Lisboa em Metamorfose
By João Seixas
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João Seixas
João Seixas é professor e investigador na NOVA FCSH nas áreas das cidades e metrópoles, da política e do desenvolvimento urbano e regional. Doutorado em Geografia pela Universitat Autónoma de Barcelona, Mestre em Urban and Regional Studies pela London School of Economics. Foi comissário da Carta Estratégica de Lisboa, coordenador da reforma político‐administrativa da capital portuguesa, curador da exposição “Futuros de Lisboa” e consultor do programa URBACT da Comissão Europeia. Autor de diversos livros e artigos sobre cidades e desenvolvimento urbano. É administrador da livraria Ler Devagar.
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Lisboa em Metamorfose - João Seixas
Lisboa em Metamorfose João Seixas
Lisboa é uma cidade com um vasto lastro histórico, hoje grande região urbana, plena de quotidianos e de interdependências às mais diversas escalas. Com um posicionamento sempre vagueante, em múltiplos tabuleiros, entre centro e periferia, cosmopolitismo e localismo, desenvolvimento e crise. Após cinco décadas de explosão metropolitana, completa agora uma década de transição. Para tempos novos e ainda incertos.
Este ensaio propõe uma reflexão analítica e interpretativa da evolução contemporânea de Lisboa. Observa o passado, o presente — em movimento — e os múltiplos desafios colocados à cidade. Uma economia produtiva, social, redistributiva e circular, comunidades coesas e solidárias, habitats e mobilidades acessíveis, qualificados e ecológicos. Entre extraordinárias potencialidades e exasperantes fragilidades, Lisboa encontra-se, de novo, em metamorfose.
Na selecção de temas a tratar, a colecção Ensaios da Fundação obedece aos princípios estatutários da Fundação Francisco Manuel dos Santos: conhecer Portugal, pensar o país e contribuir para a identificação e para a resolução dos problemas nacionais, assim como promover o debate público. O principal desígnio desta colecção resume-se em duas palavras: pensar livremente.
JoaoSeixas.jpgJoão Seixas Professor e investigador na NOVA FCSH nas áreas das cidades e metrópoles, da política e do desenvolvimento urbano e regional. Doutorado em Geografia pela Universitat Autónoma de Barcelona, Mestre em Urban and Regional Studies pela London School of Economics. Foi comissário da Carta Estratégica de Lisboa, coordenador da reforma político-administrativa da capital portuguesa, curador da exposição Futuros de Lisboa
e consultor do programa URBACT da Comissão Europeia. Autor de diversos livros e artigos sobre cidades e desenvolvimento urbano. É administrador da livraria Ler Devagar.
João Seixas
Lisboa em Metamorfose
Ensaios da Fundação
logo.jpgLargo Monterroio Mascarenhas, n.º 1, 7.º piso
1099-081 Lisboa
Portugal
Correio electrónico: ffms@ffms.pt
Telefone: 210 015 800
Título: Lisboa em Metamorfose
Autor: João Seixas
Director de publicações: António Araújo
Revisão de texto: João Pedro Vala
Validação de conteúdos e suportes digitais: Regateles Consultoria Lda
Design e paginação: Guidesign
© Fundação Francisco Manuel dos Santos, João Seixas, Agosto de 2021
Livro redigido com o Acordo Ortográfico de 1945.
As opiniões expressas nesta edição são da exclusiva responsabilidade do autor e não vinculam a Fundação Francisco Manuel dos Santos.
A autorização para reprodução total ou parcial dos conteúdos desta obra deve ser solicitada ao autor e ao editor.
Edição eBook: Guidesign
ISBN 978-989-9064-07-2
Conheça todos os projectos da Fundação em www.ffms.pt
Prefácio
Parte I. Lisboa
Parte II. Explosão
Parte III. Transição
Horizonte
Para saber mais
Agradecimentos
Prefácio
Este livro apresenta uma reflexão em torno da evolução contemporânea de Lisboa. Uma cidade com um vasto lastro histórico, hoje grande região metropolitana, plena de quotidianos e de interdependências, às mais diversas escalas. Com um posicionamento sempre vagueante, em múltiplos tabuleiros, entre centro e periferia, cosmopolitismo e localismo, desenvolvimento e crise. Entre extraordinárias possibilidades e exasperantes fragilidades. E que, nas décadas mais recentes, entrou num activo processo de transformação, correspondendo a mudanças de ordem global e a especificidades de âmbito local. Tendo-se desdobrado em muitas cidades, primeiro através de um fortíssimo processo de explosão e, mais recentemente, num tão desejado como desequilibrado movimento de transição. Para novos horizontes, com estimulantes possibilidades mas também com reforçadas preocupações. Gradualmente se assumindo, como a maioria das suas congéneres, não apenas palco, mas também protagonista das dramaturgias da humanidade e do planeta.
