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Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016: Provocações e Denúncia sobre uma Tragédia Anunciada
Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016: Provocações e Denúncia sobre uma Tragédia Anunciada
Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016: Provocações e Denúncia sobre uma Tragédia Anunciada
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Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016: Provocações e Denúncia sobre uma Tragédia Anunciada

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Este texto trata de um dos mais importantes desafios da espécie humana no século XXI: frear a perda de biodiversidade causada pelo impacto das ações antropogênicas. No Brasil, país detentor do maior número de espécies no planeta e de alguns dos mais importantes "biomas" em termos de conservação, ocorreu um verdadeiro desmonte das políticas de conservação dos recursos naturais e biológicos a partir do golpe de estado de 2016 e da subsequente chegada ao poder de uma extrema direita ultraneoliberal, que, de imediato, implementou uma política de autêntico desmonte dos mecanismos de fiscalização e a efetiva destruição da legislação ambiental existente.
O livro foi escrito utilizando conceitos científicos da literatura em Biologia da Conservação e Ecologia, mas não pretende ser neutro em nenhum momento quanto às implicações ideológicas e sociais do golpe. Usa de metáforas e provocações para discutir os rumos atuais e suas consequências, e pretende ser embriagadamente idealista e utópico frente à realidade trágica que vivemos. Como denúncia, aponta para os que considera responsáveis por essa verdadeira catástrofe, com efeitos imediatos para os que vivem neste país hoje, e incomensuráveis para as gerações futuras e sua qualidade de vida. Esta não é uma obra de ficção, e os nomes e personagens são reais, mesmo parecendo fazer parte de algum roteiro de série ficcional ou filme-catástrofe. Apesar das cores pessimistas e do iminente choque da nau dos insensatos com as rochas no meio da tempestade, parece claro que esses eventos podem ser os reagentes e as enzimas necessárias para o surgimento de uma nova sociedade, além de mais humana, mais biodiversa e que permita a cada indivíduo viver a sua plenitude na diversidade.
LanguagePortuguês
Release dateJan 27, 2022
ISBN9786525020662
Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016: Provocações e Denúncia sobre uma Tragédia Anunciada

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    Meio Ambiente, Ecologia e o Golpe de 2016 - Marcelo N. Schlindwein

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    À Biodiversidade perdida e aviltada nestes últimos anos, acompanhada de um humilde e constrangido pedido de desculpas às gerações futuras que nunca poderão contemplá-la

    Ao meu pai, Nivert, com quem sempre discuti ideias e ideologias, com opiniões geralmente opostas e diversas. Sempre fomos capazes de discuti-las com intensidade e veemência, até com uma feroz cordialidade, mas mantendo o respeito pelas diferenças e concepções. Este texto, certamente, por um lado irá irritá-lo profundamente, já por outro vai instigá-lo, pois sempre gostou de uma boa polêmica (in memoriam¹).

    A todos os analistas ambientais, biólogos ou não, que se mantiveram firmes na defesa da Biodiversidade, mesmo nos momentos mais tenebrosos dos últimos anos, muitas vezes colocando em risco sua integridade física e até sua vida. Que a Terra lhes seja suave...

    Para Pedro Casaldáliga (1928-2020). Um homem que sabia ser fundamental à justiça e à fraternidade entre os seres humanos, ideais aos quais dedicou toda a sua vida. Unindo poesia e fé, compreendia o essencial do amor verdadeiro à Natureza e a sua infinita diversidade.

    PREFÁCIO

    Não é uma tarefa simples acompanhar o professor Marcelo Nivert Schlindwein, seja pela prolífica vertente de novos pensamentos que se concatenam, seja literalmente por: seu hábito peripatético de conversar caminhando, que gera uma dinâmica social curiosa, que vai emendando o final de uma orientação com seu grupo de pesquisa, o papo de café com os colegas e a próxima reunião departamental conforme vai passando de um prédio a outro do campus universitário. Pessoalmente, percorri léguas de terra ao seu lado, como rêmora em seu fluxo irresistível de conversas sobre as mais variadas e alucinógenas temáticas. Nas saídas a campo, algumas das quais também tive o privilégio de acompanhar, é sempre o último a se deitar e o primeiro a estar de pé, brincando de ornitólogo na alvorada e de boêmio na madrugada: há testemunhos de que certa feita, na ilha do Cardoso, ficou cantando, acompanhado unicamente de seu violão, das seis horas da manhã até às seis da tarde (e sem repetir músicas!), só interrompendo o recital para, no final da tarde, mergulhar com os golfinhos que espreitavam no canal, também absortos com a cantoria.

    Esse é o ritmo que o leitor vai encontrar neste livro: uma torrente frenética de ideias que discute e denuncia atrocidades praticadas (não apenas contra a biodiversidade) no momento presente e passado, saltando da organização de um sauveiro para a origem de nossa espécie em savanas pleistocênicas, o desenvolvimento do pensamento simbólico e a invenção do nosso modo de ser social – que culmina numa grotesca sofisticação, com a possibilidade de devastar um bioma inteiro como um simples jogo político-econômico. A narrativa nos agarra visceralmente, como uma conversa ébria de boteco (que poderia chamar Uffbar), com direito a todas as divagações lisérgicas e transcendentais que a lógica regada a álcool pode sustentar – com a vantagem de conseguir lembrar depois das fabulosas elucubrações!

    O que faz de nós humanos? Na esteira dessa questão, o texto leva-nos a reflexões de cunho biológico, estruturando argumentos de como primatas com postura bípede, escassa pelagem e mais alguns atributos anatômicos característicos, com linguagem simbólica e capacidade de criar e transmitir cultura, levaram a um desenvolvimento tecnológico tal que transformou a paisagem e possibilitou um crescimento assombroso de população, com consequentes novas e complexas maneiras de organização social: na conceituação de Aristóteles, nosso destino organizacional como animal político.

    E o texto conduz, após essa maratona pela pré-história de um primata que se aprimorou em fingir e mentir, para o tempo histórico, especificamente para a história do estado-nação Brasil e uma vocação colonial sustentada, desde seus primórdios, por elites cujo maior anseio é pertencer à metrópole. Neste momento, o leitor deve estar preparado para uma orquestração densa de fatos que escancara não uma ingênua organização do animal político no Novo Mundo, mas a politicagem praticada para manutenção do status quo de uma sociedade desigual numa colônia tipicamente de exploração.

