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Os desafios da pandemia à produção científica em Ciências do Movimento Humano
Os desafios da pandemia à produção científica em Ciências do Movimento Humano
Os desafios da pandemia à produção científica em Ciências do Movimento Humano
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Os desafios da pandemia à produção científica em Ciências do Movimento Humano

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O volume 1 da coleção "A pesquisa científica e seus desafios nas Ciências do Movimento Humano" focaliza o impacto da pandemia de covid-19 sobre a vida pessoal e profissional de pais, mães e filhos/as que também são docentes e pesquisadores/as. Diante da realidade pandêmica que assolou o mundo, a pós-graduação foi atingida no seu cerne, e os projetos de investigação tiveram que ser reinventados, cancelados, suspensos ou reformulados. Um pouco da visão de quem faz pesquisa em diferentes campos de atuação é retratado neste volume, expondo os diversos contextos que foram absorvidos por uma realidade digna de filme de ficção. O livro apresenta também as estratégias utilizadas para que as pesquisas científicas fossem levadas a cabo no campo das Ciências do Movimento Humano.
LanguagePortuguês
PublisherEditora UFSM
Release dateOct 20, 2022
ISBN9786557160725
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    Os desafios da pandemia à produção científica em Ciências do Movimento Humano - Angelita Alice Jaeger

    EIXO TEMÁTICO 1

    CAPÍTULO 1

    QUE PROBLEMAS NA PESQUISA DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS EM TEMPOS DE PANDEMIA?

    Paula Silva

    Amândio Graça

    Paula Queirós

    INTRODUÇÃO

    A covid-19 transformou o mundo e veio provar que a nossa vulnerabilidade a epidemias é de nível biológico e social. Para certos autores, a covid-19 não é só uma pandemia, é uma sindemia, uma sinergia de uma ou mais doenças com a pandemia. Ao considerá-la apenas como uma pandemia, excluir-se-á um prospeto mais amplo, mas crucial, que abrange questões sociais (HORTON, 2020). É verdade que qualquer pessoa pode ser infetada pela covid-19, e é comum o entendimento de que o vírus não discrimina. Com efeito, o vírus sozinho não discrimina, mas os seres humanos moldados por uma rede de poderes certamente o fazem (BUTLER, 2020). As desigualdades aumentam com a pandemia, e os efeitos diretos da covid-19 na saúde diferem em função de grupos sociais, como raça, gênero, riqueza e comorbidade (THE LANCET, 2020). Entre outros sentimentos, a covid-19 criou o medo sobre as outras pessoas, por vê-las como potencialmente contagiosas. O apelo das autoridades e as medidas impostas em períodos de confinamento reforçaram esse sentimento, limitando a liberdade de cada um/a no seu dia-a-dia e provocando o pânico, tendo sido classificada como the creation of a pandemic (AGAMBEN, 2020). A covid-19 converteu-se num problema social que desestabilizou a ordem estabelecida. Desopacificou desigualdades e discriminações, colocou em foco debilidades e falhas no sistema social, mas, por outro lado, galvanizou a ação coletiva e de solidariedade. Foi capaz de revelar, reforçar e catalisar novas relações sociais (LEACH et al., 2020).

    A comunidade educacional e de formação foi afetada por essa crise impensada, temendo-se um colapso do sistema educacional pela interrupção, de forma abrupta, dos processos de trabalho e de aprendizagem.

    Todas as pessoas sofreram um grande impacto em suas vidas, e professores/as e investigadores/as não foram exceção. Consideram-se quatro os estádios na recuperação de rotinas pessoais e profissionais (WA-MBALEKA; COSTA, 2020). Nos dois primeiros estádios, o estádio de medo e o estádio de aceitação, a dimensão é pessoal e o foco é na sobrevivência, nos mais baixos níveis de hierarquia das necessidades. Sentimentos como o medo, o pânico, a frustração e a ansiedade são predominantes, e fica-se doente pelo estresse de não se controlar uma crise nunca vivida. Depois, aceita-se a crise como um novo facto em sua vida, iniciam-se ajustamentos e desenvolvem-se mecanismos para gerir e lidar com essa ameaça, monitorizando frequentemente o desenvolvimento da própria crise. Nos dois estádios seguintes, o estádio de ajustamento e o estádio produtivo, tende-se para a normalização, com o desenvolvimento de alguns planos e o início de novas rotinas, perspectivando-se mudanças positivas. Perspectiva-se uma nova normalidade, os mecanismos de lidar com a pandemia foram apurados e tornam-se eficazes, e há um sentimento de se ser novamente capaz para voltar à atividade (WA-MBALEKA; COSTA, 2020).

