Cidadania Militar
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Acredita-se que a ditadura militar, (que deixou profundas marcas e feridas ainda abertas na sociedade brasileira) é a razão de os constituintes estabelecerem rígidas condições para o pleno exercício da cidadania aos militares brasileiros. Atualmente, há uma geração de militares que não vivenciaram nem protagonizaram os episódios históricos do regime militar, mas que são submetidos às regras restritivas do pleno exercício da cidadania, motivadas talvez em retaliação a atos que não cometeram. O ideal de justiça tem sido alcançado nesta forma de tratar o cidadão militar? O tribunal de Nuremberg, por exemplo, condenou os generais de Hitler por crime contra a humanidade. Era de se esperar que as autoridades brasileiras, respirando o atual Estado democrático de Direito, adotassem semelhante medida, enquanto alguns dos protagonistas do regime militar ainda vivem; caso contrário, restará apenas a condenação dos fantasmas do passado e aos militares do presente, o injusto legado de uma cidadania de segunda categoria.
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Book preview
Cidadania Militar - Celso de Assis Jardim da Silva
Agradecimentos
Ao concluir este importante trabalho, cujo tema tem sido objeto de muitas reflexões e inquietações, sinto-me profundamente devedor a meu Deus, que me emprestou uma porção de Seu fôlego de vida e me acompanhou nas madrugadas quando a cidade dormia e eu me ocupava em minhas pesquisas. À minha estimada esposa Francineide Aires, pela solicitude e compreensão quando tive que me privar de cumprir a agenda social e familiar, a fim de fazer uso do tempo para a produção das páginas que adiante se seguem.
Ao Prof. Ms Tercius Zychan de Moraes, meu orientador, pelas oportunas e sábias sugestões e incentivo em me manter no foco. Desde o começo, você enfatizou a importância do tema escolhido e a necessidade de exaustiva pesquisa que iria exigir.
Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei e os profetas
.
(Yeshua Ben Yossef)
Resumo
O presente trabalho tem por finalidade comprovar, através de uma análise crítica de aspectos do texto Constitucional que inaugurou o Estado Democrático de Direito da nação brasileira, que há inaceitáveis distorções quanto ao trato dos direitos políticos de civis e militares, comprometendo o seu ideal como guardiões da cidadania. A abordagem faz uso do método hipotético-dedutivo, fundamentado em uma exaustiva pesquisa bibliográfica, com fontes reais e virtuais, bem como com entrevistas através de e-mails. Espera-se que, a partir do conceito de cidadania e se delimitando uma parcela de direitos conferidos aos militares pela atual carta política dita cidadã
, fique demonstrado a ofensa ao princípio da Isonomia. Isso é devido ao fato de que a cidadania se encontra consideravelmente relativizada quando confrontados os referidos direitos com aqueles correspondentes, atribuídos aos demais cidadãos. Portanto, faz-se um breve resgate histórico da cidadania do povo brasileiro, comprovando-se um conceito, ainda em desenvolvimento, em que se pese a importante contribuição da atual Constituição. Investiga-se, também, um possível caráter revanchista
no animus dos Constituintes responsáveis, que foram a de instaurar uma nova ordem jurídica pós-ditadura militar. Para tanto, busca-se na hermenêutica a investigação e constatação desse caráter. Conclui-se que os dispositivos da atual Constituição, garantidores dos direitos de cidadania, devam ser revistos a fim de que as desigualdades aqui enfatizadas possam ser sanadas.
Palavras Chave: Cidadania; Constituição; Direitos Políticos; Igualdade; Militares.
Abstract
This study aims to prove there are unacceptable distortions regarding the treatment of civil and military political rights, portraying a critical analysis of aspects of the Constitutional text that inaugurated the Brazilian Legal Democratic State. Such a situation compromises its ideal to be a citizenship guardian. The approach employees the hypothetical-deductive method, based on exhaustive bibliographic research in real and virtual sources, as well as an interview made through e-mails. Based on the concept of citizenship and delimiting a portion of rights granted to the military by the current constitution which is called citizen
, it is expected to demonstrate the offense against the principle of Isonomy, since their rights are considerably relative when in comparison to other citizens’. A brief historical review of the citizenship of the Brazilian people is made, proving that such a concept (citizenship) is still in development, despite the important contribution of the current Constitution. A possible revanchist
character is investigated in the animus of the Constituents responsible for establishing a new legal order after the military dictatorship. Therefore, the investigation and verification of this character is sought in hermeneutics. It is concluded that the provisions of the current Constitution that guarantees citizenship rights should be reviewed so that the inequalities emphasized here could be solved.