    O professor Marcelo, sempre no ritmo frenético e provocativo que caracteriza todo o texto, conduz então o leitor para meandros da política brasileira recente, evocando as raízes profundas na República Velha, mas com profusão de detalhes a partir dos últimos suspiros do século XX, até chegar ao momento do golpe, quando o texto assume uma constituição catártica, vazão de uma indignação incontida. Inconsistências jurídicas, fraudes, manipulações midiáticas e guerra híbrida: um conjunto de elementos estrategicamente criados para, utilizando a terminologia do autor, atiçar os capitães-do-mato a desmontar um projeto de país. Um golpe com custo baixíssimo para os grandes favorecidos espoliarem uma economia florescente em uma nação cuja democracia parecia finalmente ter se estabelecido, uma nação que ensaiava uma independência real, assumindo seu lugar (emergente) no contexto mundial e diminuindo a pobreza extrema de sua população.

    Mas, a narrativa também espanta pela visão premonitória, não apenas em referência às questões geopolíticas planetárias, mas sobretudo aos fatos que passaram a polarizar tremendamente a sociedade brasileira a partir de 2019. Sabendo que o texto original foi escrito em 2016-2017 e teve pouquíssimos acréscimos e modificações desde então, realmente surpreende que sem auxílio de cartas de tarot ou incorporações mediúnicas o autor tenha conseguido traçar tão lucidamente o panorama político que, mesmo em 2021, nem todas as pessoas conseguem fazer.

    Nesse mesquinho jogo de interesses, são óbvias as perdas sociais das parcelas economicamente menos favorecidas da população, e analistas econômicos e políticos já teceram (e possivelmente ainda tecerão) muitos e variados argumentos sobre nosso momento histórico, mas o ambiente é, via de regra, escamoteado dessas análises. É nesse ponto que o texto do professor Marcelo se destaca: torna o termo socioambiental pleno de sentido. O texto vai costurando ações que há tempos vinham embrionando nas tramitações burocráticas ministeriais, como a reelaboração do código florestal, e que ganham impulso com o golpe (e continuam em movimento de aceleração) com, entre outras, o ataque às conquistas de povos indígenas, quilombolas e assentados em seu direito sobre as terras que ocupam e, intimamente associado a isso, o estímulo de monoculturas num sistema que destrói irreversivelmente a biodiversidade e envenena a terra: milhões de hectares de vegetação nativa substituídas por monoculturas transgênicas em nome de uma balança comercial.

    Nossa espécie – um macaco pelado, bípede e mentiroso – tem feito mudanças tão drásticas na biosfera do planeta a ponto de diversos autores terem já adotado o termo Antropoceno para a era geológica presente. A epopeia humana no planeta azul está gerando um impacto comparável à colisão de um meteoro (analogia primorosamente articulada em O meteoro bípede). A maior pertinência da presente obra está justamente na dissecação desse fenômeno destrutivo na pequena escala da politicagem imediatista, esmiuçando os elementos da esfera político-econômica que tem determinado a devastação das últimas fronteiras mundiais da biodiversidade na América do Sul, mais especificamente nos territórios brasileiros, que foram diretamente impactados pelo golpe.

    A leitura deste livro é coroada com uma série de crônicas, que o próprio autor define como catárticas, escritas na mais pura pegada beatnik, numa frenética e alucinada narrativa lisérgica que seria surreal não fosse real: são crônicas da atualidade política brasileira, das quais não escapa nem a universidade como fractal da sociedade, nem pentecostais ultraliberais ou personagens bizarros do agronegócio. Uma leitura que, como já comentado, segue num galope alucinado do princípio ao fim, catapultando o leitor do passado pré-histórico dos hominídeos caçadores-coletores à atualidade trágica dos latifúndios de monoculturas transgênicas. Como bactérias em um meio de cultura, nossa espécie segue explorando o ambiente até sua exaustão. Quanto mais será necessário errar?

    Hylio Laganá Fernandes

    Doutor em Educação

    Professor Associado da Ufscar, Campus Sorocaba

    APRESENTAÇÃO

    Cada um pense o que quiser e, diga o que pensa.

    (Benedictus Spinoza, 1632-1677)

    Uma parte significativa deste texto foi escrita no calor dos acontecimentos, portanto carregada muitas vezes de uma passional indignação. Um texto que foi pensado para criar um impacto suficiente que leve as pessoas a começarem a perceber como a questão ambiental, a perda de biodiversidade, a destruição dos ecossistemas e o aumento das extinções antrópicas têm impactos diretos na qualidade de vida e na sobrevivência dessas mesmas pessoas. Grande parte dos cientistas ambientais percebeu que esses são desafios fundamentais de nossa espécie no século XXI. Já no Brasil, de maneira particular, depois do golpe de Estado ocorrido em 2016, caminhamos a passos largos na direção contrária, destruindo em poucos anos mais de meio século de esforços científicos e políticos de aperfeiçoamentos de como lidamos no país com a questão ambiental. Dessa maneira, este é um texto que pretende denunciar explicitamente esse verdadeiro crime.

    Os retrocessos ocorridos no Brasil nos últimos anos afetam de modo altamente significativo e negativo essas questões, levando à perda de importantes avanços que a sociedade havia conseguido implementar. Este texto tem como principal objetivo discutir onde o ambiente e a Biologia da Conservação se inserem no verdadeiro desastre que se abateu sobre a democracia brasileira, que culminou em golpe de estado em 2016, que como consequência levou à eleição fraudulenta de alguém que poderíamos classificar como um miliciano psicopata para o cargo de presidente em 2018. Um governo que deliberadamente assumiu a tarefa de destruir tudo o que havia sido construído anteriormente nesse tema tão importante para as nossas vidas e para as gerações futuras.

