Pasolini: o fantasma da origem
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Pasolini - Massimo Recalcati
O meu encontro com Pasolini
Encontrei o texto de Pasolini após ter encontrado, quando jovem, o seu corpo morto, ferozmente assassinato. Para a minha geração, Pasolini foi sinônimo de inconformismo, liberdade intelectual, pensamento crítico. O personagem público, a estrela, o intelectual, o poeta, o homossexual apareciam fora dos esquemas, tratava-se de algo fechado e inassimilável ao pensamento dominante. Isso era suficiente para provocar nas novas gerações simpatia espontânea e admiração, que muitas vezes, porém, prescindiam do conhecimento de sua obra. Era uma empatia física, emocional, visceral. Por essa razão a sua morte parecia aos nossos olhos um atentado à nossa própria liberdade, à liberdade sem freios da nossa juventude. O corpo mutilado de Pasolini foi uma comoção. Para os mais jovens que como eu estavam se debruçando sobre os conflitos da política e que estariam, dentro de pouco tempo, entre os protagonistas do movimento de 1977, tal comoção teve o efeito de autêntico testemunho: era possível entrar de corpo e alma na luta por uma sociedade mais justa.
A leitura de Pasolini se deu somente após a sua morte e, muito provavelmente, por causa da sua morte. Em 1978 dediquei a ele a minha tese de bacharelado, intitulada Popolo e religione nell’opera di Pasolini. Na ocasião, eu havia me concentrado em sua primeira produção poética, focada na experimentação da língua friulana que, graças às origens de minha mãe, tive a sorte de conhecer bem e de poder ler diretamente sem recorrer à tradução italiana. O impacto do seu corpo prosseguia assim com o impacto da nossa língua materna comum.
Um sujeito dividido
São diversas e conhecidas as contradições que atravessam a vida e a obra de Pasolini: individualista, corrobora com coragem o compromisso civil e coletivo do intelectual; anticlerical, toma posição resoluta contra o aborto; comunista militante, é expulso do PCI (Partito Comunista Italiano), com o qual terá por anos uma relação conflituosa e cada vez mais áspera; ateu e marxista, permanece profundamente cristão no espírito; anticonformista, detesta o anticonformismo; crítico ácido do instrumento televisivo e do mundo das mídias, revela-se surpreendentemente à vontade naquele mundo; contestador vigoroso do «sistema», posiciona-se contra os jovens contestadores de 1968; antipaternalista, não poupa esforços para apontar o risco do ocaso do pai no nosso tempo; experimentador da língua e das suas gramáticas mais refinadas, permanece crítico irredutível de todo vanguardismo; extraordinário poeta social, mantém-se fiel a uma poesia que não exclui os seus próprios dramas mais secretos e indizíveis; pedagogo libertário, reconhece como insuperável a figura do mestre; homossexual e rebelde, é um conservador dos valores da tradição do mundo do campo; crítico implacável da burguesia e dos seus códigos de conduta, escreve no Corriere della sera e em outros jornais que são expressões típicas deste mundo.
Razão e paixão, história e natureza, pensamento crítico e pulsão nunca encontram em Pasolini uma conciliação segura, mas permanecem em um estado de desacordo constante, sem síntese possível. Aos meus olhos é um dos motivos, não secundário, da sua formidável grandeza. A sua psicologia individual parece cindida entre gentileza e atitude provocatória, altruísmo e avidez pulsional, estrelismo e humildade, mundanidade e solidão, exibicionismo e introversão. Libertário em seu estilo de vida e em seu pensamento, era presa de um fantasma que o ligava a um gozo compulsivo similar àquele de que foi, paradoxalmente, crítico feroz. Foi talvez esta última contradição que o tornou visionário, capaz de ler no desenvolvimento promovido pelo capitalismo italiano do segundo