Keywords: Citizenship; Constitution; Political Rights; Equality; Military.
1. Introdução
A tese que se pretende demonstrar com este trabalho é que, com a atual Constituição, procurou-se estabelecer uma nova ordem jurídica, erigida dos escombros da chamada ditadura
militar que evitasse a retomada legítima dos militares ao governo do Estado Brasileiro. Visando dificultar ou impedir um futuro governo militar, os Constituintes estabeleceram, em nosso ordenamento jurídico, dispositivos que delimitam a participação política dos militares, criando assim uma cidadania de segunda categoria.
Para tanto, aborda-se inicialmente o que se entende por cidadania, a fim de se estabelecer em qual aspecto será considerada quando atribuída aos militares. No capítulo seguinte, discorrer-se-á sobre os métodos de interpretação jurídica aplicáveis na investigação da mens legislatoris, que motivou os Constituintes na definição dessa cidadania específica.
Já no terceiro capítulo, passa-se a considerar os dispositivos constitucionais que impedem a sindicalização e a greve; que agregam o militar candidato a cargo eletivo; estabelecendo a perda da condição de militar ao candidato militar eleito que não pode mais voltar a assumir essa condição no fim de seu mandato. Entre outros aspectos, acredita-se que essas são formas de desestimular o protagonismo militar no cenário político pátrio.
Conclui-se, então, que tais disposições manifestam o espírito revanchista que permeia a constituição brasileira face à ditadura
militar. Procura-se demonstrar tal conclusão através da aplicação dos métodos de interpretação jurídica: sistemático ou orgânico, e histórico-evolutivo. Para tanto, faz-se uma breve análise do momento histórico vivenciado pelos Constituintes, bem como um estudo comparativo das disposições aplicáveis aos servidores civis e militares, a fim de se embasar a tese a que este trabalho se propõe.
Uma questão que se levanta é se a atual Constituição promove de fato a cidadania de todos os brasileiros. Tão festejada com o rol de direitos fundamentais de seu extenso artigo 5°, a Constituição de 1988, vista sob o viés do tratamento dado aos servidores militares, percebe-se que importantes aspectos dos direitos constituintes da cidadania (civis, sociais e políticos) lhe são negados. A pesquisa bibliográfica realizada encontrou muitas dificuldades, em face da escassez de estudos desta natureza.
2. O que é cidadania?
Necessário se faz, portanto, conceituar o que se entende por cidadania, haja vista a diversidade de enfoques que se pode atribuir ao termo. Segundo o constitucionalista Dalmo de Abreu Dallari:
Na Grécia antiga, a expressão cidadão
indicava apenas o membro ativo da sociedade política, isto é, aquele que podia participar das decisões políticas. Juntamente com os cidadãos que compunham a polis ou a Cidade-estado, os homens livres não-dotados de direitos políticos e os escravos. Já existe aí um vislumbre de noção jurídica, pois quando se fala no povo de Atenas só se incluem nessa expressão os indivíduos que têm certos direitos. (DALLARI, 2005, p.96-97).
Assinala ainda Dallari que em Roma, inicialmente, o conceito grego de povo como um conjunto de cidadãos foi posteriormente substituído para significar o próprio Estado romano. Sendo possível, assim, constatarmos uma conotação jurídica, em virtude de a qualidade de cidadão envolver a titularidade de direitos políticos. A ideia de povo continuou sofrendo alterações ao longo da história, até chegar ao conceito moderno, que não se confunde com o conceito grego marcado basicamente pela extensão dos direitos públicos a um contingente muito numeroso de componentes do Estado.
Observa ainda Dallari que Rousseau, em nota ao Capítulo VI, do Livro I de O