    O texto usa elementos teóricos das áreas de Ecologia e Evolução Humana e Histórica, Biogeografia, entre outros, parte da experiência do autor como docente e pesquisador. Mas também utiliza uma linguagem jornalística descaradamente inspirada em alguns dos mais críticos profissionais dessa área, infelizmente já falecidos, como Fausto Wolff, Millôr Fernandes e Joel Silveira, entre outros. Um texto que se arrisca a misturar elementos da Paleantropologia aos acontecimentos históricos/políticos recentes, costurando associações do presente ao que ocorreu milhões de anos atrás na evolução da nossa linhagem de primatas bípedes. E principalmente assumindo e arriscando contar uma versão dos fatos carregados de provocações e denúncia com humor e ironia. Portanto, um texto que se assume como um passional libelo em defesa de um dos mais importantes legados desta nação tão sofrida e vilipendiada, e sua maravilhosa Biodiversidade.

    Esta, infelizmente, não é uma obra de ficção; a discussão e a interpretação aqui apresentadas tentam se aproximar do que chamamos fatos, mesmo que muitas vezes eles pareçam existir em um universo paralelo.

    LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    AI-5 Ato Institucional número 5 da ditadura civil-militar pós-64

    AID sigla em inglês para a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida

    Alca Proposta de Acordo Comercial dos Países da Américas

    Arena Aliança Renovadora Nacional

    BBB Bancada de parlamentares de forte influência no congresso nacional, os termos significam Bíblia, Bola e Bala (munição)

    Brics Acordo comercial envolvendo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

    CIA Agência Central de Inteligência dos EUA

    Cimi Conselho Indígena Missionário

    CLT Consolidação das Leis Trabalhistas

    Conama Conselho Nacional do Meio Ambiente

    CPT Comissão Pastoral da Terra

    DCE Diretório Central dos Estudantes

    DEA Departamento de Combate as Drogas dos EUA

    EIA Estudo de Impacto Ambiental

    EPE Ensino, Pesquisa e Extensão

    FBI Escritório Federal de Investigações dos EUA

    Fifa Federação Internacional de Futebol

    GCH Grande Convergência Humana

    GM General Motors

    IAA Instituto do Açúcar e do Álcool

    Ibama Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais

    ICMBIO Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

    Incra Instituto Nacional da Reforma Agrária

    JN Jornal Nacional, diário de uma rede de televisão Brasileira pertencente ao PIG

    MDB Movimento Democrático Brasileiro

    MEC Ministério da Educação e Cultura

    MPF Ministério Público Federal

    MST Movimento Sem Terra

    NP Nota inserida posteriormente durante a revisão do texto

    NSA Agência Nacional de Inteligência dos EUA

    Nucleobrar Empresa Brasileira de Energia Nuclear

    OEA Organização dos Estados Americanos

    ONG Organização Não Governamental

    PIG Partido da Imprensa Golpista

    PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

    PRN Partido da Renovação Nacional

    Pronera Programa Nacional de Educação para a Reforma Agrária

    PSDB Partido da Social-Democracia Brasileira

    PSL Partido do Laranjal Larápio

    Psol Partido Socialismo e Liberdade

    PT Partido dos Trabalhadores

    Reuni Projeto de Reestruturação e criação de novos cursos de graduação nas Universidades Federais

    Rima Relatório de Impacto Ambiental

    Secom Secretária de Comunicação do Governo Federal

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação

    STF Supremo Tribunal Federal

    TSE Tribunal Superior Eleitoral

    UDN União Democrática Nacional

    UFF Universidade Federal Fluminense

    Ufla Universidade Federal de Lavras

    UFPE Universidade Federal de Pernambuco

    UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Unam Universidade Autônoma do México

    Unesp Universidade Estadual Paulista

    Unicamp Universidade Estadual de Campinas

    URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

    Usaid Projeto de cooperação econômica e cultura dos EUA para a América Latina

    USP Universidade de São Paulo

    VLS Foguete brasileiro para lançamento de satélites

    Sumário

    Prólogo 21

    Parte I

    Paleoantropologia, Ecologia Histórica e Política

    1

    O golpe e a biodiversidade, a causa, um grande efeito... 31

    2

    O golpismo faz parte da nossa evolução? Um pequeno divagar pela Paleoantropologia da nossa espécie 37

    2.1 Uma importante discussão sobre como nos tornamos a espécie de primata

    dominante no planeta, os caminhos que levaram os humanos do meio ambiente

    ao ½ ambiente 47

    2.2 Pequena introdução de conceitos em evolução humana: um pequeno retrato

    3x4 de nossa espécie 49

    2.3 Inteligência e bipedia: ecos de uma síndrome evolutiva que alterou

    radicalmente nossa relação com o ambiente que nos cerca 62

    2.4 De primatas bípedes ao meteoro bípede e o primata golpista: como teria

    evoluído um organismo capaz de mentir, fingir e trapacear 66

    2.5 Do berço africano até os confins da Terra, ou: como o mundo pode ser grilado como a floresta Amazônica do Pará 68

    3

    Mas, afinal de contas, o que teria a ver o Homo

    heidelberguensis com um golpe de estado em uma

    Musa república da América do Sul? 71

    4

    Uma interpretação passional dos eventos

    que levaram ao golpe 113

    4.1 Uma vertiginosa e também passional descrição do nascimento do PIG,

    o berçário do golpe 123

    4.2 Pequena e indigesta viagem pelos intestinos e esgotos da politicagem

    brasileira recente 129

    4.3 Mensalão: "o ovo da serpente" e o balão de ensaio do golpe de 2016 133

    4.4 Geopolítica e o golpe 146

    4.5 Pequeno delírio em forma de hipótese de Ecologia Política 155

    4.6 Petrolão: o ovo de ouro negro da serpente do golpe 161

    4.7 Os ratos que estão comendo o queijo nos porões do navio

    não sabem para onde ele está indo 173

    4.8 Narciso e o espelho: a mãe e madrasta invisível do PIG 194

    5

    A Ditadura civil-militar de 1964 e as políticas de meio ambiente 221

    6

    Biologia da Conservação e movimentos sociais 245

    7

    Monocultura, agrotóxicos, hidroelétricas,

    urbanização e especulação imobiliária 261

    8

    O movimento ambientalista: vanguarda, cooptação

    e a apatia 271

    9

    Sexo, pastores, juízes, milícias e política 277

    Parte II

    Apêndices

    10

    Provocações em forma de crônicas: aprofundamento

    do golpe e suas consequências diretas e indiretas

    sobre o ambiente 293

    Crônica 1

    Epitáfio necessário por uma democracia verdadeira: o golpe midiático/jurídico-parlamentar não pode sair vitorioso! 295

