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Um mundo para os filhos
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Ebook148 pages2 hours

Um mundo para os filhos

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About this ebook

Baseado em fatos reais, este livro conta a história de uma família e das desgraças, alegrias e privilégios da classe-média tijucana.

Depois de ficar viúva, Catarina precisa terminar de criar os dois filhos adolescentes. Sabrina é uma jovem promissora tolhida pelas circunstâncias e Ton está começando a entender o mundo em que nasceu. Vinte anos de história descrita pelas próprias personagens mostra como as crenças econômicas, políticas e sociais podem interferir nas relações familiares.
LanguagePortuguês
PublisherBOOKERANG
Release dateJun 24, 2022
ISBN9786584587052
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    Um mundo para os filhos - D. C. Bacellar

    Capa_-_Um_mundo_para_os_filhos_-_16x23.jpgDiagramacao_Um_mundo_para_of_filhos [ebook]

    Um Mundo para os Filhos

    © 2022 by D. C. Bacellar

    © 2022 by Bookerang

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998.

    Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

    Editor

    Danilo Barbosa

    Diagramação e Capa

    Renato Klisman

    Revisão

    Erick Gabriel

    B117 Bacellar, D.C.

    Um mundo para os filhos / D.C. Bacellar. Rio de Janeiro: Editora Bookerang Ltda,

    2022, 96 p.

    ISBN: 978-65-84587-07-6

    1. Não ficção Brasileira 2. Política 3. Preconceito 4. Mudanças históricas

    I. Título II. Autor

    CDD: 306.85CDU: 82-3

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    Rio de Janeiro

    2022

    Diagramacao_Um_mundo_para_of_filhos [ebook]2

    Para Ivan, Neuza, Vanessa e Juliana.

    PARTE I

    NATURALIZAÇÃO

    Outubro de 2000 – Samyr

    Tudo que eu queria era dar uma vida melhor aos meus filhos.

    Eu me lembro do dia em que a Sabrina nasceu como se fosse ontem. Ela chegou no berçário da maternidade chorando a plenos pulmões. O peito subindo e descendo enquanto os pezinhos minúsculos balançavam no ar. Eu devia ter previsto que ela herdaria o timbre alto de voz das mulheres da minha família.

    Ela foi um bebê muito risonho e sorridente. Abria um bocão pra qualquer pessoa. Foi uma criança hiperativa antes mesmo deste termo entrar na moda. Deu muito trabalho, mas valeu a pena, pois ela se tornou uma jovem linda, inteligente, corajosa, destemida e com um futuro brilhante pela frente.

    Ton, ao contrário da irmã, nasceu tão quietinho que o médico teve que bater nele para fazê-lo chorar. Também dava pra prever que ele seria o mais introspectivo da família. Desde pequeno sempre foi muito tímido, mas dentro do mundo particular dele, ele era uma criança muito criativa.

    Quer entreter o Ton? Dê um papel e uma caixa de lápis-de-cor pra ele. O menino fica horas desenhando. Com certeza a sensibilidade do meu filho ainda o trará muito sucesso, mas eu admito que ele é com quem mais me preocupo. O mundo pode ser muito cruel com almas tão sensíveis como a dele. Independentemente de qualquer coisa, eu só quero que ele seja feliz.

    Eu amo meus filhos mais do que tudo e seria capaz de dar a minha vida por eles. Desde a primeira vez que os segurei em meus braços eu soube que eram parte de mim. O objetivo da minha vida se tornou cuidar do bem-estar deles. Ter certeza de que nada ruim jamais acontecesse.

    Mas certas coisas são independentes à vontade dos pais. Como eu costumava dizer a minha querida Catarina A gente cria os filhos para o mundo. Mesmo assim, eu daria minha vida pela felicidade deles. Infelizmente, eu perdi essa moeda de barganha.

    Agora, tudo que eles tem é a mãe, Catarina. Como eu amo essa mulher. Eu espero que ela me perdoe por arruinar nossos planos.

    Em alguns anos nossos filhos já estariam maiores e seriam capazes de cuidar de si mesmos. Então, nós nos mudaríamos de vez para a nossa casinha lá em Nova Friburgo. Aproveitaríamos nossa aposentadoria deitados juntos numa rede na varanda, lendo um livro, debaixo do cobertor. Quem sabe com uma caneca de chocolate quente?

    No verão, ela viria me passar protetor solar nos ombros enquanto eu cuidasse do jardim. A gente poderia abrir um vinho de noite e fazer amor no tapete da sala, ao som dos estalos da lareira. Depois, quando o fogo apagasse, a gente ia adormecer nos braços um do outro, ouvindo o barulho da água do riacho.

    Eu planejei. Espero que ela me perdoe.

    Eu espero também que a minha partida os una ainda mais. Eu sei que será difícil pra minha família, mas eu rezo para que eles sejam fortes. Eu parto deixando uma situação bem confortável e praticamente dois adultos pra ajudar minha esposa nessa próxima fase da vida.

    A Sabrina já está com vinte anos. Vai terminar o supletivo e entrar pra faculdade, ou vai seguir o conselho da mãe e fazer um curso de aeromoça. Ela é alta e tem porte, além de ter puxado os traços sírio-libaneses da minha família. Ela também é rápida e esperta. Pode ser uma grande aliada da mãe.

    O Ton está com dezesseis, mas é um rapaz muito sensato. Daqui a pouco termina o ensino médio e também entra para a faculdade. Nós tivemos momentos muito bons de pai e filho, mas ele sempre foi mais apegado a mãe. Acho que nós dois pensávamos que teríamos mais tempo no futuro para nos conhecermos melhor.