    Mas essas crises podem ser, paradoxalmente, geradoras de oportunidades, nomeadamente na formação de novos profissionais (DVIR; SCHATZ-OPPENHEIMER, 2020; FLORES; SWENNEN, 2020).

    A passagem para o ensino remoto de urgência (e.g. BOZKURT; SHARMA, 2020; HODGES et al., 2020) nos cursos de formação para professores/as lembra as opiniões controversas sobre as implicações do ensino a distância na formação de futuros profissionais (GOAD; JONES, 2017). Em futuros/as profissionais de Educação Física (EF), exige-se a capacidade de ação, ideia-chave da formação inicial, em que a relação teoria/prática e a dinâmica pensamento/ação funcionam como elementos constitutivos da formação dessa competência. Devemos recordar que a formação também é um acontecimento interno de quem está em formação e exigirá muito menos uma informação cognitiva ou uma mera disponibilidade ou disposição para a ação, e muito mais a aquisição de uma competência de ação (MATOS, 2014). Os impactos da pandemia na formação inicial de futuros/as profissionais só agora começaram a ser analisados, ficando no quadro da especulação as repercussões a longo prazo no desenvolvimento profissional de docentes de EF.

    ACERCA DA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES/AS EM TEMPOS DE PANDEMIA

    Os/As estudantes estagiários/as, na sua aprendizagem de ser professor/a, nos seus primeiros passos no processo de construção da sua identidade profissional, foram surpreendidos com os impactos da crise da covid-19, enfrentando inesperados desafios numa realidade em constante mudança e totalmente imprevisível. Acompanhados/as pelos/as professores/as cooperantes das escolas em que realizavam o seu estágio profissional, enfrentaram o choque com a (nova) realidade. Este termo associado ao início da docência – em que, face ao idealizado no seu percurso académico, o/a futuro/a professor/a se confronta com a complexidade da situação profissional e em que todo o seu manancial de conhecimento é colocado à prova (HUBERMAN, 1992) – é agora expandido a todo/a e qualquer professor/a: em exercício, cooperantes, universitários e os dos cursos de formação para a docência. O choque com a realidade foi universal, mas essa pressão da pandemia a uma escala global também foi impulsionadora para que professores/as encontrassem soluções para problemas nunca antes enfrentados, em particular na formação inicial de professores/as (e.g. CALDERÓN et al., 2020; FLORES; SWENNEN, 2020; HADAR et al., 2020; LA VELLE et al., 2020; O’BRIEN et al., 2020).

    No processo de construção da identidade profissional, os/as professores/as em formação lidam com a confusão dos limites, dilemas, tensões e conflitos (CLANDININ et al., 2010; SCHATZ-OPPENHEIMER; DVIR, 2014) e reexaminam como percepcionam o seu papel profissional. Se antes da crise da covid-19 perspectivavam uma ênfase no ensino orientado pela liderança funcional (em realizações e resultados de aprendizagem), nessa nova realidade, enfrentam situações desconhecidas que exigem o reavaliar do seu papel – trabalhar para conseguir transformar desafios em oportunidades, aprender a reconhecer a importância da flexibilidade nas metas de ensino e a de criar alternativas, enriquecendo, com mais essa dimensão, a sua identidade profissional (DVIR; SCHATZ-OPPENHEIMER, 2020; LOMI; MBATO, 2020).

    Apesar de todos esses fatores que potencialmente enriquecem algumas dimensões da identidade profissional de futuros/as profissionais, é de ponderar sobre o que terá ficado hipotecado nessa formação com uma ausência tão prolongada do contexto real (presencial) de prática pedagógica. Com mais tempo dedicado à leitura e à reflexão, inevitavelmente, estudantes em formação terão menos experiência na aplicação das habilidades de ensino (LA VELLE et al., 2020) e nas formas de reflexão na ação e sobre a ação no ensino. As rápidas mudanças relacionadas com a pandemia foram percebidas como estressantes e ameaçadoras para o processo de formação inicial de professores/as de EF, colocando a qualidade e eficácia do ensino e da aprendizagem sob escrutínio (O’BRIEN et al., 2020). Se a resposta técnica e instrumental foi de crucial importância no período de transição do ensino presencial para o ensino a distância, as dificuldades em atender às necessidades dos/as alunos/as tornaram evidente a falta da dimensão pedagógica (FLORES; GAGO, 2020).