    Crônica 2

    Ambiente, a Universidade e o Golpe: uma análise fractal do golpe de 2016 301

    Crônica 3

    Um desabafo para o ano de 2017, psicodelicamente escrito em padrão de sessão de descarrego mediúnico neopentecostal 321

    Crônica 4

    2017: o ano que parecia nunca querer acabar 327

    Crônica 5

    O caos (a)parente e os exterminadores togados do futuro 345

    Crônica 6

    O golpe dentro do golpe – 2018 e para onde caminha

    a trágica pantomima 347

    Crônica 7

    2018: o golpe consolidado com a "eleição do Sete Peles"… 353

    Crônica 8

    Alguns motivos para afirmar que o Sete Peles nunca será um novo Hitler 357

    Crônica 9

    2019: o ano dos zumbis de amarelo e verde e o desastre para o ambiente com milicianos no poder 373

    Crônica 10

    A Eletrina e a Classe Melda entoam o marcha soldado cabeça de ‘papel-moeda’: a consolidação do desastre ambiental pós-golpe 385

    Epilogo: a Pandemia e o Pandemônio 393

    Nota de agradecimento 399

    REFERÊNCIAS 401

    GLOSSÁRIO 407

    ÍNDICE ONOMÁSTICO 411

    ÍNDICE REMISSIVO 415

    Meus Mandamentos 419

    Prólogo

    No Brasil de hoje, o pesadelo é melhor que o despertar.

    Millôr Fernandes (1923-2012)

    O uso do termo meio ambiente deveria causar estranhamento e mesmo incomodo! Pois meio e ambiente são sinônimos, e seria um pleonasmo usar os dois termos. Mas a principal questão não seria o uso desnecessário de um pleonasmo, mas o outro sentido que pode ser dado à palavra meio. Além de espaço e caminho, em português meio (1/2) também significa metade. Mas se pensarmos nas forças e nos interesses envolvidos no desastre implementado no país em termos ecológicos o pleonasmo meio ambiente torna-se coerente. O 1/2 ambiente tornou-se uma das vítimas estupradas do golpe parlamentar-jurídico midiático de 2016. Perfeito porque um dos motivos centrais do referido golpe foi exatamente permitir a grupos econômicos multinacionais tomar posse e espoliar os recursos naturais do país sem levar em conta os riscos inerentes desse assalto à Biodiversidade. O ambiente torna-se apenas mais uma mera "commodity", ou a argamassa triturada que vai produzi-la. Mesmo perante evidências científicas que mostram os riscos dessa estratégia, para o tanatocapitalismo² o importante é maximizar a exploração dos recursos naturais eu um equivalente do já citado estupro. Naturalizando desastres ambientais, pandemias, perda de espécie e de culturas, a sociedade atual segue vampirizando o ambiente como se ele fosse inesgotável, em uma espécie de aborto menstrual cósmico, em que o sangue dos organismos e das pessoas mantém o agonizante tanatocapitalismo suicida funcionando. Quando se dá o grande acordo das elites para elaborar o golpe de 2016 a principal moeda de troca a ser entregue é a voracidade do capitalismo ultraneoliberal de extrema direita e transformar o ambiente em ½ ambiente, ou mesmo ¼ de ambiente, literalmente pouco se importando que sobre³ algo do ambiente!

    A diversidade biológica e cultural torna-se apenas uma dificuldade, um empecilho para o progresso civilizador que maximiza o Meio traduzindo-o em riqueza para os reais donos do poder, enquanto os batedores de carteira ilegitimamente aboletados nos mais altos cargos da república do judiciário, legislativo e executivos comem, como ratazanas que são, as migalhas. Não é de estranhar que todos os principais atos do golpe sejam voltados para tirar direitos das populações tradicionais indígenas, quilombolas, caiçaras, caipiras e agricultores familiares. Povos que teimam em não ser apenas inconvenientes externalidades desse modelo predatório, mas guardiões das múltiplas dimensões da diversidade do Meio. Os que teimosamente se contrapõem aos dogmas inquisitórios do ultraneoliberalismo, hereticamente se afirmando como uno com o Meio, recusando peremptoriamente o axioma que o Ambiente seja uma mera mercadoria. O ambiente é de todos e para todos, e não o usufruto para o indivíduo e uma elite. Para esses verdadeiros seres humanos, não é no indivíduo e sim no ambiente e no coletivo que reside a própria essência da existência. Um anátema passível de campo de extermínio para os terraplanistas fascistas que acreditam em mitos, tão reais como pokémons.

    A primeira ação do golpe foi desferir ataques aos direitos desses povos. Pode fazê-lo de maneira sutil quando flexibiliza e torna letra morta leis de proteção à Biodiversidade; quando prioriza in extremis os grandes empreendimentos do capital transnacional e o modelo de ordenação espacial e uso de agrotóxicos e insumos do agronegócio; quando corta a assistência médica e os projetos socioambientais dessas comunidades. Mas também pode ser explicitamente genocida, retirando os anteparos legais que protegem as comunidades e incentivando as milícias e os capangas dos latifúndios. O Brasil esteve em guerra civil contínua desde sua independência. Uma guerra muitas vezes invisível e silenciosa de extermínio das etnias e população natural, seguida da espoliação e devastação dos recursos naturais. Quantos memoriais poderiam ser feitos pelos mártires dessa guerra? Já passou do tempo e é mais que necessário que a sociedade e principalmente os cientistas naturais, ecólogos e ambientalistas reflitam sobre esse processo. O golpe de 2016 pode ser extremamente didático nesse sentido, não apenas para a Ecologia e a Biologia da Conservação, mas também para os cientistas sociais e economistas. O quanto perdemos de forma irreversível com a destruição da nossa diversidade cultural e natural em um país de mega Biodiversidade como o Brasil?