    O problema não foi o câncer. O médico disse que ele era benigno e facilmente removível. Quem poderia adivinhar que eu teria uma embolia pulmonar no final da cirurgia? Eles até tentaram me salvar. Fiquei uma semana no CTI com o oxigênio quase a 100%, mas naquela manhã de outubro o corpo não aguentou.

    Vou sentir saudade das refeições em família na mesa de jantar, das sessões de filmes alugados e das viagens de carro até a Serra. Mas também vou sentir saudade da má vontade pra fazer o dever de casa, do chão do banheiro todo molhado e até de nunca terem deixado da salada de Natal da Catarina pra eu repetir. Acredito que eles também vão sentir a minha falta. Espero ter feito um bom trabalho até aqui.

    Como eu disse, tudo que eu queria era dar a melhor vida possível aos meus filhos.


    Fevereiro de 2001 – Sabrina

    Cara, eu juro que eu não engravidei de propósito. Na verdade, essa foi a primeira vez que o Claudio e eu transamos desde a morte do meu pai. Eu andava sem vontade e fiquei um mês sem fazer nada. Mas aí, naquela noite em que a gente estava sozinho, eu comecei a chorar, e ele veio me consolar. Uma coisa levou a outra, e a gente não usou camisinha.

    A minha mãe vai me matar! Isso não podia ter acontecido num momento pior. Eu vou fazer as provas finais com um barrigão. Eu não acredito! Como eu vou contar isso pra dona Catarina? Ainda mais depois dela me aterrorizar com as histórias das alunas dela que engravidaram muito jovens.

    Ela já tá ficando desconfiada dos meus enjoos matinais, e outro dia perguntou se eu parei de fumar. O Ton bem que me avisou pra contar logo. O pirralho disse que quanto mais eu esperar, pior vai ser. Ele também disse que este bebê pode acabar sendo uma coisa boa. Quem sabe um netinho não alegra um pouco a vida da mamãe? Deus sabe o quanto ela ainda tá triste por causa do papai.

    E quem não ficaria, né? Acho que é normal ficar mal durante um tempo. Ela perdeu o grande amor da vida dela, o homem com quem ela achou que ia ficar velhinha. Meu pai morreu muito cedo. Ele só tinha 54 anos. Se não fosse a embolia, ele podia tranquilamente ter vivido por mais trinta anos.

    Como eu queria que ele tivesse aqui agora. É óbvio que ele não ia gostar de saber que a filhinha dele engravidou do namorado, mas com certeza ele ia me dar todo o apoio. A gente sempre teve uma ligação especial. Ele me chamava de luazinha porque o meu sorriso iluminava até a noite, mas meu irmão me sacaneava dizendo que era por causa das crateras de espinhas na minha cara.

    Bom, ele se deu mal! A adolescência dele está sendo bem mais escrota do que a minha. E agora que tá nascendo uns pelos desgrenhados no queixo dele, vai ficar pior ainda. Mas pelo menos ele tem me dado uma força com o lance da gravidez. Não sei como, mas ele conseguiu guardar este segredo da mamãe até agora! Mesmo assim, é melhor eu não demorar. Só Deus sabe até quando ele vai conseguir ficar com a boca fechada.

    Ontem eu contei pro Cláudio, mas a reação dele me deixou com o pé atrás. Primeiro ele ficou branco como se tivesse visto um fantasma. Depois, ele gaguejou que vai me assumir e a criança. Eu juro que dava pra ver a veia no meio da testa dele saltando pra fora. A gente namora há menos de dois anos e nenhum de nós dois planejava ter um filho agora.

    O Ton me disse pra ser otimista e ter um pouco de fé. Vou deixar o Cláudio digerir a notícia, contar pra família dele e ver se ele se anima. Mesmo porque eu preciso do apoio dele pra contar pra minha mãe. Ela nunca gostou dele, então eu acho que ela vai surtar!

    Ela sempre falou mal das minhas amigas, dizendo que elas não prestavam, que eram más companhia. Bom, agora ela vai descobrir que a filha dela é que não era boa companhia para ninguém. Eu preciso parar de brincar. É sério! Ela vai me matar.


    Abril de 2001 – Ton

    Eu acho errado chamar de opção sexual. Ninguém opta por ser gay. E se eu pudesse escolher, com certeza não seria. Como eu queria me sentir atraído por uma garota! Começar a namorar, depois casar, ter filhos, e viver uma vida normal. Eu acho que seria muito mais fácil. Pelo menos eu não seria tão zoado no colégio. Aquele lugar é um inferno!

    Passei um tempo achando que Deus estava me punindo, especialmente depois que meu pai me explicou o conceito de karma dentro do espiritismo. Eu achei que tinha feito alguma coisa errada numa vida passada, e tinha que pagar nesta.

    Eu não sinto nenhum orgulho em ser gay. Na verdade, ainda sinto um pouco de vergonha. É como se, quando uma pessoa sabe que você é gay, a primeira coisa que ela faz, é te imaginar transando. E eu morro de medo do que as pessoas vão pensar.

    Depois que eu contei pra minha mãe, ela pediu pro meu padrinho conversar comigo. Ele me disse que ela se culpava. E eu não entendo como ela acha que a culpa pode ser dela. Ela não fez nada de errado!

    Meu padrinho também me aconselhou. Disse que eu até posso ser gay, mas que não preciso contar pra ninguém. Falou que depois que você se assume, nunca mais tem uma chance de ser feliz. Foi bem enfático quando disse que o melhor a se fazer é manter este meu lado em segredo.

    Mas eu não acho que consigo viver com essa espada pendurada sobre a minha cabeça. Não consigo

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