    Tanto estagiários/as como professores/as cooperantes foram forçados a incorporar um ensino tecnológico e pedagógico, o que desaguou numa experiência dual, marcada pela tensão, receios e insegurança, mas, por outro lado, dando espaço à iniciativa e ao entusiasmo de criar novas formas (on-line) de ensinar (DVIR; SCHATZ-OPPENHEIMER, 2020). Fica a questão se esse entusiasmo e iniciativa nas novas metodologias adotadas no ensino a distância da EF não deturparam prioridades nas orientações de conteúdos programáticos, se a valorização das competências digitais e metodologias on-line de ensino não remeteu para a marginalidade habilidades de ensino e conteúdos preponderantes na educação de crianças e jovens pela prática desportiva. Ressalve-se, no entanto, que a ideia de que os/as estagiários/as, por serem jovens, possuem competências digitais não é assim tão linear, dado que a investigação vem-nos dado conta das dificuldades que jovens apresentam em integrar a tecnologia nas suas experiências de ensino (e.g. BANERJEE; WAXMAN, 2017).

    Num estudo de revisão sistemática de publicações sobre a formação inicial de professores/as em formato on-line (DYMENT; DOWNING, 2020), com base nos 492 artigos analisados, destacaram-se dois grandes temas. No primeiro tema – as inovações pedagógicas tecnológicas –, os artigos geralmente descreviam a inovação tecnológica, a forma como as tecnologias eram aplicadas nos cursos de formação inicial e as vantagens que essas tecnologias ofereciam tanto a estudantes como a formadores/as, sendo frequentemente descritos os seus pontos fortes e fracos. Relativamente ao segundo tema – as experiências de estudantes na formação inicial de professores/as –, muitos dos estudos analisados focaram-se na experiência do/a estudante no curso (em e-learning ou b-learning) ou no uso de uma determinada inovação tecnológica, e seu impacto em percepções, motivações, desempenho, preferências e expetativas dos/as estudantes. A maioria dos artigos explorou a forma como uma inovação em particular foi usada para promover algum aspeto da aprendizagem ou experiência do estudante em formação, como colaboração, interação, comunicação, criatividade, pesquisa e aquisição de conhecimento. A experiência da inovação foi mais tecnológica, não se sugerindo inovação pedagógica.

    Em tempos de pandemia, o enfoque na capacitação tecnológica e a limitação aos ecrãs ausentaram das escolas a riqueza educativa dos movimentos desportivos, sendo que a experimentação da prática desportiva foi erradicada.

    Os cenários idealizados e de ensino a distância permitiram desenvolver uma fundamentação teórica sólida, mas que não compensa a falta da experimentação em contexto real (FLORES; GAGO, 2020).

    Um estudo analisou criticamente as medidas implementadas em tempos de pandemia de cinco instituições europeias de formação inicial de professores/as de EF (O’BRIEN et al., 2020). Através de uma análise SWOT (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças) aplicada a três dimensões do curso – programa, staff e estudantes – avaliadas por 12 formadores/as, o estudo relevou a unanimidade em considerar como ponto forte a qualificação profissional dos programas de formação, não só devido aos seus currículos, que apresentam um conjunto equilibrado de oportunidades de aprendizagem, com componentes de prática de ensino e de uso de tecnologias de ensino a distância, mas também devido à experiência de prática de ensino supervisionada em contexto real como fator de destaque. Interessante é que essa análise revelou ser também a pedagogia uma das fraquezas dos programas de formação de professores/as de EF. A ausência do face a face no processo de aprendizagem desencadeou preocupações nas próprias instituições formadoras sobre os seus princípios de educação e, particularmente, no conteúdo diversificado que não se enquadrou no ambiente on-line e se perdeu. Acresce-se a falta de suporte tecnológico e de desenvolvimento profissional para disponibilizar, de forma eficaz, conteúdo on-line pelas instituições formadoras. A diversidade pedagógica foi identificada como uma oportunidade e tema consistente para todas as cinco instituições nos programas de formação de professores/as de EF. Outra oportunidade apontada foi as instituições superiores reconhecerem a valia de investirem em infraestruturas digitais. Relativamente a ameaças, como era de esperar, foram muitas as identificadas. A dubiedade implícita a normas e práticas no ambiente académico, a deficiente preparação académica e a sustentabilidade em termos gerais dos programas de formação inicial de professores/as de EF foram as ameaças que praticamente todos identificaram. Ficou claro que o cumprimento dos objetivos desses cursos de formação e os seus currículos seriam muito provavelmente afetados pelo ambiente pandémico.