    Uma das primeiras coisas a ser levada em conta na implementação do golpe é que estão envolvidos forças e interesses muitíssimos maiores que disputas políticas locais. Seja travestido por uma lisérgica e absurda cruzada contra o denominado marxismo cultural ou o comunismo de gênero ateu, e sempre pontuado por um difuso e altamente seletivo de combate à corrupção. O que está em questão não é simplesmente a disputa entre milícias e o esquartejamento dos cargos públicos por quadrilhas saídas do mais tenebroso baixo clero da política(gem) nacional. Vamos discutir neste texto que o que se passou no Brasil faz parte de uma estratégia muito mais ampla e profunda, que usa das mais avançadas técnicas e das ferramentas do que denominamos de guerra híbrida. Um jogo geopolítico pesado e financiado por recursos fartos, praticamente ilimitados. O que assistimos obviamente não nasce em um protesto de jovens contra aumento de passagens, e se torna uma bem orquestrada investida contra um governo de centro-esquerda que havia prestigiado como poucos o mercado financeiro e o grande capital. Também não eram apenas os protestos contra as obras faraônicas da copa do mundo e da olimpíada. Como em Haiti, Venezuela, El Salvador, Honduras, Paraguaia e depois Equador e Bolívia, a antiga máquina de desestabilização de governos inimigos do imperialismo ianque estava exercitando seus longos e poderosos tentáculos. Durante duas décadas o quintal tinha se tornado insuportavelmente democrático. Mesmo que iniciais, alguns governos rebeldes tinham proporcionado que as riquezas do país começassem a ser timidamente distribuídas a uma parte menos favorecida da população. Um fato inaceitável para os imperialistas do norte e imperdoável para as adestradas caninas elites locais. Quem estava no meio do furacão podia ter a impressão de que o que estava em jogo era tirar do poder uma presidenta ou um partido. Infelizmente o buraco era muito mais embaixo, infinitamente mais profundo...

    Assistindo à verdadeira ópera bufa, a mistura de festival de horrores e escárnio que foi a sessão parlamentar que destituiu uma presidente democraticamente eleita, parece que todo o processo foi por grotescos políticos canhestros, canalhas fascistas amadores ou analfabetos políticos psicóticos neopentecostais. Por trás de toda aquela aberração havia o dedo do que há de mais fino dos serviços de inteligência estadunidenses, e os dedos, as mãos, os braços e a cloaca dos empresários cheios de dinheiro, ardentemente convertidos a uma versão local de neofascismo.

    Tudo que está acontecendo no início do século XXI não é novidade, muito pelo contrário. Esse modelo perpassa a história do Brasil desde a chegada dos primeiros europeus, mudando apenas o nome da potência colonial ou imperialista do momento. Mas com a internet e a grande quantidade de informação transmitida em tempo real, somos capazes de perceber a escala e profundidade desse processo. Nos últimos anos foi como os recalcados, ressentidos, os praticamente fanatizados analfabetos políticos, puderam dar vazão a toda sua virulência, preconceito, truculência e obtusidade. Umberto Eco declarara um pouco antes de morrer que a internet liberaria os imbecis de forma como nunca acontecera. Mas mesmo Eco não imaginaria que o que ocorreria no Brasil seria similar a uma espécie de apocalipse zumbi.

    No meio de toda essa investida neofascista as chamadas forças progressistas foram retumbantemente surradas e colocadas nas cordas. Em um primeiro momento julgaram que o neofascismo era algo aberrante, pontual e quase anedótico na sociedade e que poderia ser facilmente estancando e erradicado com informação e convencimento. Não sabia que do outro lado estavam atuando de maneira conjunta os grandes grupos de mídia, os grandes latifundiários e os pastores milionários, o tal mercado financeiro e uma parte significativa do judiciário e do ministério público. Os democratas da denominada esquerda e mesmo do centro liberal não perceberam que a tempestade perfeita e o terremoto se formavam embaixo dos seus pés. De certo modo, o movimento era inclusive amplificado mesmo nos governos ditos de esquerda ou populares, que colocavam em alguns postos-chave, inclusive em alguns dos mais importantes ministérios, representantes desse movimento. Nos principais ministérios do Lula estavam presentes representantes dos latifúndios e do sistema financeiro que depois seriam lideranças importantes entre os conspirados. A cegueira foi de tal tamanho que um dos principais desses traidores da pátria seria simplesmente o vice-presidente! Mas, se antes do golpe esses elementos causavam o seu estrago, com a sua consumação se dá a implementação completa do modelo ultraneoliberal. Se nos recentes governos de esquerda os ministérios da agricultura e da fazenda eram ocupados pelos mais rematados representantes do capitalismo predatório neoliberal, havia o contraponto de ministérios do que poderíamos chamar de primos pobres, mais atuantes junto às camadas mais populares da população como o ministério das cidades e do desenvolvimento agrário. Também o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde pautavam suas ações por políticas de inclusão que serviam como contraponto ao financismo neoliberal. O governo de conciliação era, no fundo, um cabo de guerra em que havia de um lado uma heroica resistência à barbárie do projeto neocolonial, e do outro o financismo que já flertava na calada da noite com o monstro fascista. Não deixa de ser simbólico que uma das primeiras ações do postiço após a derrubada da presidenta foi eliminar o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Com o passar do tempo os golpistas eliminam ou tornam efetivamente irrelevantes esses ministérios progressistas, e os ministérios da Saúde e Educação passam a abandonar as políticas de inclusão anteriores. Não deixa de ser irônico que alguns políticos que vão assumir cargos no governo ilegítimo sejam os mesmos que tinham feito parte do governo Lula⁴, por exemplo, nos ministérios da Fazenda da Agricultura.

    Um dos objetivos centrais deste texto é refletir sobre como a equivocada política de conciliação, somada obviamente ao oportunismo canalha e à pusilanimidade de uma parte significativa dos parlamentares, juízes, membros do ministério público e imprensa, conseguiu impingir a uma sociedade atônita e volúvel um impressionante retrocesso no que diz respeito às políticas de proteção e manejo da nossa mais importante riqueza e a maior responsável pela nossa sobrevivência e qualidade de vida, a Biodiversidade. Um texto que pretende explicitamente chamar atenção à falta de estatura moral e intelectual dos agentes e promotores do golpe, não inferior aos outros atores que permitiriam passivamente a sua consolidação e, por suas ações visando poder político de curto prazo, preparam o caldo de cultura em que a infecção golpista prosperou. Mas se esse jogo de poder local e a inerente briga da nossa elite tosca e provinciana, pela máquina administrativa em todas as esferas, têm seu papel nesse trágico enredo, não se pode deixar de elucidar o papel dos interesses geopolíticos, representado pelas novas estratégias de manutenção da hegemonia continental explícitas do Departamento de Estados dos EUA, e toda a máquina de guerra não convencional colocada em prática para defender interesses das grandes empresas transnacionais deste país na América Latina. Se diretamente com tanques e generais no século XX, no século XXI o mecanismo seria outro e de certo modo mais sutil. Se a cleptocracia parlamentar/judiciária/midiática fez o grosso do trabalho sujo no cenário aparente do golpe, o palco, os bastidores e o teatro foram construídos com o financiamento e com arquitetos do "big brother do Norte. E se a camarilha daqui bate carteira e recebe auxílio-moradia, o grande irmão muy amigo" rouba a chave, o cofre e, de quebra, leva embora até mesmo o banco inteiro.