Tratando-se de um ensaio, o livro é uma reflexão aberta, objectiva e descritiva sempre que necessário, mas sobretudo analítica e interpretativa. Desenvolvida de forma polifónica, numa sobreposição de diversas estruturas e escalas de composição. Porque reflectir sobre Lisboa é, desde logo, reflectir sobre cidade — talvez a mais complexa construção colectiva da humanidade, espaço fascinante e paradoxal onde se desenvolvem, tantas vezes em simultâneo, das mais extraordinárias realizações às piores injustiças. E cuja genética, substância e pulsares se encontram, surpreendentemente, ainda relativamente desconhecidos. Talvez porque olhar a cidade implica abrir a reflexão, em simultâneo, a múltiplos campos do conhecimento — da geografia à economia, do urbanismo à arquitectura, da sociologia à cultura, da ecologia à política.
Por seu lado, reflectir sobre a evolução recente de Lisboa aumenta a complexidade da observação. Porque a cidade tem estado a mudar, e de forma considerável. A humanidade tem-se tornado crescentemente urbana, e parece cada vez mais claro que será através da transformação dos sistemas e metabolismos das cidades que se decidirá parte significativa das grandes questões contemporâneas — da inovação, da produtividade e da redistribuição económica; à transição energética, ao consumo de recursos e à gestão ecológica; da diminuição das vulnerabilidades e das desigualdades; às próximas dinâmicas de coesão social, de solidariedade, de vida comunitária; das novas expressões da cidadania, ao renascimento da democracia.
As próprias ciências e bases de conhecimento que estudam e interpretam a cidade encontram-se em importante mutação. O que nos exige uma reforçada dedicação, a par de uma redobrada prudência. Que não sejamos nem apocalípticos nem integrados.
Reflectir sobre Lisboa é, ainda, reflectir sobre Portugal, sobre a sua história, as suas capacidades, fragilidades e perspectivas. Sobre a forma como a sociedade, a cultura e a política portuguesas entendem e interpretam as suas cidades e os seus territórios. E como a ‘capital’, tantas vezes sobranceira de si própria, e a sua grande região, crescentemente aglutinadora, se posicionam perante as questões urbanas.
Finalmente, este é um exercício que se desenvolve em plena crise pandémica. Uma crise sistémica global, fortemente impactante nas cidades e nas metrópoles. Potencialmente aceleradora de múltiplas tendências anteriores — positivas e negativas — mas também com significativas capacidades transformadoras, ou mesmo disruptivas. Sendo ainda consideravelmente incerto saber para onde mais penderão os caminhos de futuro, por entre aprendizagens, inovações, obstáculos e reincidências.
O processo de metamorfose de um organismo envolve não apenas a transformação das suas formas, mas também do seu próprio carácter. Sem deixar de ser, contudo, o mesmo ser. Nas palavras de António de Castro Caeiro, «a cidade metamorfoseia-se porque é diferente mas é também a mesma. As metamorfoses sucedem ao longo do tempo, porque a realidade muda, mas nós também mudamos. A cidade é a mesma, ou não é a mesma? A nossa percepção também muda — percepção do presente, mas também do passado e do futuro. Percepção do espaço, do tempo. Percepção das coisas, dos temas, das importâncias e das urgências.»
Este ensaio propõe uma breve viagem subdividida em três partes, propondo reflexões para o presente — em movimento — de Lisboa: como chegámos até aqui e como nos transformámos; como estamos hoje e como estamos a mudar; como podemos perspectivar a evolução — e a construção — do próximo futuro.
Faço votos para que a leitura seja não apenas agradável, mas também instigadora ao desenvolvimento de novas perspectivas, individuais e colectivas, em torno desta notável cidade.
Lisboa, Fevereiro de 2021
Parte I. Lisboa
Ninguém poderá conhecer uma cidade se não a souber interrogar, interrogando-se a si mesmo.
JOSÉ CARDOSO PIRES
O Mediterrâneo e o Atlântico
Na Baixa de Lisboa, no lugar dito «das pedras negras», junto ao Largo da Madalena, encontra-se um sólido edifício de antes do grande terremoto, com umas lápides romanas incrustadas na sua fachada lateral. Numa delas, vinda provavelmente de um templo dedicado a Cibele, mãe dos deuses e símbolo da fertilidade, há cerca de dois mil anos alguém esculpiu FELICITAS JULIA OLISIPO. A cidade de Olisipo situava-se não só num local fértil, como era, apesar do seu posicionamento periférico, um importante municipium romano (homenageando Júlio César). E seria também, pelo menos no nome, uma cidade feliz.
