodidade.
Confúcio
Provavelmente, uma das características marcantes de boa parte dos brasileiros. Ser espaçoso
, neste contexto, representa não perceber ou não respeitar o espaço do seu semelhante. Isto acontece, por exemplo, quando alguém para seu carro no meio da rua para conversar sem se importar com quem vem atrás. Ou ainda quando alguém anda devagar com mais duas ou três pessoas de mãos dadas numa calçada estreita, inviabilizando a passagem de quem vem detrás; quem estiver com um pouco mais de pressa, será obrigado a atravessar a rua. Ou quando alguém te pede uma informação sem sequer dizer antes, um simples por favor
, ou apenas um mínimo com licença
. Sem contar a tradicional furada de fila
.
Ao percorrer outros países, seja como turista ou a trabalho, não é difícil perceber que existem outras formas de convivência mais sadias e indutoras do crescimento pessoal para quem se propõe a viver em sociedade, onde o coletivo deve ser prioritário e o respeito ao outro e à coisa alheia, princípios básicos.
Além desse comportamento aparentemente inofensivo, temos também que conviver com o tradicional "rouba, mas faz", recorrente e aceito, infelizmente, por várias gerações em nosso país. Talvez por isso, muitos políticos comprovadamente corruptos ainda sejam reeleitos.
Sem precisar recorrer a explicações sociológicas ou antropológicas, ambos parecem remeter não só a uma ausência de entendimento (ou de rejeição) do conceito básico de vida em comunidade bem como a uma aceitação tácita de que, se você tem algum tipo de poder, seja político, financeiro ou físico, os outros devem de alguma forma, submeter-se naturalmente a esse poder.
Por outro lado, ao aceitar, ainda que tacitamente, o "rouba, mas faz", o brasileiro acaba gerando não só uma zona própria de conforto como também uma desculpa para a sua alienação, onde não precisa se preocupar com a vida em sociedade. De quebra, ainda proporciona uma boa justificativa social, caso o próprio venha a ser flagrado como ator desse mesmo comportamento.
Pesquisa publicada na revista de ciência "Scientific American" confirmou, infelizmente, outro aspecto comportamental brasileiro, de certa forma previsível. Foi perguntado à parte da população de 30 países o grau de confiança que tinham em relação aos seus conterrâneos. O norueguês despontou como o povo que mais confia no seu compatriota e o brasileiro, o que menos confia.
Os pesquisadores também começaram a investigar por que a confiança entre as pessoas varia dramaticamente de país para país. Como parte desse estudo, construiu-se um modelo matemático que descreve os tipos de ambientes socioeconômicos e legais que produzem níveis de confiança altos e baixos.
Durante o estudo, os pesquisadores conseguiram correlacionar o fator nível de confiança aos fatores indicativos da riqueza de um país.
Nações com baixo nível de confiança tendiam à pobreza, uma vez que acabavam por se dedicar a um número muito restrito de investimentos em longo prazo, aqueles que usualmente criam empregos, renda e salários. É um trabalho antigo, de 2008.
Mas, de lá para cá, provavelmente nada mudou.
Também em decorrência direta desse baixo nível de confiança, temos até hoje uma burocracia estatal agigantada, que todos detestam, mas que permanece tão forte como antes.
Ora, não é necessário ser sociólogo para saber que as consequências desses comportamentos recorrentes na vida política, social e econômica de qualquer país, são extremamente nocivas.
Entretanto, a existência desses comportamentos, ao invés de ser percebida como um aspecto acidental ou de características imutáveis do povo brasileiro, deveria ser considerada como fruto resultante de crenças, valores e práticas que necessitam serem revistas e trabalhadas, em especial, o conceito de sociedade e de nação, a empatia, o respeito ao próximo e a honestidade nas relações interpessoais.
Como é sabido, um dos principais requisitos para o verdadeiro desenvolvimento econômico e social, é o desenvolvimento humano.
Apesar disso, essas constatações e outras de natureza intangível, não recebem a atenção de nossos governos e políticos, ao passo que propagandas milionárias são feitas para ressaltar obras governamentais e outros feitos de curto prazo, considerados tangíveis pelos governantes e geradores de votos.
A questão dos valores, das crenças, das atitudes, da conscientização sobre a vida em comunidade e de seus respectivos impactos no processo de desenvolvimento de um país, parece não ter vez em nossos governos. Já tivemos até um presidente sociólogo.
Mesmo assim, nada de importante foi feito nesse sentido.
O NEGÓCIO É FAZER PARTE DE UM GRUPO DE PRIVILÉGIOS
Dizem que não existe almoço grátis; existe sim, só que para alguns.
Julio del Rio
Subir na vida através de algum tipo de privilégio parece ser uma expectativa comum e profundamente enraizada no país chamado Brasil.
Mesmo sem querer ficar preso ao passado, sabemos que essas raízes, dentre outras, estão relacionadas à vinda da família real portuguesa em 1808, com o séquito, segundo os historiadores, de aproximadamente 5.000 pessoas.
É natural deduzir que essas 5.000 representavam a corte, ou seja, não eram pessoas que trabalhavam e se sustentavam através da via produtiva com ofícios profissionais definidos, mas sim aquelas que viviam da troca de favores junto à realeza, essa mesma realeza que considerava o trabalho como coisa para escravos.
Muitos se surpreendem com a burocracia e os privilégios existentes na vida pública brasileira, esquecendo-se das suas origens. Além de 1808, é só visitar a história brasileira para encontrar o empreendedor Irineu Evangelista sendo censurado pelo nosso imperador D. Pedro II, por inovar e empreender no Brasil, bem como as senhorinhas
que não queriam ter o trabalho nem