    Ao discutir com profundidade a inserção do golpe de 2016 em um contexto maior, desvela de maneira crua que o que está em jogo não é uma mera disputa paroquial pelo poder. Se fosse apenas uma sórdida patranha em que uma súcia de milicianos do submundo da política se associa a uma espécie de partido político do judiciário e a alguns capitães do mato da mídia para assaltar o poder, os eventos não teriam tomado a dimensão atual. Na malta MMJ (miliciano midiática jurídica), mesmo apoiada pelos extremistas da classe média, os oportunistas neopentecostais e militares de pijama não seriam capazes de estruturar uma ofensiva tão massivamente articulada na guerra de informações. Muito menos seriam capazes de orquestrar um locaute tão eficiente contra a economia. Obviamente essa ação midiática jurídica foi capitaneada por interesses mesquinhos individuais locais, auxiliado em extremo pelo marqueterismo mercenário dos jornalistas de aluguel, existiam forças maiores que comandavam os fios das marionetes. Toda tentativa de explicação não passa de uma distração diversionista se não levarmos em conta o primordial, o golpe faz parte de uma muito bem orquestrada ação geopolítica arquitetada pelas transnacionais e o aparelho de inteligência estadunidense. Só assim o baixo clero das negociatas dos esgotos do parlamento, representada pela dupla Cunha/Temer, e o mais bizarro e teratológico desse mesmo baixo clero unido ao mais reacionário e argentário e tosco militarismo, representado pelo binômio Bozo/Mourão, chegariam ao poder. Se para esses canhestros marionetes o que interessava era o poder e as negociatas, do porto de Santos ao Rio das Pedras, os verdadeiros donos do poder, aqueles manejavam dos fios, os interesses eram muito maiores. Um dos pilares do neoliberalismo do chamado consenso de Washington é o acesso direto e barato aos recursos naturais das nações ditas periféricas. Esse ingrediente é essencial e a base do vigor do modelo ultraneoliberal implementado, que nada mais é que o mais do mesmo do colonialismo, agora travestido de verniz tecnológico e com uma capacidade de afetar o ambiente e a Biodiversidade em escala planetária e de maneira talvez irreversível. Apenas a completa miopia dos nossos denominados intelectuais e jornalistas explica o silêncio durante o processo do golpe sobre o que estava realmente em jogo. Só uma cumplicidade criminosa servil justifica se calar ante o completo desastre em que as políticas que foram implementadas, não só ambiental, mas socialmente. Tomados por uma espécie de histeria coletiva, baseada na muito bem elaborada criação de um consenso: a necessidade de salvar a pátria amada mãe gentil do ateísmo, comunista e homossexual, e da corrupção, obviamente uma invenção dos partidos de esquerda!

    O efeito manada conseguido com essa verdadeira lavagem cerebral foi de se perder a percepção do que está verdadeiramente por trás das forças políticas que deram o golpe. Interesses que vão afetar drasticamente tanto a Biodiversidade do nosso país quanto a qualidade de vida da imensa maioria do nosso povo. Como não cobrar essa cegueira aos doutos êmulos togados da risível farsa jurídica e aos chamados intelectuais e jornalistas⁶? Eles não sabiam que por trás do assalto ao poder e do efetivo desmonte de políticas ambientais se acarretaria destruir os componentes básicos que asseguram nossa futura segurança alimentar e qualidade de vida? Pela quantidade de qualidade de informações envolvidas podemos afirmar que eles não são apenas inocentes desavisados, mais sim canalhas úteis e cúmplices desse descalabro. Pois no fundo têm a consciência de que não só fizeram parte de um acintoso e vergonho ataque fulminante contra jovem democracia, mas permitiram a ascensão ao poder não apenas do fascismo, mas um fascismo miliciano e bandido.

    Além do caos político-social gerado, além da perda de confiança nas instituições, os novos capitães do mato do golpe não só tiraram do armário o fascismo e a intolerância, mas sinalizaram um cada um por si e tudo pode nos mecanismos de controle e no acesso dos nossos recursos naturais. Um dos primeiros grandes alvos do governo golpista ilegítimo foi escancarar o desmonte das políticas voltadas a populações indígenas, populações tradicionais, e o asfixiamento dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental e os marcos regulatórios⁷. O ataque frontal aos avanços de controle social sobre os usos e manejos dos recursos naturais é a insidiosa, intensa e quase silenciosa ação da camarilha golpista. Além da soberania e a destruição de um projeto político estratégico de país, um dos principais alvos do golpe, e acessar de maneira ainda mais irrestrita nossas riquezas e recursos naturais. Se atualmente o modo como exploramos nossa Biodiversidade é completamente desastroso e insustentável, fazer isso de uma maneira ainda mais rápida e predatória pode ter consequências ainda mais funestas e irreversíveis, afetando a qualidade de vida e sobrevivência dos brasileiros mesmo curto prazo. Portanto, esse golpe não foi dado contra o partido A, ou o grupo político B. Esse golpe foi dado contra a Biodiversidade do Brasil⁸.

    Parte I

    Paleoantropologia,

    Ecologia Histórica e Política

    1

    O golpe e a biodiversidade, a causa,

    um grande efeito...

    Acho que se os animais falassem não

    seria conosco que iriam bater papo.

