A Morte
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About this ebook
Maria Filomena Mónica
Maria Filomena Mónica nasceu em Lisboa em 1943. Licenciada em Filosofia pela Universidade de Lisboa, 1969, e doutorada em Sociologia pela Universidade de Oxford, 1978. Actualmente, é investigadora emérita do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Autora de artigos na imprensa periódica e de séries para a televisão. Entre outros, publicou os seguintes livros: Educação e Sociedade no Portugal de Salazar (1978); Visitas ao Poder (1993); Vida Moderna (1997); Os Filhos de Rousseau (1997); Eça de Queirós (2001); Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834/1910 (organização, 2004); Bilhete de Identidade (2005); D. Pedro V (2005); Cesário Verde (2007); Fontes Pereira de Melo (2009); Os Dabney: Uma Família Americana nos Açores (organização, 2009); Vidas (2010), Os Cantos (2010) e A Morte (2011).
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Book preview
A Morte - Maria Filomena Mónica
Agradecimentos
Ao António, meu marido e presidente do Conselho de Administração da Fundação Francisco Manuel dos Santos, por me ter convidado para escrever uma obra que ambos sabíamos polémica. À M. Fátima Bonifácio, que a considerou não só importante, mas, o que é mais surpreendente, bem organizada. E, por fim, ao António Araújo, director desta colecção, capaz de debater, com o mesmo ar, problemas éticos e pormenores ínfimos. Antes de publicar este ensaio, pensei mostrá-lo a alguns médicos, mas acabei por não o fazer, por desejar manter-me como cidadã, o que seria difícil, caso me pusesse a analisar os diferendos que atravessam o mundo clínico.
In headaches and in worry
Vaguely life leaks away,
And Time will have his fancy
To-morrow or to-day.
W. H. AUDEN
Uma das questões mais controversas do nosso tempo é a de saber se poderemos escolher o momento da nossa morte. O assunto tem sido discutido nos Estados Unidos e em alguns países europeus, mas pouco ou nada em Portugal. Em tempo de crise, os meus compatriotas estão mais ocupados a tratar da vida do que da morte, o que tem como corolário deixar o nosso fim nas mãos dos políticos, dos padres e dos médicos. Uma atitude perigosa.
No que me diz respeito, só pensei no assunto em dois momentos: durante a infância e aquando da morte da minha mãe. Nem o desaparecimento do meu pai, ocorrido dezassete anos antes, nem o da minha avó, de quem tão próxima me sentira, tiveram sobre mim um efeito semelhante. Claro que sabia que ela, a morte, existia, mas não dava ao facto a menor importância. Hoje, dia em que faço 68 anos, é o momento ideal para abordar o tema. Mais uma vez, começo pela minha experiência, esperando conseguir elevar-me, com base nela, a uma perspectiva geral. Quero saber se, do ponto de vista moral, se justifica que, a pedido, um médico, ou outro indivíduo, ponha fim à vida de alguém.
A ideia da morte chegou-me por via do catecismo. Fosse pelo meu feitio exibicionista ou por os «retiros» serem assustadores, teria oito anos quando dei comigo a meditar sobre o destino após a morte. Iria para o Inferno, onde desembocavam as meninas malcomportadas, ou para o Céu, onde permaneceria ao lado das virgens mártires? Queria uma resposta, mas, à minha volta, ninguém parecia interessado em fornecer-ma. Aos nove anos foi-me dito que, se desse um pontapé num pão – não percebi imediatamente a relação entre o alimento e a hóstia –, acabaria no Inferno, onde padeceria o tormento de ficar imobilizada por toda a eternidade. Antes de cometer o pecado, decidi experimentar o castigo, a ver se compensava as dores. Durante várias noites, mantive uma perna, imóvel, fora dos lençóis, até que apanhei uma gripe. A minha mãe desconfiou da coisa, tendo decidido espreitar o que, depois de apagada a luz, andaria a planear. No final, tanto me maçou com perguntas que fui obrigada a revelar-lhe tudo, o que fez com que, no dia seguinte, as freiras tivessem levado um raspanete. Ao contrário da professora de Religião e Moral, a minha mãe não era tonta.
Meses passados, fui com o meu pai ao Museu Nacional de Arte Antiga, tendo escolhido como quadro favorito «Inferno», uma tela do século XVI, onde se podem ver homens fritos dentro de um caldeirão, mulheres nuas amarradas com cordas e um Lúcifer com o rosto coberto por uma máscara animalesca. Tentando arrancar-me àquela contemplação, por a considerar nefasta, o meu pai garantiu-me não ser ele o meu destino, uma vez que era uma menina bem-comportada, facto comprovado pelo vestido de piquê branco que envergava.
Mas os meus progenitores não conseguiram pôr termo à minha obsessão com o Inferno. Se, em casa, não falava no assunto, no colégio gozava de amplas oportunidades para sobre ele discorrer. Lera, no catecismo, que «as pessoas que não querem nem obedecem a Deus vão para o Inferno». Era, então, verdade. Fascinada, continuei a folhear o livrinho, onde se explicava a forma como Deus perdoava os pecados: «Deixou-se matar e ofereceu a sua vida a seu Pai para Ele nos perdoar.» A conclusão era óbvia: se pretendia, e pretendia, ir para o Paraíso – não desejava ir para o Limbo, um local que à época ainda existia, nem para o Purgatório, por mim visto como uma sala de espera de um consultório –, o melhor era tornar-me uma mártir, como a santa minha homónima, coisa que escrevi no verso de um «santinho», o que levou a que fosse chamada à sacristia pelo jesuíta que nos orientava no caminho da Salvação. Franzindo o sobrolho, o sacerdote explicou-me ser demasiado nova para fazer tal promessa, após o que me confidenciou que, no século XX, ser-se mártir era mais difícil do que no tempo dos Romanos. De uma coisa estava eu certa: sem a contemplação das chamas infernais, a possibilidade de vir a desembarcar no Paraíso parecia-me remota. Até que a Graça decidiu abandonar-me. Depois de ter sido expulsa da Igreja, por ter dito, no confessionário, não acreditar no mistério da Transubstanciação, a obsessão com a morte desapareceu. Durante anos, nunca mais pensei