    É, no entanto, de considerar que as oportunidades e os recursos que emergiram e se afirmaram neste contexto pandémico sugerem uma reflexão sobre se, em cenário educacional pós-covid, a experiência prática poderá ser uma condição necessária, mas não suficiente para o aprender a ser professor/a (LA VELLE et al., 2020). De qualquer modo, a resposta de emergência que envolveu a adoção do ensino on-line ao nível do Ensino Superior normalizou-se. Deixou de se apresentar como uma estratégia pontual e assume-se hoje como uma estratégia que estará continuadamente presente em tempos pós-covid no ensino universitário (MURPHY, 2020).

    A solicitação aos/às professores/as de rápidas respostas, numa lógica de conformidade com as regras e regulamentos externos, parece ter reforçado visões mais instrumentais do ensino, contribuindo para uma visão de professores mais como meros técnicos implementadores de estratégias que funcionam do que como profissionais ativistas e comprometidos em práticas pedagógicas fundamentadas na investigação (LA VELLE; ASSUNÇÃO FLORES, 2018).

    Embora se reconheça a necessidade de adotar tecnologias on-line e torná-las uma das principais estratégias nos cursos de formação de professores/as de EF, as experiências face a face na EF assumem-se como essenciais e estruturantes (O’BRIEN et al., 2020) – e, acrescentaríamos nós, insubstituíveis.

    Serão muitos os temas a pesquisar sobre a formação inicial em tempos de pandemia, com distanciamento social imposto e com todo o processo do aprender a ensinar a ser desenvolvido predominantemente em ambiente virtual. Um dos temas que entendemos prioritário será estudar as implicações na construção da identidade profissional de professores/as de EF induzidas pelos tempos de incertezas e de mudanças contínuas, em ambiente de fragilidades, não apenas a nível físico ou social, mas também a nível emocional. Como reabilitar a pedagogia das suas fraquezas se a urgência de ensino exige uma acentuação na busca de recursos e na gestão e uso de tecnologias que permitam a continuidade da lecionação; se o disciplinamento do estar e do socializar, o isolamento imposto e a virtualização do ensinar tendem a criar um contexto favorável para priorizar objetivos e soluções tecnicistas – que conteúdos da EF posso fazer chegar a alunos/as e como os entregar?

    A pressão para que as universidades se adaptassem rapidamente às exigências do ensino remoto fez com se tornassem mais evidentes as dificuldades de consultar, colaborar ou refletir. Esses processos estão ainda no seu começo, e a comunidade de formação de professores/as terá muito que aprender com as experiências excecionalmente diferentes que ocorreram com o grupo de estagiários/as que iniciaram a sua formação inicial em tempos de pandemia (LA VELLE et al., 2020).

    A pesquisa sobre esses tempos, e suas consequências, na formação e desenvolvimento profissional é imprescindível, e o recurso à metodologia qualitativa é crucial no entendimento dos fenómenos, das experiências, dos ambientes e de como as pessoas os vivem, entendem-nos, relacionam-se e interagem nessas circunstâncias. É certo que, apesar de todos os constrangimentos impostos por essa pandemia, logo surgiram propostas de orientações sobre o que estudar para que investigadores/as qualitativos/as prosseguissem com suas pesquisas (e.g. WA-MBALEKA; COSTA, 2020): primeiro, considerar a mais óbvia, a exploração da dimensão pessoal, de como essa pandemia afetou a vida das pessoas; a seguir, focar-se nos esforços intencionais de aprender a lutar e saber lidar com as situações de ameaça e com os desafios provocados pela covid-19; depois, e uma vez que os métodos não podem ser aplicados de forma igual ao período não pandémico, cabe a investigadores/as adaptarem e/ou gerarem novos métodos passíveis de serem aplicados em tempos de pandemia; por último, ter presente que o estudo em tempos de e sobre a covid-19 pode fazer emergir fragilidades em diferentes passos do desenho da investigação, pelo que será de revisitar e/ou alterar princípios, métodos e procedimentos que melhor se adaptem à realidade pandémica/sindémica.