    Millôr Fernandes (1923-2012)

    Quem teve o privilégio de fazer trabalhos de campo em meio a assentados da reforma agrária, ou entre indígenas, mateiros, moradores de favelas, provavelmente teve uma estranha e surpreendente constatação. A impressão de ter encontrado as pessoas mais honestas e sábias que teve contato em sua vida. Pode parecer estranho que isso ocorra nos sertões distantes, entre os mais desassistidos e nas denominadas camadas inferiores da nossa sociedade e não na universidade, nos tribunais e nos fóruns, e muito menos nos corredores de uma instituição financeira e nos ministérios dos que poderia definir o (des)governo federal⁹. Em algumas dessas comunidades ainda se podem encontrar genuínas expressões de solidariedade, empatia e amizade, mesmo com todos os problemas de ordem econômica e mesmo sanitária que as afligem. Já entre as denominadas elites, a felicidade é quase como uma nota de três reais, restrita a possuir e exibir coisas. Pode parecer estranho começar um texto que vai discutir a relação do golpe de 2016 com o ambiente com o que parece ser psicologia de botequim, mas é exatamente sobre o caráter das nossas elites empresariais e de uma grande porção da chamada classe média que se fundamenta e se explica o verdadeiro desastre sociopolítico-econômico que estamos vivendo no Brasil neste princípio do século XXI. O neofascismo brasileiro vem calcado sobre o recalque dos individualistas burgueses, dos carreiristas verdadeiramente iletrados politicamente do ministério público e do judiciário, e de um empresariado sem qualquer projeto de nação. Uma tríade que tem em comum a negação dos direitos e, até mesmo, da existência das classes menos favorecidas. Este texto afirma categoricamente que o golpe de 2016 foi perpetrado contra o ambiente e a Biodiversidade, mas contra a verdadeira felicidade e humanidade. Em suas mais profundas implicações o neofascismo que tomou conta momentaneamente do país é contra a diversidade, tanto biológica quanto cultural. Pode parecer melodramático, mas é um golpe contra a Vida. Apesar de parecer completamente alucinógeno e delirante propor conexões entre uma distante parente hominídeo pleistocênico, o Homo heidelberguensis, com uma camarilha golpista envolvida em um processo de guerra híbrida por recursos naturais, a mente simbólica e a evolução cultural permitem tal devaneio e conseguem estabelecer conexões interessantes. Uma delas é que podemos ter convicções (mas não provas) de que ao longo de nossa evolução o conflito entre a empatia e o egoísmo foi constante. O que aconteceu em 2016 no Brasil é mais uma prova que em nossa sociedade pós-moderna o egoísmo tenha suplantado a empatia e os canalhas, canalhas, canalhas¹⁰ suplantaram e embaralharam o que há de bom na nossa evolução social. Mas o que parece certo é que até o Homo heidelberguensis, naquela fase de evolução cultural que se encontrava, teria convicção de afirmar que a farsa-a-jato não foi um processo de combate à corrupção, e sim uma estratégia da guerra híbrida do grande irmão do norte para se apossar de nosso petróleo e de nossa Biodiversidade! Nosso antepassado se rebelaria certamente contra a atual camarilha golpista. Este texto brinca com a tese de que um sujeito como esse teria imediatamente sido jogado para as hienas em um bando de caçadores coletores ancestrais. Aonde chegou nossa evolução cultural para que um político obscuro, oportunista, traíra e tartufo chegasse aonde chegou por estar como vice no momento do golpe? Se isso foi uma tendência evolutiva nossa espécie está definitivamente fadada ao desastre.

    Podemos afirmar que, além das arminhas para muitos, e dos Armani para alguns poucos, os ícones do inconsciente coletivo dos golpistas estão na glorificação "ter" acima do "ser". Do individual sobre o coletivo, do egoísmo suplantando a empatia. Onde a religião é instrumentalizada como ferramenta de enriquecimento material e os preceitos cristãos são simplificados para objetivos políticos imediatos. Conceitos como pátria e família são customizados ao gosto da audiência. A hipocrisia é a regra e a verdade se confunde com a versão, de forma que o mito e a realidade tornam-se indistinguíveis para a maioria das pessoas. Uma quantidade vertiginosa de informação é manipulada de tal forma que os valores se subvertem. Na nova casta no poder pós-golpe qualquer verniz se traveste de profundidade. Astrólogos picaretas se dizem filósofos¹¹, ressentidos semiletrados viram ministros da Educação, abilolados terraplanistas se transmutam em chanceleres e psicopatas milicianos digitais porta-vozes presidenciais. Atingimos uma espécie de terato-fascismo¹² surrealista. Literalmente a exaltação de que o pior, o mais aberrante, o mais grotesco, é o melhor. O golpe assume que os zumbis éticos podem tudo. O enterro da democracia normaliza a barbárie desde que o mercado, a impressa, os militares e o ministério público obtenham a sua boquinha... Carros, vinhos, viagens a Europa e Nova Iorque, mulheres, moçoilos, ternos, linhos, holofotes, lautos banquetes solitários, nos hotéis de luxo de lençóis imaculados e alma fétida e podre. Muita champagne espumante pronta a afogar a consciência e a autocrítica. São necessárias doses cavalares de consumismo extremo e exibicionismo ridículo para compensar o vazio de dar um golpe no futuro de milhões e milhões e milhões de pessoas, para saciar a compulsão parasítica do egoísmo psicopata de uns tão poucos, indivíduos de pouca luz e muito WhatsApp¹³. Nós, humanos, só sobrevivemos à nossa saga evolutiva por cooperar, acreditar, dividir com os outros nossos espaços. Nos nossos pequenos bandos, os temperamentos eram muito diferentes, as necessidades de satisfação individual sim podiam ser mais importantes que a satisfação do outro. Mas apenas na mediação que permitia que todos tivessem acesso aos recursos, permitia que o nosso tecido social não se tornasse uma infinita e constante sequência de horrores e crueldades, em que a pequena vitória e o prazer de um dos indivíduos era sua agonia, dor e morte no momento seguinte. Sem essa cooperação e empatia não teríamos de modo algum sobrevivido e gerado mediadores sociais tão prazerosos como a poesia, a música e a dança. Se o individualismo, a violência e o egoísmo estavam presentes foi para domesticá-los, criamos nosso imenso alfabeto emocional, nossos intrigados códigos sociais, nossas religiões que buscam o sagrado na prática e convivência do meu Eu com os outros Eus.

