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A Sociedade Civil
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A Sociedade Civil

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Uma sociedade civil robusta é condição essencial para o aprofundamento da democracia. Através de uma reflexão sobre a história europeia, este ensaio mostra como a sociedade civil emergiu a par de Estados fortes, parlamentos poderosos, partidos políticos mobilizadores e em contextos de revolução social democrática. Numa época de corrosão destas instituições pelo mercado desregulado e por organizações tecnocráticas, apenas através da revitalização de uma sociedade civil que dê voz ao cidadão comum e aos grupos com menos recursos será possível defender a democracia.
LanguagePortuguês
Release dateMar 1, 2016
ISBN9789898819871
A Sociedade Civil
Author

Tiago Fernandes

Tiago Fernandes é professor auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Doutorou-se no Instituto Universitário Europeu, em Florença (2009), e foi investigador visitante das universidades de Princeton e de Notre Dame (Kellogg Institute) e da Fundación Juan March (Madrid). Publicou vários artigos e livros sobre regimes autoritários, sociedade civil e revoluções. Recebeu o Prémio Gulbenkian para o melhor artigo em ciências sociais (2009-2010).

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    A Sociedade Civil - Tiago Fernandes

    Agradecimentos

    Ao longo dos anos tenho discutido e apresentado o meu trabalho sobre sociedade civil em várias instituições e conferências. Recebi sempre encorajamento e crítica de inúmeros colegas e amigos. Seria impossível agradecer aqui a todos. Mas este livro não seria possível sem as seguintes pessoas: Philippe Schmitter e Donatella Della Porta, meus orientadores de doutoramento em Florença, que procuraram ensinar-me a pensar de forma autónoma; Victor Perez-Diaz, em Madrid, foi um interlocutor céptico e generoso; Pedro Tavares de Almeida, na Universidade Nova de Lisboa, não só me introduziu à literatura clássica sobre sociedade civil mas apoiou-me mesmo quando discordámos profundamente; Michael Bernhard, Rui Branco e Andy Gould, colegas exigentes e estimulantes; e nos dois anos em que trabalhei no Kellogg Institute, Robert Fishman foi um colega, professor e amigo – a mensch.

    João Cancela traduziu este livro do inglês, melhorando no processo o meu português. E a António Araújo queria agradecer o convite para escrever este ensaio e sobretudo a paciência bem-humorada pelos meus constantes atrasos.

    Introdução

    Foi a partir de finais do século XVIII que, na Europa Ocidental, a acção colectiva se começou gradualmente a organizar através de associações voluntárias. Em períodos anteriores, a acção colectiva tinha-se expressado principalmente através de redes sociais como clãs, famílias alargadas, comunidades locais, facções aristocráticas, diásporas étnicas ou grupos religiosos. E é certo que já tinham existido formas de proto-associações, como as guildas (corporações de ofícios) nas cidades renascentistas ou os grupos calvinistas da Reforma protestante. Contudo, foi a partir da Revolução Francesa que a acção colectiva se tornou progressivamente associativa. Tal como observou Alexis de Tocqueville, a arte da associação constituiu o traço distintivo da época moderna.

    Esta nova situação foi gerada por profundas mudanças sociais e políticas. A emergência do capitalismo e os processos de industrialização e urbanização estimularam o aparecimento de novos grupos sociais, como a burguesia, e mais tarde, o proletariado, e de novas categorias profissionais e sectores económicos. A expansão das funções administrativas e coercivas do Estado conduziu a maiores pressões para a extracção de recursos das populações (através dos impostos), o que, por sua vez, estimulou a contra-organização de movimentos populares, que rapidamente adquiriram âmbito nacional. As associações eram dispositivos muito mais apropriados para estes fins do que as comunidades tradicionais, que tinham uma base local. E a própria Revolução Francesa, ao criar a dicotomia moderna entre esquerda e direita, contribuiu para que se superassem as lealdades decorrentes dos laços familiares e para que a propensão associativa se fundasse em pilares ideológicos.