Um pouco ao lado, está um restaurante japonês com um quadro alegórico adaptado dos famosos biombos nanban dos séculos XVI e XVII — dos quais alguns magníficos exemplares se encontram no Museu Nacional de Arte Antiga, mostrando a chegada das naus do país do sol poente ao país do sol nascente. Este biombo neomoderno mostra agora não uma nau, mas um avião da TAP, a chegar a uma Lisboa vibrante e cheia de gente. Nas imediações do restaurante, até há pouco tempo (as mudanças têm sido intensas), podíamos encontrar uma associação cultural moçambicana, uma loja de artesanato com figurado de Barcelos e de Estremoz, uma cervejaria de beirões com as melhores sandes de leitão da cidade e um sumo chamado SLB, muitos hotéis, vários restaurantes de comida portuguesa, indiana, brasileira ou mesmo peruana, uma chapelaria fina, uma loja de produtos açorianos e uma loja de conservas de peixe, embrulhadas à mão, uma a uma.
Podemos fazer um retrato igualmente colorido, embora com naturais diferenças nas cores e intensidades, em ruas de Alcântara, de Arroios ou de Benfica. Bem como na Amadora, em Cascais, em Almada ou no Barreiro. Com assentamentos urbanos desde há pelo menos três mil anos, a cidade mais ocidental da Europa é actualmente uma grande metrópole com cerca de três milhões de habitantes, uma rica diversidade social e um intenso dinamismo económico e cultural. Lisboa tem um lugar relevante na história mundial e um capital simbólico de amplo reconhecimento em todo o planeta. É a segunda capital mais antiga da Europa, logo após Atenas. Foi centro político de um império colonial durante cinco séculos. É hoje uma das capitais da União Europeia. Em si pulsa um tecido económico relativamente variado, com forças e fragilidades que reflectem a sua história. Aqui encontram-se as principais estruturas do poder político e administrativo de um país muito antigo, bem como algumas instituições e organismos internacionais de considerável relevo.
Mas é também nesta cidade semicentral e semiperiférica que existe muita pobreza, muita solidão, muitas vulnerabilidades. E não apenas nas suas periferias mais distantes — embora nestas, nas ultraperiferias dentro da própria metrópole, os biombos sejam muito menos artísticos. Neste lugar das pedras negras, à noite, como seguramente há dois mil anos atrás, encontram-se e refugiam-se muitas pessoas sem abrigo. As redes de solidariedade distribuem comida e algum conforto. Aqui, como em muitos outros locais deste vasto corpo que, entretanto, cresceu de forma desmesurada, as diferenças de rendimento e de oportunidades entre gente que dorme quase lado a lado, podem ser multiplicadas por cinco, dez, vinte vezes. A região de Lisboa é também a região mais desigual de um dos países mais desiguais da Europa.
Paradoxos muito activos, neste sítio sublime e de localização global.
O sítio é sublime. Na obra Geografia, escrita há dois mil anos atrás, Estrabão descreve os confins ocidentais da Europa: «e chega-se a um lugar protegido, ameno, com dois estuários.» Não havendo dúvidas de que um dos estuários é o do Tejo, o outro deverá ser o do Sado, mas também a Várzea de Loures, outrora um vasto esteiro. Seja como for, estamos perante uma extraordinária riqueza geográfica e paisagística. Um excelente clima, um amplo e rico estuário com múltiplos esteiros e baías — «uma enseada amena», como lhe chamaram os fenícios, ou «o pequeno Mediterrâneo», como sugeriu Almeida Garrett — umas colinas salientes e protectoras, um vastíssimo e fértil hinterland moldado pela madura hidrografia do maior rio da Ibéria. E, em frente, o imenso mar. Escreveu Orlando Ribeiro no seu famoso livro Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (sexta edição revista e ampliada de 1991):
«No horizonte da cidade, duas montanhas que se vêem uma à outra encerram a escala destas combinações: Sintra, envolta em névoas e afofada de arvoredos frondosos, rica de águas e de sombras musgosas, é uma recorrência do Norte; a Arrábida, nos campos de calcário, no soberbo matagal mediterrâneo, na serenidade das águas onde a serra se despenha quase a pique, um fragmento de riviera isolado à beira do Atlântico. A própria capital é uma cidade tipicamente mediterrânea, combinando, no seu sítio genético, a acrópole, a colina mais isolada e a mais próxima do grande abrigo litoral» (p. 154).
Aqui se desenvolverá uma cidade importante para a história da humanidade. Povoada desde o neolítico e com muitas ocupações sobrepostas: iberos e celtas, fenícios e cartagineses, romanos e visigodos, árabes e berberes, europeus, africanos, americanos, asiáticos. Todos os povos