    Os que deveríamos chamar verdadeiramente de corruptos são aqueles que chamamos denominamos explicitamente golpistas. Aqueles que

    subvertem esses imensos entrelaçados de fios individuais que formam nosso intricado bordado social para seus interesses próprios. São aqueles, por seus interesses mesquinhos, algumas vezes bêbados da perigosa doença das certezas ideológicas, algumas vezes contaminados pelo mais doentio individualismo narcisista, muitas vezes cegado pela incapacidade de ver o todo e o outro, quase sempre embebido de um efeito de manada que enxerga apenas a satisfação fugaz das minhas necessidades ao curto prazo. Esse perigoso efeito de manada, uma propriedade emergente no nosso sistema social a partir do momento que deixamos de ser um pequeno grupo, um bando em que todos se conheciam, e havia a clara sensação de que o ato de privar o coletivo de algo tinha um efeito palpável sobre o outro. Em que todos os indivíduos rapidamente sentiam que o exultante vencedor golpista de sucesso de hoje seria o golpeado e arrasado derrotado de amanhã. Na manada, por se estar mergulhado em um liquidificador de individualidades, em que parecem ser reconhecidos apenas alguns aliados momentâneos em meio ao tropel de desconhecidos e relações passageiras, pode parecer que agora é o egoísmo e o individualismo extremo que devem triunfar.

    Mas se todos do grupo assim o fizerem, de golpes e golpistas iremos todos ao precipício. Pois o clamor da multidão, a aparente marcha da manada, é no fundo feita no olho no olho de cada indivíduo. Nossa mente surgiu a partir da necessidade de nos integrarmos como indivíduos em uma sociedade. Sozinhos na savana somos um absoluto nada. Foram a empatia e a cooperação que permitiram nossa sobrevivência, foram elas que permitiram a exploração dos recursos do ambiente, não a agressão e a violência. Segundo a maior parte dos paleoantropólogos e psicólogos evolutivos, foi a capacidade de cooperar e atuar em grupo a razão do nosso sucesso evolutivo, e essa capacidade nos fez irremediavelmente interdependentes, somos irremediavelmente formatados a pensar no outro. Humanos que não o fazem são teratologias, os sociopatas e psicopatas. Infelizmente foram esses que os mestres do golpe alçaram ao poder.

    Ironicamente, um golpista, alguém que atenta contra os interesses verdadeiramente republicanos da sociedade, não poderia jamais ser um juiz, um procurador, um deputado, um senador, um policial federal, um general… Essas foram castas privilegiadas, e inclusive bem pagas, para proteger a sociedade de golpistas e aventureiros. A existência desses atores sociais deveria se justificar pela garantia de defesa para fracos contra os fortes, de impedir que os poderosos massacrem os menos favorecidos, que as minorias sejam protegidas dos consensos momentâneos da maioria e que o povo tenha acesso à justiça e à aplicação equânime das leis. Não, isso não é utopia, é o mínimo para que realmente tenhamos um contrato social e a civilidade. Só existe verdadeira cidadania, e, portanto, o conceito de nação e pátria, com esses preceitos garantidos. Quando um juiz se torna um golpista é como o médico que deliberadamente mata o paciente. Quando o general, um procurador ou policial federal age contra a constituição e conspira, é um delinquente. Deveria ser sumariamente expulso da corporação e privado de todas as suas funções e benesses e processado criminalmente. Nessa insanidade golpista uma parte significativa da nossa sociedade perdeu a noção de que as hierarquias e instituições foram criadas para mediar nossa convivência social e defendê-las. Todos, sem exceção, que apoiaram a retirada de uma presidenta democraticamente eleita sabendo que ela não tinha cometido crime algum são traidores e criminosos, ponto final. Não existem desculpas, filigranas e eufemismos, são criminosos e responsáveis diretos por todos os efeitos que o golpe já causou no país. Não só os milicianos praticantes serão julgados, pode não ser hoje ou amanhã, mas a história um dia cobrará dos cúmplices a canalhice conivente.

    Voltando aos agricultores nos assentamentos e acampamentos, parte da população mais afetada pelas ações golpistas. Da agricultura familiar, dos pequenos agricultores, vem mais de 70% do alimento consumido. Isso também no prato do juiz, do senador, do general, do procurador golpista e do miliciano psicopata. Essas pessoas não têm que produzir seu próprio alimento, construir suas casas ou confeccionar suas roupas e construir as máquinas que usam como meio de transporte. É a sociedade como um todo que oferece esses recursos para que esses indivíduos promovam a empatia que havia no bando onde todos se conheciam. Quando são exatamente esses indivíduos que promovem o golpe contra os direitos e as regras que regem a sociedade, nada mais são que traidores e pusilânimes. Porque mesmos togados, enfeitados, perfumados, apoiados pelo coro uníssonos de seus pares de casta ou de outros golpistas de outra casta, serão injustos, infelizes socialmente, individualmente, que, mais cedo que do imaginam, vão se tornar desprezíveis aos olhos dos outros, e certamente em relação a si próprios. Pois a mesma mente que nos fez capaz de criar línguas, leis e discursos nos equipou de uma profunda consciência do social. Ela pode ser anestesiada e silenciada por algum tempo. Pode ser amestrada pela doutrinação diuturna e pelo efeito manada e as pretensas vantagens de ser um golpista. Bruto, venal, sofisticado, de uniforme, togado ou coroado, um golpista é sempre um golpista. Pois no fim, olhando no espelho ou naquele momento insone, essa consciência sempre emerge avassaladora, e é dela que virá nosso derradeiro julgamento de nós mesmos. Só os mais desprezíveis psicopatas e vampiros sociais não o têm. Mas serão estes últimos verdadeiramente humanos em seu sentido pleno?

    Este texto tem a pretensão de discutir peripateticamente as razões daquelas crianças que pareciam tão fofinhas, simpáticas e inofensivas nas fotos, e se tornarem golpistas, ditadores, juízes autoritários e corruptos. Agentes que auxiliam a que cheguemos a situações que conduzem a desastres ambientais e genocídios biológicos e culturais. Algo que afeta a todos os humanos de uma forma ou de outra.

    Como introdução ao objetivo principal desta provocação teórica

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