    Atualmente, com uma vasta literatura sobre o uso e viabilidade de recursos telemáticos, permanece a falta de consenso sobre a sustentabilidade e validade desses recursos para a investigação, ou sobre se as interações mediadas tecnologicamente podem substituir adequadamente os meios e formas de interação pessoal (HOWLETT, 2021). Na investigação qualitativa, onde favorecemos as reuniões presenciais, não temos outra alternativa senão adaptarmo-nos a uma nova forma de funcionar (TREMBLAY et al., 2021). É importante refletirmos acerca de como as abordagens metodológicas ancoradas em atividades on-line, que nos possibilitaram continuar a pesquisa em tempos de pandemia, usando plataformas digitais de comunicação, e desenvolvidas a grande distância espacial e temporal, desafiaram a nossa compreensão do campo a estudar (HOWLETT, 2021). Algo que caracteriza a investigação qualitativa é a imersão no campo a estudar, o que a pandemia da covid-19 tornou extremamente difícil e, na maioria dos casos, impossibilitou. Os meios telemáticos e as plataformas digitais, o seu uso e a exploração das suas potencialidades assumiram um papel determinante na continuidade das pesquisas, especialmente as de cariz qualitativo. As possibilidades de aplicação de métodos de recolha de dados qualitativos desenvolveram-se e aperfeiçoaram-se face à necessidade imposta pela pandemia de continuar os projetos de investigação, mas cumprindo todas as medidas dos planos de contingência em vigor. Nesse momento, o entrar no campo de estudo não mais assumiu como condição sine qua non a presença física nesse espaço.

    SOBRE O TRABALHO DE CAMPO – UM NOVO ENTENDIMENTO

    O trabalho de campo tem sido uma abordagem crítica essencial na pesquisa qualitativa já há muitas décadas, mas a atual pandemia obrigou-nos a abandonar esse tipo de trabalho, ausentou-nos, literalmente, do campo de pesquisa. Assim, o recurso às tecnologias a partir de casa desvendou novas abordagens, impôs outras formas de interação, apresentou muitos desafios e exigiu repensar meticulosamente os procedimentos de pesquisa, tanto os técnicos como os éticos.

    Surge, nesse contexto, a referência de trabalho de campo on-line, entendido como o uso de métodos análogos aos do trabalho de campo com presença física do/a investigador/a – entrevistas, grupos focais e observação participante –, mas realizados on-line. Torna-se assim necessário localizar esse campo quando recorremos ao on-line (HOWLETT, 2021).

    A localização sempre foi entendida como um fator relevante não só no desenho da pesquisa, mas também no desenvolvimento e aplicação dos métodos, especialmente quando estavam em causa interações pessoais. No trabalho de campo on-line, e com o recurso a plataformas, programas (ex.: Zoom) e aplicativos para dispositivos móveis (ex.: WhatsApp), o local em que a interação ocorre deixa de estar sob o controlo do/a investigador/a. Torna-se necessário criar as condições para se ser visto e ouvido e assegurar uma boa acessibilidade à rede de internet para que a plataforma ou o meio telemático utilizado não deixe de funcionar. A variedade de possíveis localizações das pessoas na altura das interações on-line – na sala ou na cozinha de sua casa ou num espaço ao ar livre, confortáveis no sofá ou sentadas à mesa do seu trabalho, em espaços privados ou espaços públicos com pessoas a circular etc. – despoleta uma multiplicidade de novas situações e possíveis questionamentos sobre como definir esse campo das interações on-line.

    A imersão no campo em estudo é determinada pelo que os/as participantes do estudo decidem ou se disponibilizam a partilhar e pela forma como abrem o seu ambiente a quem investiga. Tudo começa ao decidirem clicar na hiperligação ou na aceitação da chamada, abrindo seus espaços ao/à investigador/a, mas sabendo que no final da interação, ou mesmo em qualquer momento

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