    As associações voluntárias, ou o que comummente é denominado «Sociedade Civil», são decisivas para o aprofundamento da democracia. A este respeito podem cumprir várias funções: organizando de forma clara os interesses; tornando a acção das autoridades passível de escrutínio; estabelecendo laços de confiança entre cidadãos; e fomentando um debate público mais inclusivo, racional e deliberativo. Porém, o aspecto mais fundamental são as possibilidades que se oferecem aos cidadãos comuns. Se aceitarmos a noção de que o princípio es­sencial da democracia é a igualdade política – a possibilidade de todos os grupos e indivíduos terem oportunidade de expressar os seus interesses na arena pública e de estes serem contemplados equitativamente pelas autoridades – o papel da sociedade civil deve ser avaliado a esta luz.

    A qualidade da democracia será ampliada na medida em que forem reduzidas as desigualdades de expressão, participação e organização dos grupos sociais com menos recursos. Nas democracias de massas, caracterizadas por amplas desigualdades estruturais assentes no rendimento, no património, no género, na raça ou na religião, só a capacidade de organização colectiva garante a protecção dos cidadãos que compõem as classes médias e trabalhadoras. Deste ponto de vista, afigura-se crucial a existência de organizações sólidas de massas (como sejam sindicatos, cooperativas ou movimentos de mulheres) que representem os pobres, os excluídos e as maiorias não organizadas, assegurando assim que os interesses destes grupos são tidos em consideração pelos governos e pelas instituições.

    Sob este prisma, a situação das democracias contemporâneas é inquietante. Desde o final da década de 1970, tendências económicas, sociais e políticas ao nível global têm fragilizado a sociedade civil de raiz popular. O processo de europeização favoreceu a concentração das decisões por peritos e tecnocratas, considerada uma forma de decisão preferível à tradicional participação das massas. No entanto, este processo tende a ser intrinsecamente apolítico – guiado por critérios técnicos supostamente imparciais e objectivos, onde as pressões e interesses populares não devem ter impacto. Mais ainda, o Acto Único Europeu de 1986 levou a que os projectos da então Comunidade Económica Europeia passassem a ser, fundamentalmente, a criação de um mercado comum e a difusão de políticas de desregulação e liberalização económicas. O efeito destas políticas foi o fortalecimento das associações de elite face às organizações de representação de trabalhadores, assalariados e dos grupos populares em sentido amplo.

    O declínio das instituições representativas, como os parlamentos ou os partidos políticos, em favor daquilo a que Robert Dahl, assim como Philippe Schmitter e Alexander Treschel, designaram por «instituições guardiãs» (compostas por técnicos) é assim uma tendência alarmante. Estas instituições, cuja legitimidade assenta em pressupostos que favorecem uma administração tecnocrática e oligárquica, incluem os bancos centrais, a burocracia da União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, empresas de consultoria e redes várias de «especialistas» em políticas públicas. Estas instituições diferem em aspectos fulcrais de formas anteriores de burocracia. Qualquer democracia pressupõe a existência de estruturas não eleitas das quais emanam decisões relevantes para a vida quotidiana: o sistema judicial, as forças armadas, as polícias e a administração pública. Mas todas estas instituições foram historicamente controladas e supervisionadas por executivos e parlamentos. A situação actual distingue-se na medida em que o novo estatuto das «instituições guardiãs» implica que sejam impermeáveis ao controlo popular. São apenas critérios técnicos que devem guiar as políticas públicas e as decisões dos governos. Isto deteriora as instituições representativas e enfraquece os partidos políticos, que se apresentam assim menos relevantes nos processos de tomada de decisão e indistinguíveis no plano programático.

    A importância crescente das estratégias de marketing e da televisão nas campanhas políticas foi outra transformação que contribuiu para o declínio das instituições representativas e das organizações de massas. O uso destes meios favorece a centralização do poder num círculo estreito, permitindo assim que a comunicação emane de um único centro nacional. Se antes as mensagens circulavam a partir dos quadros das organizações partidárias, passando necessariamente pela intermediação de activistas com raízes e implantação local, hoje os líderes nacionais ganharam uma autonomia significativa face a estes actores, perdendo assim o interesse em mobilizar membros e simpatizantes através da activação de vínculos com organizações de massas como sindicatos ou cooperativas. Os partidos movem-se assim para o centro e privilegiam estratégias assentes em margens de vitória estreitas, o que leva à desmobilização eleitoral (basta assegurar um número suficiente de eleitores e não o maior volume possível) e à despolitização de temas relevantes para a população em

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